Os seres humanos são únicos em seus processos de aprendizado e estão misturados e envoltos em um contexto social, que ainda não contempla a diversidade de saberes e aprendizagens, isso inclui não contemplar estudantes com dislexia.
Afinal, como explicar a diversidade? Utilizo a definição da neurociência, que diz que o termo é utilizado para descrever as diferenças existentes entre os cérebros humanos, causadas pela sua constituição, pela genética, pelas emoções e pelo impacto do meio no qual o indivíduo está inserido.
Assim, nenhuma pessoa é igual a outra. Pode ter a mesma patologia, transtorno, enfim, qualquer condição, mas terá sua própria forma de aprender, de absorver os conceitos e de evolução, além de necessitar de planejamento, tratamento e adaptação curricular adequados às necessidades individuais e baseadas na diversidade.
Pensar em proporcionar condições de acesso iguais a todos os educandos deve ser uma constante de toda a comunidade escolar, independentemente de condição social, sexo, raça ou tipo de aprendizagem. Isso é respeito à neurodiversidade! Nenhum cérebro é igual ao outro, então por que o processo de aprendizagem deveria ser o mesmo para todos?
Em um cenário em que, muitas vezes, os professores se encontram sobrecarregados e sem a devida capacitação para trabalhar com todos os estudantes, que podem ter transtornos de aprendizagem, o processo de aprendizagem pode não avançar, além de gerar no educando a baixa autoestima.
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Aprendizado ou repetição?
Reboul (1982, p. 27) diz que o estudante registra palavras ou fórmulas sem compreendê-las. “Repete-as simplesmente para conseguir boas classificações ou para agradar ao professor (…), habitua-se a crer que existe uma ‘língua do professor’, que tem de aceitar sem a compreender, um pouco como a missa em latim (…). O verbalismo estende-se até às matemáticas; pode-se passar a vida inteira sem saber por que é que se faz um transporte numa operação; aprendeu-se, mas não se compreendeu; contenta-se em saber aplicar uma fórmula mágica…”
Essa situação se reflete nas estatísticas de programas como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), que oferece informações sobre o desempenho dos estudantes na faixa etária dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países, e avalia três domínios – leitura, matemática e ciências – em todas as edições ou ciclos. O PISA coloca o Brasil em 44º lugar no ranking, divulgado em 2018. Esses resultados são fruto de um descaso e falta de investimento na educação brasileira.
Uma das habilidades considera no ranking, a leitura é definida pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como a “capacidade de entender, usar e refletir sobre textos escritos de modo a conquistar objetivos, desenvolver conhecimento e potencial e participar da sociedade”.
Por isso, a leitura é muito importante para a constituição do cidadão, pois amplia a capacidade crítica e ajuda no processo de aprendizagem de vários conceitos. Ela tem papel social importante e quando seu processo não acontece de forma assertiva causa angústias em mães, pais e alunos e é motivo de preocupação por parte dos professores, que, na maioria das vezes, não possuem capacitação para lidar com aqueles que não aprendem “do modo padrão” o processo da leitura.
O que é dislexia
Dentre os vários transtornos de aprendizagem, a dislexia aparece mais frequentemente. A Associação Internacional de Dislexia (2003) diz que esse transtorno “É caracterizado por dificuldades na correção e/ou fluência na leitura de palavras e por baixa competência leitora e ortográfica. Essas dificuldades resultam de um Déficit Fonológico inesperado, em relação às outras capacidades cognitivas e às condições educativas. Secundariamente podem surgir dificuldades de compreensão leitora, experiência de leitura reduzida que pode impedir o desenvolvimento do vocabulário e dos conhecimentos gerais”.
Vale ressaltar que a dislexia não é causada por escolaridade deficitária, estrutura familiar fragilizada, recusa em aprender ou rebaixamento cognitivo.
Os professores devem estar atentos a sinais de alerta que podem indicar um estudante disléxico. Alguns deles são:
- Leitura lenta;
- Dificuldade com a soletração e reconto de histórias com poucos detalhes;
- Pular linhas ao ler;
- Trocar as palavras ou os sons das palavras na escrita e na oralidade;
- Ter leitura silabada e imprecisa;
- Apresentar falta de compreensão do que acabou de ler;
- Espelhamento de letras na escrita;
- Dificuldades com cálculos e de decorar a tabuada de fato.
Contudo, é necessário tirar o foco do transtorno e voltar a preocupação para as práticas pedagógicas desenvolvidas para desencadear o processo de aprendizagem em todos os educandos, contemplando toda a diversidade da sala de aula.
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Estratégias pedagógicas inclusivas
Ser empático com o disléxico ajuda a trabalhar sua baixa autoestima, uma vez que seu processo de aprendizagem é frustrante e norteado por angústias. Estão presentes o medo e sensação de não pertencimento ao grupo social e a sua sala de aula. O bullying também pode ocorrer nesses locais, e muitas vezes é motivo de evasão escolar.
A fim de ajudar no engajamento, aprendizado e na inclusão de crianças e adolescentes disléxicos, a Associação Internacional de Dislexia (2013) cita algumas estratégias:
- Dar tempo extra para completar as tarefas;
- Oferecer ao estudante ajuda para fazer suas anotações;
- Modificar trabalhos e pesquisas, segundo a necessidade do aluno;
- Esclarecer ou simplificar instruções escritas, sublinhando ou destacando os aspectos importantes para o aluno;
- Reduzir a quantidade de texto a ser lido;
- Bloquear estímulos externos, caso o estudante se distraia com facilidade;
- Proporcionar atividades práticas adicionais, uma vez que os materiais não oferecem em número suficiente para crianças com dificuldade de aprendizagem;
- Fornecer glossários dos conteúdos e guia para auxiliar o aluno a compreender a leitura;
- Repetir as orientações e recomendações, pois alguns estudantes possuem dificuldade em seguir instruções. Sendo assim, pode-se pedir que o mesmo repita com suas próprias palavras;
- Variar os modos de avaliação, ou seja, apresentações orais, participação em discussões, avaliações escritas e provas com múltipla escolha;
- Estimular o uso de agendas, calendários e organizadores;
- Graduar os conteúdos a serem abordados, em um nível crescente de dificuldade.
Direito à inclusão
A inclusão do estudante com dislexia na escola está garantida e orientada por normativas, e vale ressaltar o que diz a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996:
- A escola deve prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento (inciso V);
- Que se permita à escola organizar a educação básica em séries anuais, períodos semestrais e ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios ou por forma diversa de organização (artigo 23);
- Que a avaliação seja contínua e cumulativa, com a prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período (artigo 24, inciso V, a alínea a).
Sendo assim, diante de tais possibilidades, é possível construir uma proposta pedagógica considerando a participação plena de alunas e alunos com diferentes formas e/ou dificuldades de aprendizagem. Assim, minimizando barreiras e proporcionar a inclusão de fato e de direito.
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Luciana Cordeiro Felipetto é fonoaudióloga clínica e educacional, psicopedagoga, mestre em ciências da educação, especialista em fonoaudiologia educacional pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia. Pós-graduada em Transtorno do Espectro Autista. Escritora do livro “A descoberta do mundo das letras” e coautora dos livros “Contribuições da Neurociência para uma Educação Integradora” e “Neurociência e Saúde Educacional: vencendo limites” volumes 1 e 2, da Wak Editora.
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