Políticas públicas e o uso de tecnologias para a inclusão no ensino superior

Estudo apresenta a evolução de políticas públicas voltadas à educação inclusiva no ensino superior e como a tecnologia contribui nesse processo

A educação inclusiva tem sido tema de reflexão para educadores em todos os níveis de ensino, principalmente quanto ao ensino superior, suscitando discussões que ressaltam a necessidade de políticas públicas para a inserção de pessoas com deficiência no contexto educacional.

São muitos os desafios no atendimento a esse público, tanto por parte dos estudantes como dos professores, que nem sempre possuem conhecimento específico e recursos tecnológicos institucionais acessíveis, que possibilitem a autonomia e o desenvolvimento intelectual, social e profissional necessário para uma formação de qualidade (DOMINGOS, ALMEIDA & BARRETO, 2014).

A partir da reforma educacional iniciada na década de 1990, houve grande ênfase na regulamentação da inclusão na educação básica. Já quanto ao ensino superior, esse processo ainda se encontra limitado (SANTOS & HOSTINS, 2015).

Historicamente, as instituições de ensino superior foram excludentes, seja pela seleção na forma de ingresso, localização geográfica, priorização dos grandes centros e/ou por prática pedagógica docente não inclusiva, entre outros fatores que dificultam o acesso e a permanência de grande parte da sociedade às universidades, em especial das pessoas com deficiência, embora haja diversas legislações que normatizam as políticas públicas para a educação inclusiva e documentos governamentais com dados quantitativos, que denotam a ampliação das matrículas e a melhoria na qualidade da educação (LAMONIER, 2016; MARTINS, LEITE, LACERDA, 2015).

Marcos legais

O primeiro documento direcionado às pessoas com deficiência, organizado pelo Ministério da Educação (MEC), “Aviso Curricular 277”, de 08 de maio de 1996, veio orientar os reitores das instituições a se adequarem ao processo de acesso e inclusão no ensino superior, como também nortear procedimentos requeridos nos estágios de seleção e adaptação.

Posteriormente, foi sancionada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96. Todavia, essa regulamentação não definiu, objetivamente, quais as diretrizes deveriam ser seguidas para a inclusão no ensino superior. A Lei estabelece, de forma direcionada, à obrigatoriedade dos sistemas de ensino se tornarem inclusivos, sem, no entanto, discutir e descrever a participação das pessoas com deficiência nesses contextos.

Em 2002 começou-se a pensar na formação e capacitação de professores universitários, por meio dos cursos de licenciatura, para contemplar conhecimentos sobre crianças, adolescentes, jovens e adultos, incluindo as especificidades dos estudantes com deficiência e das comunidades indígenas (BRASIL, 2002).

O lançamento do Programa de Acessibilidade na Educação Superior – “INCLUIR”, em 2005 e que se encontra vigente até o momento, foi de suma importância, pois propõe ações que garantem o acesso pleno de pessoas com deficiência às instituições federais de ensino superior, fomentando a criação e a consolidação de núcleos de acessibilidade, eliminando barreiras comportamentais, pedagógicas, arquitetônicas e de comunicação (BRASIL, 2014).

Em 2013, o documento “Referenciais de acessibilidade na educação superior e a avaliação in loco do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior” foi criado para servir de subsídio para os avaliadores do MEC quanto ao assunto em questão.

O documento mais recente no que se refere a políticas públicas para pessoas com deficiência no ensino superior para o decênio de 2014 a 2024 é o Plano Nacional de Educação (PNE), que visa a inclusão de minorias, enfatizando a universalização e ampliação da acessibilidade à educação e Atendimento Educacional Especializado (AEE).

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A inclusão no ensino superior

Dados do Censo da Educação Superior passaram a ser disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) a partir do ano de 1995, mas, até o ano de 1999, não haviam informações referentes a estudantes com deficiência nas universidades. Esses registros foram contabilizados somente a partir do ano 2000 (BRASIL, 2008b).

No período de 2000 a 2011, o número de estudantes público-alvo da educação especial matriculados em instituições de ensino superior foi crescente, porém o aumento foi tímido e representou menos de 1% do total, considerando instituições públicas e privadas, em cursos presenciais e a distância. O percentual pode ter sido influenciado diretamente pela forma de ingresso (vestibular), associado aos indicadores de vagas e evolução de matrículas (MARTINS; LEITE & LACERDA, 2015).

Há que se ressaltar ainda a permanência no ensino superior, que nem sempre é favorecida, pois há outros condicionantes implicados para que o acadêmico com deficiência consiga concluir seu curso universitário, como o fator socioeconômico, haja vista que a maioria da população com essa característica possui condições financeiras precárias, conforme os dados censitários (ANACHE, 2018).

Contudo, nos últimos anos o número de matrículas nas instituições de ensino da iniciativa privada, mediante as bolsas concedidas por programas sociais, tem crescido. E nas universidades públicas esse número também tende a aumentar, tendo em vista as atuais políticas de ação afirmativa, a exemplo das reservas de vagas.

Há evidências de que as barreiras no âmbito do currículo, a falta de recursos acessíveis e a formação profissional docente e dos técnicos administrativos para lidarem com os estudantes com deficiências ainda perduram, ficando as condições de permanência restritas aos esforços individuais, de familiares e colegas (ALCOBA, 2008; MOREIRA, 2011; ANACHE, ROVETTO E OLIVEIRA, 2014; CABRAL, 2017).

Nesse contexto, verifica-se que a educação especial, na perspectiva inclusiva, requer uma transformação das práticas sociais vivenciadas no país, em busca de alcançar uma sociedade democrática, com igualdade para todos, conforme prevê a legislação brasileira (SIMIONATO, 2011).

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Tecnologias da Informação e Comunicação

Mediante a isso, muito está se discutindo sobre a prática docente a partir do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Além de favorecer determinados comportamentos, as TICs têm influenciado significativamente nos processos de aprendizagem e inclusão no contexto universitário e social (DOMINGOS, ALMEIDA & BARRETO, 2014).

O termo Tecnologia da Informação e Comunicação surgiu na última década, substituindo a palavra informática. As Tecnologias de Informação e Comunicação estão nos computadores e tablets com sistemas digitais interativos, celulares conectados à internet, rádios portáteis, televisores domésticos, em livros, em carros, no GPS, nas câmeras dos celulares, entre outros produtos, e podem ser usadas de forma efetiva e vantajosa para minimizar a distância entre professores e estudantes na construção do conhecimento e aprendizagem de ambos, transformando a sociedade atual (CASTILHO, 2014).

Portanto, as novas gerações estão crescendo em uma “sociedade da informação” e os sistemas educacionais precisam se adaptar a essa nova realidade, sem a exclusão de pessoas com deficiência. Nesse contexto, os recursos das tecnologias devem ser amplamente utilizados em prol da educação de todos os estudantes, mas notadamente em favor daqueles que apresentam peculiaridades que lhes impedem ou dificultam a aprendizagem por meios convencionais (GONÇALVES, W., GONÇALVES. V. & FIRME, 2016).

Estudos mostram que a utilização das TICs, se devidamente planejada e adequada, pode viabilizar o desenvolvimento das alunas e alunos, ao trazer recursos altamente atrativos, instigantes e estimulantes para que o aprendizado dos estudantes aconteça sem traumas, inclusive favorecendo a cooperatividade, interação, criação e a possibilidade de superar barreiras que possuem em decorrência das limitações pessoais, além de valorizar suas potencialidades (GOMES; LIRA & FRANÇA, 2016; SOUSA, SANTOS & SCHLUZEN, 2005).

Estudos revelam que os estudantes se tornaram “cidadãos digitais”, enquanto a formação de professores e a prática em sala de aula em todos os níveis de ensino pararam no século passado. Diante disso, o professor deve criar situações de aprendizagem, experimentar e corrigir a sua atuação, buscando se capacitar e desenvolver competências e habilidades para executar novas práticas pedagógicas, que atendam à evolução do novo cenário educacional mundial, em que as TICs são uma realidade (PEREIRA, TARCIA & SIGULEM, 2014).

No Brasil, a formação de professores e demais agentes educacionais ligados à educação segue ainda um modelo tradicional, inadequado para suprir as reivindicações em favor da educação inclusiva (PLETSCH, 2009). Sendo assim, suscitam-se cada vez mais discussões quanto aos programas de inclusão e ressalta-se a necessidade de investimentos na capacitação docente para atender essa demanda, que tem sido exponencial no cenário atual (SANTOS & PEQUENO, 2011).

Em uma biblioteca, dois estudantes, uma mulher e um homem brancos, observam um tablet. A estudante está em cadeira de rodas. Fim da descrição.
Fonte: IStock.

Formação docente

A inclusão de estudantes com deficiência no sistema regular de ensino no Brasil, tanto na educação básica quanto no nível superior, é um processo complexo e tem sido alvo de muitas discussões, com amparo e fomento pela aplicação da legislação. Contudo, destaca-se a falta de capacitação dos professores para receber nas salas de aula esse público, como mostrado nos resultados das pesquisas de Naujorks (2002), Santos (2007), Siems (2008) e Rodrigues (2008).

É consenso que todos os professores querem que seus alunos aprendam, mas nem todos estão atentos a algumas das características do processo de aprendizagem. Os docentes precisam apresentar competência pedagógica para o processo de inclusão e não podem estar limitados apenas ao repasse de informações e técnicas, mas sim, terem a capacidade de atentar-se às questões referentes ao seu estudante, bem como mediar suas dificuldades e habilidades, pois o ensino exige aperfeiçoamento (MASETTO, 2003).

Na educação inclusiva, educadores e estudantes trabalham juntos no processo de ensino e aprendizagem. O professor preocupado em exercer com qualidade sua profissão precisa desenvolver melhor o seu raciocínio, a capacidade de pensar, competência para ensinar e superar obstáculos, encarar as diferenças e estar pronto para as diversas realidades que envolvem a todos. Para isso, é relevante a valorização do contexto da troca de experiências, atitudes e valores dentro ou fora de sala de aula, pois a docência engloba tanto práticas escolares como não escolares. Nesse sentido, as educadoras e educadores precisam atuar como um grande ator social da educação para a construção de uma sociedade democrática e inclusiva (LIMA, 2017).

A metodologia de ensino não demanda meramente o uso do vídeo, do trabalho em grupo, da aula expositiva, dentre outros recursos pedagógicos. É necessário aproximação entre a teoria e a prática por meio da contextualização em uma abordagem interdisciplinar (PEREIRA, 2013).

Os saberes trazidos pelas experiências dos estudantes fatalmente podem confrontar o diálogo com o conhecimento acadêmico, requerendo adaptações e ajustes curriculares (MAGALHÃES, 2013).

As TICs são então instrumentos de auxílio no processo educativo, não como ferramentas substitutivas ao professor, e sim como recursos que auxiliam à aprendizagem, pois o conhecimento não provém apenas de uma tecnologia, mas da soma de habilidades e competências que habilitam o professor a efetivamente educar (PEREIRA, TARCIA & SIGULEM, 2014).

Sendo assim, é notória a necessidade de planejamento para o desenvolvimento de um trabalho didático-pedagógico de inclusão (PLETSCH, 2014).

Ensino superior caminha para a inclusão

A inclusão de pessoas com deficiência na educação superior cada vez mais se torna maior, atual e necessária. Com a abertura das políticas públicas e o fortalecimento das condições de acessibilidade tem-se desenvolvido a inclusão das diversidades, embora ainda timidamente.

Esse é um processo complexo, seja em instituições públicas ou particulares, pois a maioria dos profissionais ainda não está preparada para executá-la em cumprimento às políticas públicas existentes. Estudos revelam que entre os fatores que dificultam o processo de inclusão está a falta de capacitação dos professores, aliada à falta de recursos tecnológicos e/ou pessoas habilitadas para manipulá-los, além da estrutura arquitetônica inadequada e o preconceito. Assim, verifica-se que é necessário romper barreiras, de modo a valorizar a diversidade, respeitar as diferenças e contribuir para a dignidade das pessoas com deficiência.

Apesar de avanços quanto às políticas públicas e as TICs estarem contribuindo para a inclusão no Brasil, dados do Censo evidenciam que ainda há um baixo número de pessoas com deficiência cursando o ensino superior e sendo inseridas no contexto social. Assim, constata-se a importância de investimento em pesquisas, para o direcionamento de um planejamento pedagógico adequado, que possibilite de fato a inclusão e que toda a sociedade venha a se beneficiar.

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O artigo completo, com as referências bibliográficas, foi publicado originalmente e está disponível para leitura no Repositório Institucional do Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – UNICEPLAC.

Cristiane Maria Ventura e Luana Pires Gonçalves são formadas em (a confirmar) e têm pós-graduação em Gestão do Ensino superior pelo Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos – UNICEPLAC.

Este artigo é de responsabilidade das autoras e não representa, necessariamente, a opinião do Instituto Rodrigo Mendes.

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