A inclusão escolar tem início na convivência

Começarei meu diálogo por uma metáfora: quando nós vamos colocar mais um peixe no nosso aquário lá de casa, há uma regra básica no mundo dos amantes de aquários. Primeiro é preciso ir até uma loja, escolher um peixinho que caiba dentro do espaço que nós já temos em casa. Não dá pra comprar um peixinho cujo espaço não seja suficiente para ele viver.

Depois da compra, o vendedor sempre tem o cuidado de nos dizer que nós precisamos ambientar o peixe antes de soltá-lo no aquário. Mas o que é uma ambientação de peixe? Essa resposta é a mesma que deveria ser dada a uma escola que tenta fazer processos de inclusão, mas não atinge grandes resultados.

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Seguimos, a ambientação do peixe diz que a salinidade da água onde o peixe vai morar, que é nossa casa, é diferente daquela de onde ele veio, a loja. Portanto, nós precisamos pegar copos de água desse novo aquário e adicioná-la ao pacotinho onde, ainda fechado, está o peixe a ser transferido. Isso é para que ele possa se ambientar, adaptar, ao novo sabor, aos poucos. Enquanto isso segue por cerca de dois dias, o novo morador fica fechado dentro do pacotinho, mas já dentro do aquário.

Esse período faz despertar, nos moradores antigos, uma curiosidade sobre quem é aquele que está ali. Mas essa curiosidade pode virar agressão e, por isso, o pacotinho permanece fechado, para não colocar em risco o que está chegando e para não despertar o pior em quem já está lá. Tudo isso que estou falando tem relação à ambientação.

Agora vejamos o que é mais interessante: nós fazemos tudo isso para ambientar um peixe, e quando se trata de inclusão escolar de uma criança público-alvo da educação especial, muitas vezes alguém abre a porta da sala de aula e fala para o educador: “chegou mais um”.

Será que isso dará resultado positivo? Será que nós, educadores, familiares e terapeutas não podemos ambientar estudantes em espaços com mais humanização?

Diante das diversidades nas regiões, das especificidades de cada localidade do Brasil, da insuficiência dos recursos e dos investimentos aplicados em educação e saúde, faz-se necessário avaliar o porquê dos resultados tão diferentes, surgidos da aplicação dos mais diversos métodos de desenvolvimento social, considerando como resultado desse processo a tríade do desenvolvimento biopsicossocial, no qual a inclusão deveria estar pautada.

A razão dos insucessos pode estar na dificuldade das comunidades em construir ambientes educativos com as características peculiares, com as estruturas apresentadas por suas localidades e com os recortes de cada método, ou teoria em prol das comunidades, que lutam por cidadania. A multiplicidade de linguagens e as disformidades na aplicação delas estão presentes nos relacionamentos e nas ações sociais e do trabalho ali desenvolvidos.

Multiplicidade de saberes

A escola e as comunidades têm apresentado grandes problemas de entendimento e entrosamento, que desencadeiam ações não pertinentes, ou inócuas em função da pouca percepção que se tem dessas novas exigências interativas entre homem-meio-relações humanas.

O resultado disso são problemas infindáveis nas organizações de trabalho futuro. Essas organizações são e serão o paradeiro dos estudantes. Todas as disformidades nas propostas das escolas, que são responsáveis por essas formações e pela terminalidade dessas alunas e alunos, acabam elaborando um completo desajuste na construção de ambientes educativos, aqueles orgânicos, com vida própria e voraz, com relações intensas e com interações edificadoras.

Os alunos estão nos espaços, mas os espaços não estão humanizados e ambientados para eles, e isso não tem nada a ver com adaptabilidade. Ambientação é uma meta e uma aceitação. 

Aprendizagem na convivência

A solução pode estar no desenvolvimento de uma nova postura, que visa perceber que multiplicidade é essa que pode estar nos espaços que compõem a vida de todos nós, e que pode e tem que ser usada a favor de todos os estudantes, sem exceção. 

A saúde, a educação, a segurança pública e todas as outras dimensões sociais precisam de projetos que levem o homem a ter corresponsabilidade pela construção ou reconstrução da qualidade na aprendizagem e da convivência.

Assim, projetos que surgem no meio destas comunidades, sejam eles de saúde ou de educação tendem, quase sempre, a serem melhor pertinentes, pois partem de uma necessidade verdadeira para um público verdadeiro.

Projetos de responsabilidade social podem ser uma grande saída para a construção de cidades mais saudáveis, mais educativas e mais participativas, no entanto esses projetos também precisam partir de um diálogo entre a comunidade e os participantes delas: empresários, políticos, estado etc.

Não se pode continuar permitindo que projetos atravessados e equivocados continuem chegando ou surgindo no seio de uma sociedade carente e que, por isso, se caracteriza também como vulnerável. Muitas vezes esses projetos, ao invés de representarem ganho e desenvolvimento da comunidade, acabam por interferirem demais na dinâmica dela, impondo-lhes ritmos e culturas que não podem ser reconhecidas e aceitas por aquele grupo. Nesse caso, sendo a imposição algo muito forte a ponto de descaracterizar a comunidade, ela, a sociedade, seguramente irá rejeitá-los ou simplesmente irá participar dele de forma superficial, não se identificando.

O resultado disso tudo são os acúmulos de projetos sociais e de responsabilidade, mas com pouca transformação da comunidade justamente pela razão de não participação efetiva da elaboração dele e pelo distanciamento dos aspectos emocionais que envolvem a ambientação. 

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Espaços escolares

Esse é um tema que sempre me incomodou e incomoda quando o assunto é inclusão. Eu sempre acreditei que os espaços ditos escolares, aqueles formais, precisavam de uma vivacidade a mais. Precisavam de algo que pudesse demarcar as margens de onde se começavam e para onde iriam as coisas vividas ali. As palavras sempre foram muito confusas na tentativa de definir esse lugar, pois apesar deles se autodenominarem ambientes educativos, o que eu sempre visualizo, na maioria das vezes, são apenas espaços, sem a vida necessária para compô-lo como ambiente cognitivo.

Para uns a escola é o espaço relacional, para outros é o ambiente educativo, para outros é o lugar onde as ações pedagógicas acontecem, para outros ainda é o espaço físico da aprendizagem. Por essas e por outras definições é que muitos acabam vendo o que chamamos de escola como mais um espaço de uma sociedade. De fato, é também, mas não é só isso. Seria pequeno demais considerar a escola com tamanha pequinesa.

Na escola está a esperança de que a mobilidade social, para os que possuem ou não deficiência, seja efetivada em sua mais nobre composição. O problema é que a nossa forma de ver a escola é determinada pela nossa crença naquele lugar e, muito mais sério que isso, é quando vemos um lugar dessa ou daquela forma, o concebemos dessa ou daquela forma, perdendo a especificidade do olhar e do agir. Mas as palavras não mentem nossos olhos e nossas ações. Muitas vezes contrariam o velho discurso de igualdade para todos, garantia de direitos para todos e espaços justos para todos.

Precisamos acreditar e realizar a inclusão, errar tentando edificar a inclusão. Precisamos acertar nas diferentes formas de pensar e de buscar subsídios para a inclusão. Coloquemos emoção, compromisso, verdade e competência e, brevemente, aparecerá na sala de aula a mesma cumplicidade e responsabilidade que na hora de fazer um peixe habitar um outro aquário.


Geraldo Peçanha de Almeida fez estudos de aperfeiçoamento em educação especial em Cuba. É psicanalista, pedagogo, mestre em teoria literária e doutor em crítica literária. Autor de mais de 70 livros, entre infantis, livros para educadores, livros para pais e livros de autoconhecimento. 

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