Educadora ensina matemática na pandemia com “O Pulo do Gato”

Com blocos de atividades e apoio da equipe escolar e da comunidade, educadora de desenvolve trabalho remoto para facilitar a compreensão da matéria

Por conta da pandemia de covid-19, as aulas presenciais foram suspensas em março de 2020 no Educandário Anísio de Souza Marques, localizado em Iraquara, Bahia. A preocupação inicial do corpo docente era como adaptar os conteúdos ao ensino remoto, pois não sabíamos que caminho seguir.

Uma grande aflição tomou conta dos professores e começamos a refletir e planejar o que poderíamos fazer para que a aprendizagem não fosse interrompida. Na escola, a maior dificuldade nesse período de isolamento foi adaptar o ensino presencial para o ensino remoto, principalmente em matemática, que sempre exigiu uma atenção a mais na sala de aula. Eram necessários muitos cuidados: com os estudantes, com seus familiares, com os funcionários. Com todos.

Depois de muitas reflexões, desenvolvemos um trabalho maravilhoso de matemática chamado “O Pulo do Gato”, realizado com 33 estudantes do quinto ano do ensino fundamental, a fim de continuar o processo de aprendizagem que já vinha sendo realizado em sala de aula.

Ensino de matemática

Envolvemos todos os eixos da área de matemática e tivemos como principal objetivo construir estratégias para enfrentar de forma mais crítica os problemas propostos, bem como analisar os enunciados para verificar quais os dados necessários para a resolução, a fim de controlar a adequação dos procedimentos.

O que contribuiu para a realização do trabalho foi uma formação continuada dos grupos pilotos de matemática promovido pela Secretaria de Educação do município para os professores dos 3º e 5º anos, em prol de um melhor trabalho em matemática para os alunos em conclusão de ciclo.

Durante a formação, realizamos um diagnóstico para observar as dificuldades de aprendizagem que as alunas e alunos apresentavam na resolução de problemas. A partir de então, constatamos que eles não estavam conseguindo utilizar diferentes estratégias para chegar ao resultado esperado. Muitos, ainda, estavam utilizando objetos concretos para alcançar as respostas, o que levava muito tempo para responder a problemas simples.

Com o resultado da avaliação inicial, começamos estudar os erros e acertos dos estudantes para entender melhor suas dificuldades e trabalhá-las durante o período de pandemia. Surgiu, então, a necessidade de revisitar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ressignificar os planos de ensino e trabalhar remotamente conteúdos que estavam no nível de entendimento dos educandos, aumentando o nível dos problemas de acordo com as devolutivas.

Para garantir que 100% dos alunos participassem das aulas, blocos de atividades eram distribuídos em quinze comunidades pelos educadores da escola. Essa ação possibilitou que todas e todos realizassem as atividades, já que a maioria não tem acesso à internet. Conseguimos chegar com os blocos mesmo nas comunidades mais remotas, e, a cada quinze dias, voltávamos para recolher o que foi feito e levar um novo bloco.

Em espaço externo, educadora entrega blocos de atividades para três estudantes, acompanhados de adulto. Todos usam máscara. Fim da descrição.
Fonte: arquivo pessoal.

Realização durante a pandemia

A escola se organizou, montou roteiros e dividiu-se em equipes para que as atividades chegassem a 100% dos estudantes. Essa estratégia foi certeira, pois, além de levar e recolher os blocos de atividades, os professores ainda anotavam quais eram as dificuldades enfrentadas pelos alunos.

Com base nas devolutivas dos demais estudantes e seus familiares, foi realizado um mapeamento e concluímos que oito necessitariam de atividades adaptadas, devido às dificuldades apresentadas ao realizar as atividades sem o auxílio dos professores.

A partir disso, nos reunimos com a professora da sala de recursos multifuncionais para juntas fazermos as adaptações adequadas, respeitando o nível de entendimento de cada um. Com a formação realizada pela professora do Atendimento Educacional Especializado (AEE), pudemos utilizar o mesmo conteúdo da sala regular.

Três estudantes realizam atividades sobre mesa. Um deles fala ao celular enquanto observa folha. Fim da descrição.
Fonte: arquivo pessoal.

Participação de todas e todos

Todas as crianças tiveram uma participação efetiva durante esse período de adaptação de atividades remotas. Para alguns estudantes, que possuíam deficiência intelectual ou dificuldades de aprendizagem, foram realizadas adaptações curriculares como forma de auxiliar cada vez mais e os ajudar a desenvolver suas potencialidades.

As atividades garantiam o conteúdo dentro do nível de entendimento dos alunos, pensando nas singularidades, facilidades, dificuldades e tipos de atividades que preferiam, para que pudéssemos trazer cada aluno para mais perto e, assim, orientá-lo a realizar as atividades propostas, visando sempre os avanços.

Isso facilitou para os alunos e também para os familiares que tinham dificuldades em ajudar as crianças em casa. Também eram enviados áudios de uma forma mais explicativa, ou a professora realizava ligações conversando diretamente com os alunos para tirar dúvidas e ajudá-los da melhor maneira possível, para que cada um se sentisse mais perto, mesmo que estivéssemos distantes fisicamente. Em consequência disso, as famílias demonstraram prazer em conseguir orientar as tarefas enviadas para as crianças.

A cada bloco de atividades recolhido, a professora, juntamente com a coordenadora dos planejamentos, fazia uma análise das atividades realizadas por esses alunos e registrava as dificuldades e os tipos de atividades em que mais se empenhou e realizou com autonomia. Com base nessas anotações, elaborávamos as atividades dos blocos seguintes. A partir daí, o aprendizado de todos os estudantes evoluiu gradativamente, deixando familiares, responsáveis, alunos e professores satisfeitos.

Em espaço aberto, estudantes estão sentados em carteiras dispostas com distanciamento social. Ao centro, educadora está agachada falando com estudante. Todos usam máscara. Fim da descrição.
Fonte: arquivo pessoal.

Apoio da comunidade

A comunidade local, as mães, os pais e responsáveis participaram ativamente no decorrer do trabalho. Pessoas das quinze comunidades que a escola atende se disponibilizavam em entregar os blocos como forma de ajudar a escola, elas também compartilhavam internet, passavam recados, emprestavam celulares.

Durante todo o trabalho, os alunos foram protagonistas da aprendizagem, construída com o apoio de toda a comunidade escolar. A pandemia serviu para que pudéssemos sentir mais de perto os desafios que as comunidades enfrentam em seu dia a dia. Dentre elas, as desigualdades sociais.

No mapeamento que fizemos, concluímos que muitas famílias não tinham celular nem mesmo para ligação, outras tinham, mas sem acesso à internet. O auxilio emergencial foi importantíssimo, mas não foi suficiente para que as famílias conseguissem comprar pacotes de internet para se comunicarem pelo WhatsApp. Por isso, que as comunidades se mobilizaram para que as informações chegassem a todos. Os professores também não mediram esforços para, com seus transportes próprios, levar e recolher os blocos de atividades, bem como ouvir os alunos e familiares.

Nas reuniões realizadas nas escolas, a equipe gestora e os professores sempre buscavam formas de solucionar os problemas pontuados pelas famílias durante as visitas dos professores. Diante disso, as questões sociais foram incluídas no decorrer do percurso: questões relacionadas à higiene e cuidados com a saúde, incluindo sempre assuntos que estivessem no nível de entendimento dos estudantes, como questões culturais, assuntos que estivessem nas mídias, atividades práticas e artísticas.

Percebemos que, quando os problemas envolviam questões do cotidiano, eles conseguiam responder com mais facilidade e utilizavam estratégias com base em seus conhecimentos de mundo para chegar aos resultados.

Andamento do projeto

O projeto foi dividido em etapas. Enquanto os estudantes iam avançado, íamos aumentando o nível dos problemas. Iniciamos com problemas simples, avançamos para moderados e finalizamos trabalhando com problemas com alto grau de complexidade.

Com os investimentos realizados na resolução de problemas, percebemos que era necessário aumentar o grau de dificuldade, pois os alunos estavam avançando muito nas estratégias de resolução. Esse avanço ficou visível quando os blocos eram socializados e para confirmar se realmente foi o aluno que respondeu, fazíamos as ligações para cada aluno individualmente, para que ele pudesse explicar como ele chegou ao resultado, compartilhando com as professoras qual foi a estratégia utilizada. Ainda questionávamos se o problema poderia ser respondido de outras maneiras, para confirmar a aprendizagem.

Estudantes público-alvo da educação especial também passaram por essas etapas, respeitando as habilidades de cada um. Realizamos também a leitura colaborativa de vários problemas, tendo como base o aumento do valor dos alimentos no tempo de pandemia.

Os blocos de atividades eram produzidos com base no retorno do bloco anterior; ao perceber que o aluno tinha conseguido realizar todas as atividades, isso era um indicador de que poderíamos aumentar um pouco o nível de dificuldade no bloco seguinte. As atividades eram bem explicadas: com datas para realização, orientações e consignas claras, também utilizávamos cores variadas para orientar melhor cada procedimento.

É importante salientar que só foi possível realizar a ação de ir de casa em casa buscar e levar os blocos devido a uma rotina bem organizada, envolvendo todos os profissionais da escola.

Pensando na motivação dos alunos, foram elaboradas atividades dinâmicas e práticas, e atividades artísticas e gincanas, com o intuito de qualificar e ajudar as crianças no decorrer dos trabalhos.

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Quando em uma determinada comunidade surgiam casos de covid, suspendíamos a entrega dos blocos, enviávamos as atividades nos grupos do WhatsApp ou orientávamos pelo telefone a realização de outras atividades práticas com a família, para que todos mantivessem a mente trabalhando.

Foram explorados também problemas de probabilidade e estatística, interpretação de gráficos de dupla entrada, interpretação de tabelas com quantidade de doses de vacinas da covid-19 aplicadas em cada estado, problemas faltando informações para que indicassem as perguntas mais adequadas, situações problemas relacionando e comparando resultados, problemas com questões sociais (situações problemas sobre os incêndios na Chapada Diamantina, por exemplo); escrita de autoavaliação expondo facilidades, dúvidas, dificuldades e sugestões para aulas, resolução de problemas com medidas de massa e tempo com apresentação e escrita de estratégias que foram empregadas, dentre outros.

Para finalizar, foi realizado um diagnóstico e um relatório de cada aluno, comparando o diagnóstico inicial, o processo e o final. Preenchemos também fichas com os indicadores de aprendizagens.

Aprendizados pessoais

Aprendi a viver em uma situação atípica que até então nunca tinha vivido durante meus 24 anos de trabalho na educação. Adaptei, pois não tinha muito costume de lidar com as novas tecnologias e o momento exigiu de mim uma nova visão de como levar a aprendizagem necessária até as crianças, principalmente em um tempo como esse.

Busquei formas para os alunos compreenderem melhor o conteúdo a ser trabalhado no plano de ensino, vinculado ao currículo do município, explorando os livros didáticos, principalmente o de matemática.

Aprendi a ser mais compreensiva com as dificuldades que as famílias e estudantes possuíam ao realizar as tarefas, pois eles não tinham formação para tal.

Procurei inovar na elaboração das aulas e atividades, buscando sempre utilizar meios tecnológicos, como vídeos, áudios, jogos, aplicativos e plataformas virtuais, como o Google Meet. Busquei formas de avaliar a aprendizagem das crianças de longe, analisando blocos, sondando por meio de questionamentos em ligações e conversas.

Trabalhei em cima dos erros e acertos das meninas e meninos, em prol de uma aprendizagem mais sólida. Sempre ouvindo-os por meio das ligações, mensagens, áudios, autoavaliações orais e escritas realizadas.

Procurei sempre trazer os estudantes como protagonistas da história local onde sempre estiveram, sendo ativos e tendo voz para que, assim, ocorresse o crescimento e melhoria do trabalho, tendo como consequência uma melhor aprendizagem.

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Nosso projeto atingiu seu ponto culminante quando chegamos ao final e observamos o desenvolvimento das crianças e sua autonomia em resolver diversos problemas, usando muitas formas e estratégias diferentes em todos os cálculos feitos por eles.

O resultado do diagnóstico de matemática nos surpreendeu, mostrando o desenvolvimento das crianças em uma área que, até então, eles mesmos diziam que não gostavam. No final do ano letivo, quando a equipe gestora apresentou nosso trabalho para toda a rede educacional de Iraquara, ele foi tido como um trabalho pioneiro, que todas as escolas dos municípios seguiram fazendo durante 2021.

Tivemos um bom resultado com essa forma de atender as crianças, sem deixar nenhuma sem atividades.

Por isso, sempre enfatizamos a importância de os professores estarem sempre em formação, buscando melhorias na aprendizagem dos estudantes, além de terem um compromisso profissional, mesmo passando por um momento difícil como foi e está sendo essa pandemia, que afetou toda a população mundial e, principalmente, as nossas escolas.


O projeto “O Pulo do Gato” foi um dos dez vencedores do Prêmio Educador Nota 10 de 2021. 

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