Escola municipal em Manaus desenvolve mandala curricular

A Escola Municipal Professor Waldir Garcia, no bairro de São Geraldo, está localizada em área vermelha, às margens de um igarapé na periferia de Manaus (AM), região norte do Brasil. Na unidade, atendemos uma comunidade em vulnerabilidade social, que sofre com a fome, desemprego, falta de moradia, lazer e cultura, saúde, saneamento básico e segurança. 

Inaugurada em 1986, atualmente a escola atende 253 alunos do ensino fundamental I em tempo integral, das 7h às 17h. Há procura e matrícula elevada de alunos imigrantes e refugiados (venezuelanos, haitianos, cubanos, bolivianos e dominicanos), crianças com distorção em idade série, crianças com deficiência e em situação de risco. 

Garantir que todos aprendam na Waldir Garcia não é suficiente, principalmente levando em consideração as desigualdades sociais da nossa escola. Portanto tínhamos que pensar nessa demanda social que buscasse a equidade, vendo-a como fator determinante para promovermos a justiça social. 

Sabíamos que deveríamos ser imparciais para reconhecer o direito de cada um, na busca de torná-los iguais, sem preconceitos ou privilégios, ofertando oportunidades de desenvolvimento a todos para ter uma sociedade mais humana. 

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Projeto Político-Pedagógico

É a partir desse cenário escolar com tanta diversidade e pluralidade cultural que surgem os desafios educacionais para equipe gestora. Tivemos que reescrever nosso Projeto PolíticoPedagógico (PPP), ressignificar a prática escolar e fazer as adequações pedagógicas necessárias para promover a inclusão e a equidade. 

Tivemos que repensar nossa prática pedagógica tradicional, que acentuava as desigualdades e contribuía para promover a exclusão, porque não dá para falar em educação sem viver a prática da inclusão de fato e de direito de todos os atores educacionais envolvidos no processo ensino-aprendizagem. 

Diariamente temos que pensar e oportunizar múltiplas estratégias e ações para combater a exclusão e o preconceito, provocados pelas diferenças de classe social, educação, idade, deficiência, gênero e raça. Uma vez que trabalhar com as diferenças é essencial para transformação da educação e da sociedade. Dessa forma, passamos a liderar esses processos de forma colaborativa, assumindo papéis diferentes e complementares. 

Gestão democrática

Era urgente mudar para uma gestão democrática, seguindo os princípios da Educação Integral, colocando o estudante como centro da escola e vendo-o de forma integrada, isto é, respeitando o seu desenvolvimento em todas as suas dimensões: intelectual, física, emocional, social e cultural. 

Para rompermos com uma gestão centralizadora, inflexível e com nossas práticas educativas tradicionais que contribuíam para exclusão, criamos um Grupo de Trabalho (GT) para estudos coletivos para discutirmos nossa proposta pedagógica e sobre as diversas experiências existentes no Brasil e no mundo que trabalhavam com a concepção de educação integral e com práticas inovadoras na educação. Promovemos um movimento de corresponsabilização dos sujeitos na constituição da aprendizagem dos alunos, através do compromisso com a transformação social, onde o indivíduo se faz no coletivo e o coletivo considera a singularidade de cada um.

Assim, o GT composto pela equipe escolar da Waldir Garcia, com apoio da Secretaria Municipal de Manaus (SEMED) e do respectivo Coletivo, trabalhando em rede e em colaboração, começamos a estudar, escrever e implementar as mudanças e adequações pedagógicas para promovermos a inclusão.

Fomos estudar entre pares, com estudos coletivos sobre escola democrática e gestão participativa, Educação Integral, empatia, trabalho em equipe, protagonismo e criatividade, múltiplas interações, personalização do ensino, direitos de aprendizagem, participação educativa da família e da comunidade, práticas pedagógicas inovadoras, mandala curricular e autoavaliação.

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Mudanças organizacionais

A partir dessa parceria com o Grupo de Trabalho, o Coletivo Escola e Família do Amazonas (CEFA), organizações da sociedade civil, Universidade Federal e Estadual do Amazonas, Unidade Básica de Saúde (UBS), igreja, professores, estudantes, familiares e comunidade do entorno, que ressignificamos nossa formação e iniciamos o projeto que buscava as mudanças organizacionais necessárias na escola. 

Começamos a vivenciar ações de uma intersetorialidade com muita articulação a partir do território escolar. Fomos extrapolando os muros da escola em busca de alianças e de novos conhecimentos. 

Para garantir de fato a inclusão em nossa escola, articulamos com todos os atores educacionais e parceiros do CEFA e SEMED, que alinharam uma cooperação técnica com a Fundação SM e com o Centro de Referências em Educação Integral para trabalhar conosco a formação continuada com todos os servidores da escola, assim compreendermos e internalizarmos a concepção de educação e construirmos nossa mandala curricular. Uma mandala dos saberes coletivos e individuais. 

Repensar a prática pedagógica

Reunimos toda escola para estudarmos e ressignificarmos nosso currículo, para que fosse integrado e integrador. Contextualizado e que dialogasse com os interesses dos estudantes. Teria que ser conectado as diversas áreas do conhecimento com os diferentes saberes do território, respeitando as diferentes formas de aprender. Assim desenvolvendo uma educação significativa para todos os estudantes, respeitando a diversidade e as diferenças. Visando a formação do estudante na sua multidimensionalidade. 

A mandala seria um instrumento e ferramenta para traçarmos novas estratégias pedagógicas, uma representação simbólica para apresentar, por meio de uma abordagem sistêmica, nossa proposta pedagógica com articulação, integração e interação de saberes escolares e saberes locais, entre a escola e a comunidade, para efetivarmos o ensino a partir da concepção de educação integral.  

Mandala curricular

O primeiro passo foi conhecer e mapear todo o território em que a escola está inserida. Fizemos um tour pelo bairro e arredores da escola com todo o grupo. 

Definimos que todos os espaços, tempos, agentes e saberes seriam transversais e perpassariam por todos os elementos da mandala. Cada um dos anéis da mandala, estariam interligados num processo de ensino-aprendizagem. 

Um currículo que fizesse sentido para todos e criasse novas possibilidades para garantir a todos o direito de aprender. 

O segundo passo foi discutir as questões: “Por que e por quem estamos na escola?”, “Qual a função da escola?”, “Qual o significado da escola?”, “Quem é mais importante na escola?” e “Qual a escola que temos e qual a escola que queremos?” 

Até então, não nos víamos como protagonistas, profissionais leitores investigadores, que pesquisam sua prática. Assim, iniciamos nossa mandala, posicionando os estudantes na centralidade do processo educativo. A partir desse centro, o educador sendo um mediador.

Mandala com diversos níveis em círculos, cores e palavras e silhueta de pessoa no centro.
Fonte: arquivo pessoal.

Iniciamos essa construção com um olhar humanizado e humanizador. Tendo a certeza de que a escola que queríamos era uma escola flexível, que acolhe, que ama muito, feita de GENTE e não de tijolos, como diz nosso mestre Paulo Freire. Começamos a quebrar nossos muros invisíveis. 

Em seguida, formamos grupos heterogêneos envolvendo funcionários de todos os segmentos, familiares e estudantes, onde cada grupo discutiria os seguintes assuntos: 

  1. Dimensões do Sujeito – social, cultural, intelectual, emocional e físico: garantir o desenvolvimento do sujeito em todas as suas dimensões; 
  1. Direitos de aprendizagem: reconhecer e garantir a todos o direito de aprender e acessar oportunidades educativas diferenciadas e diversificadas para o enfrentamento das desigualdades sociais; 
  1. Estratégias para garantirmos os direitos de aprendizagem: contemplando a singularidade e a diversidade dos estudantes no decorrer do seu processo formativo. Respeitando as diferenças, o ritmo e o tempo de aprender de cada um. Múltiplas e diversas estratégias, com intencionalidade pedagógica; 
  1. Saberes do território: os diversos territórios em que a escola está inserida, bem como o estudante vive, tem um grande potencial de espaço de aprendizagem. Portanto devem ser contemplados e articulados no fazer pedagógico; 
  1. Áreas do conhecimento: todos os componentes curriculares pertencentes ao currículo da educação básica. 

Resultados e mudanças

Construímos uma cultura colaborativa, por isso trocamos o mobiliário, extinguimos as carteiras, as filas e o toque de campainha. Optamos por mesas redondas para facilitar o trabalho colaborativo, para que as equipes possam se olhar, interagir, compartilhar memórias, crenças, concepções, objetivos e práticas ou atitudes.

Realizamos assembleias, discutimos os problemas e tomamos decisões no coletivo. Também criamos as tutorias para estabelecer uma relação de confiança. As mães, pais e/ou funcionários podem ser tutores, independentemente de função ou formação, pois valorizamos as experiências de vida, os saberes dos territórios de cada um. Reconhecemos que todos são educadores e corresponsáveis pela aprendizagem dos estudantes. Todos os espaços e tempos da escola são transformados em territórios de aprendizagem.

A participação da escola na comunidade e da comunidade na escola é relevante no processo educacional e, pensando nisso, consideramos ter uma relação muito boa com a comunidade. Há um empoderamento e pertencimento deles para com a escola. Praticamos a intersetorialidade. Juntos buscamos práticas criativas e inovadoras.

Sentada à mesa na diretoria, gestora Lucia Cristina escreve em papéis. Fim da descrição.
Fonte: arquivo pessoal.

Processos de autoavaliação

Praticamos uma gestão participativa, democrática, cidadã e solidária. Desburocratizamos as relações. Somos agentes facilitadores no desenvolvimento do aluno, buscando mais condições para atuar no desenvolvimento integral do estudante.  

Todos os alunos avançam, aprendem a ler, a escrever e a contar. Não fazemos avaliações para dar uma nota e não reprovamos. Eles não estudam para uma prova, mas para a vida.

Em nosso processo educativo realizamos autoavaliação, a avaliação contínua e as comunidades de aprendizagens, responsáveis para acompanhar os estudantes individualmente no decorrer do processo ensino-aprendizagem.

Tivemos que nos reinventar como profissionais da educação. Abandonamos o tradicional, portanto voltamos a estudar e a pesquisar sobre práticas educativas inovadoras.

Aprendemos que a escola tem que ser um espaço de escuta e de diálogo. Não dá para o gestor ter uma postura inflexível, autoritária e centralizadora. Acabamos com a hierarquia, criamos relações humanas e horizontais. As pessoas formam uma rede colaborativa, um ajudando o outro, em um movimento cíclico.

Não é fácil realizar mudanças na escola e na vida. Houve resistência por parte de funcionários, familiares, alunos e comunitários, mas percebemos como as inovações fazem bem para o ambiente escolar e para as pessoas. Como um dos resultados, cito assumirmos o primeiro lugar nas avaliações do Sistema de Avaliação Básica (SAEB), realizado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2022 na rede municipal e estadual de Manaus.

A educação tem que ser libertadora, formadora de cidadãos críticos e reflexivos. Hoje somos uma referência na educação de Manaus.


Lucia Cristina Cortez de Barros Santos é gestora da Escola Municipal Professor Waldir Garcia. 

A Escola municipal Professor Waldir Garcia foi uma das escolas premiadas na edição de 2022 do Prêmio Territórios. 

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