Durante ensino remoto, educadoras de Maracanaú (CE) desenvolveram material pedagógico para incentivar estudantes a participarem das aulas
Em 2021, a necessidade de isolamento social como medida de enfrentamento à pandemia da covid-19 resultou no fechamento das unidades escolares de todo o Brasil. As aulas da sala de aula comum e do Atendimento Educacional Especializado (AEE) passaram a ocorrer na modalidade de ensino remoto por meio de mídias digitais, como o WhatsApp, e não foi diferente na EMEIEF José Assis de Oliveira, em Maracanaú (CE).
A escola está situada em um bairro da região metropolitana de Fortaleza, no Parque Jari. Essa é uma região que carece de muitos serviços de infraestrutura.
Somos a única opção de escola na comunidade. Desta forma, atendemos a todas as faixas etárias, desde crianças que estão a completar quatro anos de idade a pessoas com mais de 60 anos.
A escola possui cerca de 900 estudantes, atendidos desde a educação infantil até o 9º ano do ensino fundamental, nível que também é oferecido na Educação de Jovens e Adultos (EJA) no turno da noite. Além disso, desde 2017, também passamos a oferecer o EJA para ensino médio, tendo hoje pouco mais de 100 alunas e alunos maiores de 18 anos.
O espaço físico da escola também é utilizado em programas, projetos e ações que envolvem a parceria entre a escola e a comunidade. A unidade possui uma dinâmica bem peculiar, repleta de eventos que a fazem ser muito próxima da comunidade do entorno, sendo muito claro o laço de união e integração entre os atores da comunidade escolar.
A escola na região
Somos cientes de nosso papel como responsáveis pela educação da comunidade do Parque Jari, bem como de nossa função social. Entendemos a necessidade de sempre envolver a comunidade do entorno e firmar parcerias com instituições que nos ajudem a oferecer à comunidade escolar um ensino com qualidade que preze pela equidade.
Além disso, nosso grupo docente é muito comprometido e resiliente, e vem melhorando consideravelmente sua prática e somando forças à gestão e aos servidores, a fim de favorecer um melhor serviço a comunidade que atende.
Leia mais
+ Escuta ativa e acolhimento marcam ensino remoto no Paraná
+ Escola estadual incentiva participação ativa com grêmio estudantil
+ Atividade pedagógica desenvolve conhecimento sobre direitos sociais
A “escola do Jari”, como é conhecida, é o espaço mais sociável do bairro. É o ponto de encontro, é o local do futebol da noite ou do fim de semana, é o espaço para encontros de carnaval, retiros, cultos e missas.
Por meio do envolvimento com as ações promovidas pela escola, a participação das famílias vem melhorando cada vez mais. Apesar de não ser ainda o ideal, estamos trabalhando para aumentar cada vez mais esse envolvimento e a participação de estudantes e de seus familiares.
Formação Materiais pedagógicos acessíveis
Assim como em toda a rede, no período de ensino remoto o nosso maior desafio foi a falta de participação dos estudantes nas aulas. Buscamos compreender e estar cientes das dificuldades vivenciadas por esses estudantes.
Os motivos que identificamos para essa situação eram: ausência de internet e equipamentos eletrônicos, já que em algumas famílias há apenas um aparelho de celular para três ou quatro crianças; falta de envolvimento das mães, pais e responsáveis no processo de aprendizagem dos educandos, pois alguns não são alfabetizados ou trabalham o dia todo e por isso não conseguem ensinar seus filhos; além disso, há situações de vulnerabilidade social.
Quando conversamos com as famílias, percebemos que, para além das barreiras citadas anteriormente, tínhamos várias outras, como a falta de um espaço adequado, sem distrações para estudo e realização das atividades.
Diante desse ano letivo totalmente atípico em nossa escola, vivenciando acontecimentos marcantes na prática docente, tivemos mais um desafio com a notícia de que participaríamos da formação a distância Materiais Pedagógicos Acessíveis, do Instituto Rodrigo Mendes (IRM), onde aprenderíamos a produzir um jogo pedagógico acessível usando a tecnologia.
Necessidades de aprendizagem
A turma do 4º C do turno da tarde é a que mais apresentava barreiras para a plena participação nas aulas remotas. Por isso, foi a sala escolhida para receber o material pedagógico que produziríamos no curso. Nessa turma, há alguns estudantes com dificuldades de aprendizagem no processo de alfabetização. Observando o currículo dessa série e o perfil da turma, decidimos trabalhar com o conteúdo poesia, dentro da disciplina de português.
Nosso objetivo foi despertar o prazer dos estudantes pela leitura, favorecendo o desenvolvimento do processo de letramento; aprofundar o contato com a poesia por meio dos elementos que a estruturam, como os efeitos sonoros, ritmo e rimas; e estimular a percepção auditiva e a atenção a partir da música.
Criamos o jogo “Trilha das rimas” e, para sua customização, usamos MDF, folhas de ofício, folhas 60 g, folhas de plastificação e caixa de som. O desenho do jogo foi ampliado em um tabuleiro de madeira. Foram produzidos cartões em folhas de 60 g com perguntas, de acordo com a numeração da trilha, e figuras das respostas, que foram plastificadas para que haja higienização durante o manuseio, bem como para ter mais durabilidade. Além disso, também gravamos perguntas no áudio sensor.
Esse material pedagógico acessível foi projetado dentro do conceito de Desenho Universal de Aprendizagem (DUA), pois visa o acesso de todos os educandos ao conhecimento, colaborando para uma educação mais plural, atraente e factível no nosso compromisso de diversificação das estratégias pedagógicas, priorizando a eliminação das barreiras durante o processo de ensino e aprendizagem.
Para elaborar e colocar em prática nosso projeto criamos um grupo de WhatsApp, formado por uma coordenadora pedagógica, uma professora pedagoga e uma professora do AEE. Contamos ainda com a assessoria da coordenadora da educação especial da secretaria de educação. Realizamos também reuniões presenciais na escola para finalizarmos e colocarmos em prática o jogo.
As trocas de experiências, a partilha de saberes e o apoio mútuo foram fundamentais no decorrer de toda a produção do nosso protótipo.
Trilha das rimas
Recebemos um kit tecnológico oferecido pelo curso e pudemos contar com o apoio bem de perto de um dos organizadores da formação, que ensinou a coordenadora pedagógica a usar o arduino e ampliou nossa trilha no tabuleiro de madeira. Assim, nosso protótipo foi ganhando forma e voz e ficou além do que esperávamos.
Optamos em chamar apenas quatro estudantes, para não haver aglomeração na escola, já que até o momento as aulas presenciais continuavam suspensas em nosso município. Participaram estudantes com deficiência intelectual, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e estudantes sem deficiência ou dificuldades de aprendizagem. Buscamos mesclar as crianças que participavam das aulas remotas, tanto na sala comum quanto no AEE, e as que não tinham uma participação ativa nas aulas on-line.
Antes de iniciar e apresentar a poesia no texto impresso, foi feita uma predição sobre o poema e uma revisão rápida sobre o gênero textual, por meio de algumas questões do contexto textual, visando ajudar os estudantes a ativarem seus conhecimentos prévios sobre o tema proposto e levantarem hipóteses sobre o que iriam ler. Após a apresentação do texto, foram exploradas as fichas ampliadas com imagens e nomes, para que eles associassem conforme o contexto do jogo, realizando a análise fonológica das sílabas, rimas e terminações de palavras.
Em seguida, foi apresentado o jogo Trilha das rimas, mostrando os seus objetivos, o uso do áudio, sensor e leds para o andamento no decorrer da trilha, conforme o uso de dados. A avaliação ocorreu por meio da observação, do nível de autonomia, da participação e do envolvimento dos educandos nas ações do plano, bem como se compreenderam e executaram corretamente as regras do jogo.
Os estudantes jogam os dados para percorrer a trilha, que está numerada de 1 a 20 e com desenhos de semáforo e de um sinal sonoro. Durante todo o percurso da trilha os estudantes precisam responder a perguntas sobre a poesia. Nos números as perguntas estão disponíveis em fichas impressas, onde eles devem realizar a leitura, já no sinal sonoro eles devem ouvir o áudio para saber o desafio sonoro e seguir o comando que escutar. No decorrer da trilha há também o desenho de um semáforo. Neste momento o estudante deve se aproximar do sensor, e a luz que aparecer determina se ele irá voltar uma casa (luz vermelha), permanecer onde está (luz amarela) ou então avançar uma casa (luz verde). Vence quem conseguir chegar primeiro ao final da trilha.
Percebemos que os estudantes participaram da atividade com envolvimento, apreciaram e cantaram a música. Eles realizaram o que foi proposto com entusiasmo e cooperação, apesar de ter sido o primeiro contato com esta canção, pois não conheciam o poema.
Diante disso, acreditamos que o uso desse material é uma ótima ferramenta para a aprendizagem, tendo em vista que chama a atenção dos estudantes e favorece seu processo de ensino, desperta seu interesse pela leitura e desenvolve atenção e concentração, aspectos essenciais para o processo de alfabetização e letramento.
Conheça outros materiais pedagógicos
+ Trilhando os campos de experiências
+ Muiraquitã
+ Librando
Este relato de experiência é fruto da participação das autoras na edição 2021 do Materiais pedagógicos acessíveis – formação em serviço para educadores envolvidos no processo de escolarização de estudantes público-alvo da educação especial em escolas comuns.
A edição de 2021 do projeto foi realizada pelo Instituto Rodrigo Mendes e o MudaLab, com parceria do Credit Suisse Hedging Griffo e apoio da AT&T, Abadhs, Fundação Grupo Volkswagen e Itaú Social, com objetivo de contribuir na construção de materiais pedagógicos acessíveis que auxiliem o processo de ensino-aprendizagem de todos os estudantes.