Com os desafios do ensino remoto, escola de Mogi das Cruzes (SP) organizou a elaboração de material acessível para discutir preconceito e valorização da diversidade
Assim que as aulas remotas foram iniciadas na Escola Estadual Professor Cid Boucault, localizada em Mogi das Cruzes (SP), a gestão escolar organizou grupos para possibilitar a troca de experiências e ideias entre os educadores. O objetivo era monitorar as dificuldades vivenciadas pelos estudantes e, a partir delas, construir novas estratégias pedagógicas.
Em um dos nossos encontros, discutimos as propostas de trabalho e os desafios da prática docente diante do fechamento das escolas por conta da pandemia da covid-19.
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Ciberbullying e a pandemia
Como percebemos que o isolamento social poderia catalisar ações de preconceito e ciberbullying, fomos convidadas a refletir sobre o tema e desafiadas a criar um projeto para eliminar ações de desrespeito na comunidade escolar.
A ideia partiu das formações do Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar – CONVIVA SP, criado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo com a proposta de que toda escola seja um ambiente de aprendizagem solidário, colaborativo, acolhedor e seguro, na busca da melhoria da aprendizagem.
Por isso, nosso objetivo com o projeto era envolver não só os estudantes, mas o corpo docente, a equipe gestora, os profissionais de apoio e as famílias.
Na reunião posterior, algumas propostas foram apresentadas pelos educadores: dentre elas, a de produzir um vídeo de conscientização sobre a importância da empatia e respeito às diferenças.
Uma das professoras comentou que tinha em sua turma um aluno com Transtorno do Espectro Austista (TEA) que assistia aos jornais com os familiares e demonstrava grande admiração pelo trabalho dos jornalistas. Definimos então que faríamos um programa de telejornal sobre bullying e ciberbullying, estimulando o protagonismo dos estudantes.
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Cada professor ficou com a incumbência de trabalhar o preconceito em “sala de aula”. Pensando em atividades em concordância com a realidade de cada turma, os educadores propuseram uma reflexão sobre a empatia e gentiliza, bem como sobre a necessidade de combater qualquer forma de desrespeito à diversidade. Abraçamos a ideia e fomos em frente!
Representatividade
Acordamos que o vídeo, além de envolver toda a comunidade escolar, seria representativo, inclusivo e bilíngue (Língua portuguesa e Libras). Como temos alunos surdos, com baixa visão, com TEA e com deficiência intelectual, a regra era não deixar ninguém para trás!
A nossa escola é muito diversa e heterogênea, e queríamos que nosso projeto fosse representativo. Por isso, convidamos familiares, estudantes e profissionais da escola para que, além de participarem das discussões a respeito do trabalho, fizessem parte das gravações.
Nossa preocupação é incluir a todos! Por isso, o projeto foi pensado de uma forma acessível para alcançar toda a comunidade escolar. Queremos uma escola à qual os estudantes tenham orgulho de pertencer. Em tempos difíceis, que eles se sintam acolhidos, mesmo que virtualmente.
Produção do roteiro
Após essas definições, passamos para a fase de produção do roteiro para o vídeo. Todas as professoras participaram das discussões sobre os textos trabalhados, respeitando as especificidades de cada aluno.
Mas como produziríamos um vídeo que envolvesse toda a comunidade escolar se a escola estava fechada e não teríamos contato direto com os estudantes e com os familiares?
Para isso, elaboramos algumas orientações para as gravações do vídeo. Respeitando sempre os recursos de cada família, passamos dicas de enquadramento do celular e de posicionamento da câmera, respeitando as condições de iluminação e de ruídos sonoros de cada ambiente.
Como cada pessoa iria gravar de um lugar diferente e com um recurso audiovisual próprio, optamos por padronizar o fundo em tom azul. Utilizamos essa estratégia para minimizar efeitos de qualidade inferior dos vídeos enviados.
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Fundo azul foi pensado para padronizar imagens. Foto: Kelly Christiane de Oliveira Cordeiro. Fonte: arquivo pessoal.
Trabalho colaborativo para a edição dos vídeos
Parte importante do projeto, os familiares participaram ativamente de cada etapa, colaborando e auxiliando os alunos nas filmagens. Foi essa parceria que tornou o projeto possível!
A responsabilidade de edição dos vídeos recebidos também ficou a cargo das educadoras. Cada vídeo editado foi um aprendizado, uma conquista, pois no início não compreendíamos o programa de edição tão bem.
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Foto: Kelly Christiane de Oliveira Cordeiro. Fonte: arquivo pessoal. -
Trabalho colaborativo entre educadoras fez parte da edição dos vídeos. Foto: Kelly Christiane de Oliveira Cordeiro. Fonte: arquivo pessoal.
As edições realizadas também eram compartilhadas com o grupo de professoras, para que todas pudessem opinar e contribuir com o enriquecimento do projeto e do produto final. Trabalhamos de forma verdadeiramente colaborativa!
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Respeito à Libras
A interpretação de Libras também foi pensada desde à produção do roteiro. Nossa preocupação era proporcionar uma sinalização clara aos alunos surdos e de baixa visão.
Dessa forma, não limitamos a janela de Libras a um mero canto da tela: pelo contrário! Os intérpretes de Libras estão lado a lado com os falantes em português vocal, em um claro movimento por igualdade e respeito à Língua Brasileira de Sinais.
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Aluno e intérprete de Libras lado a lado na composição do vídeo. Foto: Kelly Christiane de Oliveira Cordeiro. Fonte: arquivo pessoal. -
Foto: Kelly Christiane de Oliveira Cordeiro. Fonte: arquivo pessoal.
A Libras precisa do movimentar das mãos, do corpo e das expressões faciais para ser interpretada. Por isso, não estaríamos satisfeitos se ela estivesse relegada a um espaço inferior da tela.
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Valorização dos profissionais não docentes
Para a apresentação da versão final do vídeo, convidamos os inspetores da escola. Como os nossos alunos não estão tendo contato com esses profissionais não docentes, pensamos que seria importante para aproximar o contato deles com toda a comunidade escolar.
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A pandemia também acabou afetando a relação dos estudantes com os profissionais de apoio escolar, uma vez que o convívio diário já não é mais possível. A nossa iniciativa foi uma forma de valorizar a atuação de todos os educadores, inclusive daqueles que não estão em “sala de aula”.
Essa experiência foi positiva para todos e se mostrou importante para refletirmos sobre a importância de acolher a todos, diante desse período cheio de desafios e barreiras.
Potencializando a cultura escolar
A produção do vídeo envolveu toda a escola, a equipe gestora participou ativamente orientando em todo o processo. Todos se mostraram orgulhosos e contentes com suas participações, seja no vídeo ou na participação em alguma das etapas.
O impacto no dia a dia foi a conscientização, em primeiro lugar, mas também o aprendizado adquirido sobre o gênero textual utilizado (notícia) e sobre a importância de valorizar a diversidade escolar incluindo a todos.
Conseguimos oportunizar uma boa reflexão sobre as formas de preconceito não apenas dentro da escola, mas também fora dela. Estudantes e familiares nos apresentaram um retorno positivo a respeito dessa iniciativa.
Sentimos que os nossos objetivos iniciais foram contemplados e, além disso, potencializados. Afinal é isto que queremos: que todos que fazem parte da Escola Estadual Professor Cid Boucault se reconheçam aqui e tenham as suas individualidades respeitadas.
Algumas das educadoras autoras deste relato participaram da formação Ensino médio inclusivo, promovida pelo Instituto Rodrigo MendesSite . A experiência no processo formativo pode ser conferida em Educadores usam poesia para falar sobre diversidade e preconceito no ensino médio.