Para aulas remotas, educadoras criam material acessível de ciências

Professoras de rede municipal desenvolveram o projeto “Sistema excretor”, que despertou autonomia e participação ativa dos estudantes no ensino à distância

Falar das turmas da Escola Municipal Ensino Fundamental e Infantil (EMEIF) Maria Amélia Ribas Campilongo, localizada em Peruíbe (SP), é falar de diferentes seres pensantes. Alguns com mais dificuldades de aprendizagem, outros com menos, mas todos precisando acreditar que possuem muitas contribuições para apresentar ao grupo.

A escola recebe crianças de diversas regiões da cidade, e encontramos na comunidade diferentes profissões, desde trabalhadores autônomos, até funcionários públicos e pescadores. E então, temos estudantes que vêm de bairros mais distantes e de diferentes classes.

Em 2020, a escola contava com 367 alunos matriculados, sendo 19 estudantes público-alvo da educação especial.

 

Fachada da escola Prof. Maria Amelia Ribas Campilongo, em Peruíbe (SP). a Escola possui muros brancos com detalhes em azul. Fim da descrição.
Foto: Angélica Rodrigues. Fonte: Arquivo pessoal.

No ano passado, o 5º ano B, classe levada em consideração para o desenvolvimento de um projeto inclusivo, tinha uma estudante com deficiência intelectual. Além dela, notávamos dificuldade de outras crianças de em se relacionarem umas com as outras.

As barreiras criadas por ausência de comunicação, dificuldades em participar no coletivo e de adquirir autonomia traçaram os objetivos e o desenvolvimento do material pedagógico acessível. As habilidades encontradas e externalizadas por cada um deles, registradas ao longo dos cinco anos que experienciaram saberes na escola, também foram consideradas.

Dessa forma, o projeto teve início, com o trabalho colaborativo da professora da sala comum Angélica, da professora do Atendimento Educacional Especializado (AEE) Viviane, da coordenadora pedagógica Maria Esther e da diretora de ensino Flávia Scabio.

Educação e tecnologia

O objetivo do material foi desenvolver estratégias que estimulassem todos os estudantes, com ou sem deficiência, a se colocarem como protagonistas e não meros espectadores, mesmo distantes uns dos outros por conta da pandemia da covid-19.

Optamos por criar um projeto com a utilização da tecnologia como parte dos estudos de ciências durante as aulas remotas. O uso do arduino levou os alunos a terem curiosidade de participar das atividades sobre o tema “sistema excretor”, matéria que já estava sendo estudada antes da suspensão das aulas.

Para nós, educadores, foi muito novo participar de uma formação sobre inclusão em época de distanciamento social e, ao mesmo tempo, nos descobrir como “makers”, tendo a tecnologia como aliada da educação.

 

Ilustração de sistema excretor, feita com linhas de lã coloridas em azul, vermelho e amarelo; ao lado, a legenda de cada órgão. Fim da descrição.
Foto: Angélica Rodrigues. Fonte: Acervo pessoal.

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Desenvolvimento do projeto

A partir de um manequim infantil, criamos um boneco para trabalhar transversalmente ciências, como tema principal, português e história. Para as disciplinas secundárias, aproveitamos para tratar a comunicação escrita e oral e os levamos a refletir sobre o passado da humanidade, fazendo um paralelo com a modernidade.

O material foi programado para reproduzir áudios com informações do sistema excretor, a partir do acionamento de quatro botões ligados ao arduino.

Já nessa parte, contamos com a colaboração de alguns estudantes e de suas famílias, que nos enviaram os áudios utilizados na reprodução.

Todos os recortes necessários no boneco, a fixação da placa do arduino e sua fiação foram feitos pelo marido da professora Angélica. Também tivemos a participação do filho da professora Viviane na confecção do led. A partir daí, entendemos como o apoio externo foi importante na exploração das possibilidades de utilização das placas do arduino, tendo o boneco como base.

Duas fotos do material pedagógico acessível “Sistema excretor”. Uma mostra o boneco de frente, com imagens representando alguns órgãos na região da barriga. A outra mostra o boneco de costas, com uma abertura nas costas mostrando a fiação e a placa de arduino. Fim da descrição.
Foto: Angélica Rodrigues. Fonte: Acervo pessoal.

Esse “movimento maker” familiar só foi possível porque a formação despertou nos educadores a vontade da mudança, de acreditar em uma possibilidade, antes vista como impossível de ser explorada como recurso em sala de aula. A parte técnica ser embutida no boneco dá inúmeras possibilidades de explorar conteúdos de qualquer disciplina, dependendo do que o educador quiser ensinar, de maneira lúdica.

 

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Utilização do material pelos estudantes

Por conta do distanciamento social, nossas aulas passaram a ser oferecidas por meio de materiais impressos, via WhatsApp e aplicativos de videoconferência. Aulas extras adaptadas foram oferecidas para os estudantes do AEE.

Nosso objetivo era que todos os alunos tomassem conhecimento do projeto, mas como algumas crianças não tinham acesso às aulas síncronas, disponibilizamos também, em material físico, as fotos dos equipamentos tecnológicos e o mapa de montagem da placa do arduino.

O desenvolvimento do projeto e a apresentação do produto final foram realizados por meio de um grupo no WhatsApp onde tínhamos contato com os familiares e por videoconferência.

 

Em videoconferência, sete estudantes observam material pedagógico "Sistema excretor", apresentado por educadora. Fim da descrição.
Foto: Angélica Rodrigues. Fonte: Acervo pessoal.

Trabalhamos de forma que todos os cuidados necessários fossem tomados, sem deixar de debater sobre o passo a passo do material. Por aplicativos móveis, compartilhamos o que estávamos aprendendo com o restante da equipe escolar, que se mostrou interessada em colocar em prática novas formas de ensino-aprendizagem.

Para garantir participação plena de todos

Para a utilização presencial do material pedagógico acessível, além do áudio, planejamos disponibilizar recursos de acessibilidade, como Libras: o projeto “Sistema excretor” contará com apoio visual de um intérprete de Libras, com apoio do professor de AEE, que dará as informações em um monitor ao lado do boneco.

No início, pensamos que trabalharíamos o caso da estudante com deficiência intelectual, mas, durante o projeto, percebemos que deveríamos abranger toda a comunidade escolar.

Durante a criação do boneco, como as nossas reuniões e aulas sempre aconteceram on-line, a professora de sala comum pôde oferecer aulas pelo WhatsApp às crianças público-alvo da educação especial, que tiveram uma participação importante.

Essa participação, a partir das aulas remotas, melhorou muito a relação da professora com os educandos, e houve uma aproximação também com a família dos estudantes. Eles foram participativos, apoiaram os alunos para envio dos áudios que compõem o boneco e, por meio das aulas síncronas e assíncronas, apreciaram o passo a passo do projeto, apesar de não terem visto o material presencialmente.

Com esse projeto, percebemos que devemos pensar em todos na escola. Esperamos que esse boneco ainda seja a voz dos estudantes e dos professores quando as aulas presenciais retornarem.

Continuidade da cultura maker

Quando comunicamos aos nossos colegas professores sobre o projeto, todos se entusiasmaram. A escola pretende criar um espaço maker para que os alunos evoluam e aprendam com participação ativa.

Trabalhar o desenvolvimento do projeto com a ajuda das crianças nos levou a estudar um assunto que não faz parte do nosso cotidiano como ferramenta de trabalho.

Quando ouvimos a palavra “arduino”, não fazíamos ideia do que se tratava. Mas atualmente já foram até solicitados kits contendo a placa de arduino e demais componentes para trabalhar na escola. O intuito é que professores e estudantes criem ferramentas tecnológicas que contribuam para um aprendizado de qualidade, com diferentes recursos de áudio e led, por exemplo.

Esse material veio agregar conhecimento. Na situação gerada pela pandemia, ressignificamos a frase “a união faz a força”. Professores, gestores, alunos e familiares se uniram para tirar o projeto do papel.

Ninguém faz nada sozinho, sem ter um bom exemplo ao lado. Dessa forma, crescemos como profissionais que refletem suas práticas, sempre.

 

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