“Manual de Sobrevivência” apresenta realidade de estudantes da EJA

Estudantes em situação de rua participam de projeto que estimula reflexão sobre suas realidades durante a pandemia da covid-19

A Escola Municipal Porto Alegre (EPA), localizada na capital do Rio Grande Sul, é uma pequena escola de Educação de Jovens e Adultos (EJA) que recebe pessoas em situação de rua, tendo hoje em torno de 100 estudantes. Em todo o Brasil, existem apenas duas escolas que atendem esse público, a nossa e uma escola em Brasília.

O projeto intitulado “Manual de Sobrevivência” surgiu a partir das reuniões pedagógicas durante a pandemia de covid-19. Nossa preocupação nas reuniões era saber como nossas alunas e nossos alunos estavam passando por esse momento, já que a unidade estava fechada e muitos serviços de assistência social não estavam funcionando.

Devido aos estudantes não terem acesso à internet e a aparelhos eletrônicos, não era possível realizar qualquer tipo de atividade de forma remota. Pensando em alcançar e mostrar que eles não estavam sozinhos, decidimos projetar frases de apoio em locais estratégicos, como nos muros da escola e paredes de locais que eles geralmente frequentam: “Vocês não estão sozinhos”, “Estamos aqui”, “Os professores sentem a falta de vocês”. Esse foi o primeiro passo para estarmos conectados a nossos estudantes.

O questionamento da gestão e do corpo docente era como abordar isso no retorno presencial, para que pudéssemos ouvi-los de uma forma acolhedora em que todos se sentissem confortáveis.

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Escuta ativa

O relato das experiências, vivências e angústias, foi o início desse projeto. Queríamos dar voz a nossos estudantes, ouvir como foi esse tempo em que o isolamento foi ainda maior para eles. Além de viverem em situação de rua, em torno de 60% das nossas alunas e alunos possuem alguma deficiência, pertencendo a grupos invisibilizados por grande parte da sociedade. Portanto, também tínhamos o desafio de planejar atividades que alcançassem a todas e todos.

Em seguida, a professora da turma de alfabetização trabalhou a música “Manual de Sobrevivência de um favelado”, do Bruno Amaral. A partir da letra, solicitamos que cada um montasse seu próprio manual de sobrevivência.

Desse trabalho, a proposta foi que fizéssemos algo maior, onde demais docentes pudessem estar envolvidos, adaptando as suas áreas de conhecimento em um projeto interdisciplinar.

Cada educadora e educador montou suas abordagens relacionadas a esse tema, com atividades de economia solidária, saúde mental, leitura e interpretação de textos, produções textuais, teatro e cinema (fizemos até um longa que estreou em uma sala de cinema da cidade para as e os estudantes assistirem).

Tudo foi organizado, alinhado, pensado e repensado em cada uma das reuniões pedagógicas semanais. Pensamos na diversificação das linguagens de aprendizagem para dar conta das especificidades de cada um. Assim, foram trabalhados os temas de várias formas: desenho, pintura, escrita, entrevista, gráficos, modelagem etc.

Participaram do projeto todos os 50 estudantes que estavam frequentando a escola naquele momento, pois nem todos conseguiram retornar às aulas. O vínculo com a escola foi fortificado, já que este era o espaço mais seguro que eles poderiam frequentar.

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Resultados

Nós tivemos grandes surpresas ao longo do projeto: atuações teatrais, artes plásticas, lindas escritas, entre outras. Mas o principal foi ver o quão importante foi para eles ter uma escuta e poder falar de suas vidas e experiências, e isso aconteceu em todos os momentos do projeto, misturando a ficção e a realidade.

Entre tantos aprendizados que tivemos durante todo o trabalho, o mais relevante foi ver o potencial que cada indivíduo pode ter se for estimulado, ouvido e respeitado.

Em espaço aberto, alunos e gestora posam para foto ao lado de um globo, ao fundo estão outros oitos globos coloridos. Fim da descrição.
Fonte: arquivo pessoal.

O projeto proporcionou a mudança de pensamento que parte da sociedade têm ao encararem pessoas que vivem em situação de rua, pois todos que tiveram contato com o projeto se surpreenderam com o potencial dos nossos estudantes. Isso contribuiu para desmitificar os rótulos e valorizar as habilidades de todas e todos.

As atividades oriundas do projeto envolveram todos os profissionais da escola e tinha previsão de durar um trimestre. Por conta do retorno positivo, estendemos as atividades até o fim do ano letivo, criando um sentimento de segurança e pertencimento em cada um.

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