Educadora desenvolveu estratégias pedagógicas para que estudante não fosse deixado para trás durante as aulas remotas
Com a chegada da pandemia, da noite para o dia, todas as escolas tiveram que se reinventar para atender seus estudantes. E não foi diferente na Escola Municipal Carlos Drummond de Andrade, em Duque de Caxias (RJ). A princípio, pensava que seria breve. E, com o passar do tempo, fui percebendo que precisava pensar em práticas novas, considerando diferentes tecnologias e ferramentas para atender todos os estudantes, entre eles um aluno com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Acredito que até o ano de 2020 não havíamos tido uma educação que priorizasse a autonomia dos estudantes e nem que utilizasse a cultura digital como ferramenta permanente de estudo. Com isso, houve a necessidade de realizar muitos momentos de pesquisa para que a inclusão fosse garantida de fato em tempos de pandemia.
Em minha rede de ensino, observei algumas barreiras impostas pela suspensão das aulas presenciais. O conteúdo das aulas remotas é disponibilizado em um grupo do Facebook apenas em formato de imagem ou pdf, o que dificulta o acesso a alguns estudantes.
Foi então que resolvi, em colaboração com a professora de Atendimento Educacional Especializado (AEE), preparar uma metodologia que pudesse chegar ao lar do aluno, tanto virtual quanto presencialmente. Com atividades remotas e diversificadas, planejei inserir a cultura digital e promover o engajamento familiar e a valorização das relações humanas.
Conheça outra experiência da educadora:
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Caixa multissensorial
Percebi que as desigualdades sociais foram reforçadas ainda mais durante o ensino remoto. Assim, para diminuir esses impactos e eliminar barreiras, montei uma caixa com todos os materiais necessários para desenvolver as atividades com o aluno, já que os recursos utilizados nas aulas se encontravam disponíveis somente na escola. A nomeei de “Caixa multissensorial”.
Eu pensei em fazer um material com atividades sensoriais, estimulando a escrita e a alfabetização. Elaborei propostas de trabalho reutilizáveis, com canetinha e outros recursos, para que a família pudesse participar.
Após montar a caixa, fui até à casa do estudante para fazer a entrega das atividades e obter uma maior aproximação com a família. A distância percorrida para a casa dele é de 70 km (ida e volta). A ideia era conhecer mais a fundo o seu contexto social, já que se tratava de um aluno novo para mim e só tivemos contato presencial por 20 dias no início do ano letivo.
Após a primeira entrega na residência, foram passadas instruções ao responsável para realização das atividades por videochamada. Os encontros virtuais são diários, com a presença do estudante, do responsável e da professora de AEE por meio de videochamada.
A entrega de novas atividades acontece mensalmente, planejada de acordo com o desenvolvimento do aluno, e novas instruções são passadas à família. Após a entrega, se inicia um novo ciclo de aulas ao vivo.
Este projeto, que chamamos de Projeto Inclusive, está em consonância com as competências socioemocionais propostas pela Base nacional comum curricular (BNCC). A autoconsciência e autogestão também foram trabalhadas e desenvolvidas, juntamente com os princípios do Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA).
Materiais pedagógicos acessíveis que utilizam o DUA:
+ Caminho sustentável
+ Mapa tátil
+ Jogo do Território
As habilidades visuoperceptivas e visuoespaciais, os sentidos, a atenção, psicomotricidade, coordenação motora fina, pareamento e justaposição, estão sendo desenvolvidas nesse projeto, de acordo com as Competências Gerais 4, 9 e 10 da BNCC.
Eliminação de barreiras
Com a realização do projeto, foram minimizadas algumas barreiras comuns encontradas pelas escolas públicas para garantir uma educação de qualidade a todos.
O engajamento da família aumentou consideravelmente; o atendimento individual, que muitas vezes não acontece em dias normais na escola, foi reestabelecido com as aulas por vídeo diariamente; e a construção de materiais pedagógicos acessíveis específicos para as aulas ajudou muito no progresso de aprendizado do estudante.
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O tempo de planejamento das atividades aumentou. Com as aulas remotas, tenho mais tempo para planejar, o que contribui muito para novas pesquisas e para o sucesso do projeto.
Algumas habilidades que o aluno havia adquirido durante o início do ano foram regredidas com a falta das aulas. Porém, com o projeto, foram reestabelecidas e também novas habilidades foram adquiridas.
Inclusão escolar durante a pandemia
Para incluir, é necessário que a escola acredite no princípio de que todos são capazes de aprender e que todos têm o mesmo direito de acesso a um currículo diversificado, garantindo, assim, a permanência dos alunos na escola.
Todos os envolvidos se beneficiaram com os resultados. A iniciativa beneficiou diretamente o estudante com TEA e sua família, a escola e a mim também. Elaboramos (família e eu) conjuntamente novas atividades e uma nova rotina diária. Foi também oferecido suporte pedagógico para auxiliar a família no repasse das atividades.
Não foram medidos esforços para que a inclusão fosse efetivamente realizada nas aulas remotas. A equipe pedagógica e a professora do AEE continuaram realizando atendimento ao aluno, o que foi de muita valia para o planejamento das atividades realizadas e contribuiu muito para a aquisição de conhecimentos.
O projeto trouxe tantos ganhos positivos para a aprendizagem do estudante que vimos a possibilidade de continuá-lo no retorno das aulas presenciais. Dessa forma, possibilitaríamos a utilização do material por todos os estudantes, em trabalho colaborativo, apoiando o desenvolvimento de toda a turma.
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Vilma Soares é professora de sala comum da rede municipal do Rio de Janeiro. Ela desenvolveu o Projeto Inclusive para proporcionar aprendizado aos estudantes durante o ensino remoto.