Estudantes da EJA usam o corpo como instrumento da arte

Projeto de educadora de Jundiaí (SP) propôs a produção de videoperformance usando o corpo para expressar os sentimentos de estudantes durante a pandemia

Desde o começo da pandemia de covid-19, todos os setores da sociedade foram obrigados a reinventar novas formas de continuar produzindo, e isso não foi diferente com a educação. Professoras e professores começaram uma empreitada em busca de novos formatos de aula e conteúdos atrativos, que pudessem, de alguma forma, alcançar as necessidades de estudantes, tanto do ponto de vista pedagógico quanto emocional.

Diante desse cenário, no CMEJA Doutor André Franco Montoro, em Jundiaí (SP), grande parte das alunas e dos alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) continuou a trabalhar, mas em horários alterados em razão das normas de saúde impostas pelos órgãos governamentais. Por conta dessa nova realidade, as atividades propostas nas aulas de arte aconteceram poucas vezes de forma síncrona.

Descrição: Sentados à mesa, sete estudantes realizam pintura em tela com tinta guache. Fim da descrição.
Foto: Djenane Vieira. Fonte: Arquivo pessoal.

Ações para manter a aprendizagem na pandemia

Em busca de manter as atividades, desenvolvemos possibilidades e estratégias de ensino e aprendizagem que fossem prazerosas e não comprometessem a rotina dos estudantes. Para isso, o uso da tecnologia foi importante. Inicialmente foi criado um site que continha as atividades pedagógicas, as quais todos puderam acessar a qualquer momento, durante o ano letivo.

Além disso, o WhatsApp serviu como um canal de dúvidas e orientações, e o Google Meet para aulas síncronas. Assim, conseguimos manter o contato.

Tendo à disposição recursos que facilitam o processo de ensino e aprendizagem, foram elaboradas atividades nas diferentes linguagens, sempre se atentando às devidas limitações impostas pela pandemia.

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Conversa com artistas

Dentre essas propostas, o projeto denominado “Bate-Papo com Artistas” se destacou. O trabalho é um estudo sobre corpos e expressão da arte e contou com três convidados: o escultor Flávio Cerqueira; a artista e escritora indígena Marcia Kambeba; e o ator e performer Rodrigo Severo. Todos eles representam em suas produções os “corpos invisibilizados”, “os corpos desviantes” e os “corpos insurgentes”.

Em encontro com as alunas e os alunos por meio da plataforma Google Meet, cada artista em sua especialidade, tratou do corpo e suas simbologias. Abordamos, também, o tema “Performance e o corpo como suporte da Arte”. Partimos dos estudos daquela que é considerada a maior artista performática do mundo: Marina Abramovic.

Os estudantes receberam um texto contendo a biografia e reflexões sobre a artista sérvia, assim como trechos de vídeos das suas performances. No mesmo material, foram disponibilizados textos e links de artistas de performance no Brasil: Renata Felinto, Berna Reale e Rodrigo Severo.

Todos esses artistas utilizam o corpo como forma de expressão e os estudantes tiveram a oportunidade de aprender as inúmeras possiblidades do uso do corpo e seus limites. Houve, também, reflexões sobre as intervenções das obras, que em geral, foram (ou ainda são) realizadas com a participação do público.

Durante o encontro com o artista Rodrigo Severo, que apresentou apontamentos de sua pesquisa de doutorado a respeito do tema e de suas obras realizadas, todos puderam refletir sobre diversas questões urgentes, fazendo a intersecção entre raça, gênero e classe. A turma trouxe várias perguntas, e assuntos importantes foram debatidos, tornando o momento muito dinâmico.

Performance em conjunto

Após esse evento e diante de todas as reflexões apontadas, foi proposta uma performance para a turma. O trabalho “O corpo político” propôs a produção, em conjunto, de uma performance usando o corpo para expressar os sentimentos dos estudantes diante do atual momento e suas consequências. Eles foram convidados a ouvir a música “O pulso”, da banda de rock brasileira Titãs. A canção leva o público a refletir sobre a resistência do ser humano, apesar de todas as mazelas físicas, sociais e morais.

Cada aluna e aluno deveria enviar fotos e vídeos do resultado de suas reflexões feitas a partir da música, e sobre o que aprenderam em relação à performance. Apesar de não ser uma atividade obrigatória, a maioria do grupo participou. Entre os estudantes, havia um com deficiência múltipla, que fez questão de participar, assim como muitos dos idosos que compunham a turma. Tivemos também a participação de quatro convidados, que estiveram presentes no vídeo como complemento e suporte visual.

A estética da videoperformance teve um resultado incrível. Fui surpreendida pelo material enviado, uma vez que nenhum deles havia participado de algo semelhante ou teve algum contato com o teatro ou com a arte da performance. Todo o resultado foi fruto da sensibilidade da turma, aliado à minha direção técnica ao conduzir a performance partindo da percepção de cada um.

O vídeo foi compartilhado nas redes sociais e teve uma grande aceitação do público. Os estudantes ficaram emocionados ao se reconhecerem nesta produção artística enquanto protagonistas e, também, por se sentirem capazes de produzir arte, independentemente do contexto socioeconômico ou de circunstâncias adversas.

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Resultados dos desafios

A pandemia mostrou que o ofício do professor exigiu reinvenção e readequação diante de toda a nova realidade. Além da falta de acesso à internet que muitos estudantes têm enfrentado, educadores também sentem o peso da responsabilidade de transformar suas casas em ambiente de trabalho e utilizar seus equipamentos pessoais para este fim.

Ainda que pegos de surpresa diante de tamanho desafio, muitos professores têm encontrado formas diversas e criativas de ensinar. A arte não encontra barreiras, desconhece limites e atinge a todos que desejam dela nutrir suas almas. Essa experiência da videoperformance com estudantes da EJA comprovou que alunas e alunos de todas as idades, credos, orientação sexual, raça e quaisquer marcadores sociais da diferença podem ser protagonistas de suas histórias por meio da arte.

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O projeto “O corpo político” é um dos 50 finalistas do Prêmio Educador Nota 10 de 2021. 

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