Material promove aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais

Educadores de rede municipal criaram o Librando, jogo na perspectiva do Soletrando, usando a datilologia como meio de comunicação

Somos educadores da Escola Municipal Hilda Granemann de Sousa, localizada no bairro Martello, um dos maiores da cidade de Caçador, oeste de Santa Catarina. A unidade atende 1.091 estudantes da educação infantil, do ensino fundamental e da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

No início de 2021, aos sermos escolhidos para a formação Materiais Pedagógicos Acessíveis, começamos a pensar em algo que pudesse ser trabalhado com toda a comunidade escolar e fomentar em nossas crianças o espírito colaborativo e inclusivo. Diante disso, escolhemos a turma do sexto ano, composta por 25 estudantes, sendo um aluno surdo, um com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e uma com deficiência intelectual.

Uma das barreiras pedagógicas que identificamos nessa turma foi a ausência de comunicação entre o estudante surdo e os demais colegas. Com isso, toda nossa equipe, contando com a professora do Atendimento Educacional Especializado (AEE), diretora, professor de sala comum e de informática, começou a articular possibilidades de quebrar essa barreira e de construir um material pedagógico acessível.

O desenvolvimento do projeto

Surgiram várias ideias, mas pensando na comunicação inicial dos estudantes, decidimos fazer o “Librando”, um jogo na perspectiva do “Soletrando”, usando a datilologia como meio de interação.

O objetivo do projeto foi de alinhar nossa proposta com o Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA), uma vez que todos os envolvidos foram incluídos no processo, aprimorando a leitura e escrita da língua portuguesa e aprendendo sobre o alfabeto da Língua Brasileira de Sinais (Libras).

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Outro fator importante do projeto foi quebrar as barreiras atitudinais que impedem a interação e inclusão social de crianças surdas no ambiente escolar, trazendo reflexões sobre as potencialidades e dificuldades que cada indivíduo tem.

O MPA foi construído em etapas e, em algumas delas, os estudantes puderam participar, como, por exemplo, na etapa de ligações de fiações e leds do dado eletrônico, sob a supervisão do professor de informática, Gabriel, e da professora do AEE, Néllik. Esse foi um ótimo momento, pois era notória a alegria deles em entender o processo e se sentirem parte desse todo.

Com auxílio do notebook, educador orienta estudantes sobre o sistema arduino. Fim da descrição.
Foto: Gabriel Dalcortivo. Fonte: Arquivo pessoal

Por conta da pandemia da covid-19, nossa escola está atuando de forma híbrida, seguindo as orientações sanitárias das autoridades de saúde. Mesmo assim, foi possível a participação dos estudantes que estavam em casa por meio do site Thinkercard, onde é possível realizar simulações de programação e ligações do Arduino.

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Além do material, durante as aulas foram desenvolvidas placas de identificação dos ambientes da escola nas duas línguas, português e Libras, tornando nossa escola um espaço com mais acessibilidade.

Estudante, acompanhado da professora, observa placa de identificação onde está escrito “ginásio” em Língua Portuguesa e Libras, após ter fixado uma placa na sala de AEE. Fim da descrição.
Foto: Gabriel Dalcortivo. Fonte: Arquivo pessoal

Em paralelo à construção do MPA, a professora de português, Rosete, cedeu algumas de suas aulas para que a professora intérprete de Libras, Dayane, começasse a inserir a Língua Brasileira de Sinais para a turma. Nessas aulas, que aconteceram uma vez por semana, a educadora iniciou com a história da comunidade surda, por meio de vídeos e conversas, inserindo o alfabeto manual com a música “abecedário da Xuxa” e apresentando sinais do contexto escolar.

Librando na prática

O jogo é composto por sorteio de números aleatórios, entre 1 e 46, com um dado eletrônico, cartas contendo imagens, dicas e sinais em Libras. No processo de escolha de palavras contidas na carta, a professora de Língua portuguesa trabalhou em sala: verbos, substantivos e locais específicos do ambiente escolar, como biblioteca e ginásio. Dos mais de 60 sinais que foram trabalhados em sala com os alunos, 45 foram escolhidos para compor o jogo.

Para prática, é necessário montar duas equipes, com pelo menos quatro integrantes de cada lado. A cada rodada um integrante diferente participa, acionando o sensor e, de acordo com o número sorteado, deve buscar o conjunto de cartas correspondente e escolher a carta com desenho ou dicas. Caso consiga soletrar em datilologia e fazer o sinal, a equipe ganha 10 pontos. A cada dica usada se perde um ponto. Cada equipe tem direito a quatro chances de usar o coringa – estudante escolhido antes do início do jogo para auxiliar as equipes – e somar a pontuação máxima da rodada. As equipes também têm direito ao coringa extra, mas para isso precisa ser a equipe que menos usou dicas.

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Aplicação do material

Por estarmos atuando de forma híbrida, as aulas presenciais ocorriam com metade da turma. Mas, para a realização do jogo, convocamos todos os 25 estudantes e, seguindo o distanciamento social, nos reunimos no auditório da escola.

Dividimos a turma em duas equipes e uma das crianças foi escolhida para ser a coringa do jogo e outra ficou responsável pela mesa de cartas com as numerações. Todas e todos estavam motivados e engajados a participar do jogo que ajudaram a construir. A entrega dos estudantes ao objetivo maior que era incluir o colega e serem incluídos em sua língua foi notório e emocionante de ver. A cada tentativa uns apoiavam os outros e, quando acertavam, mostravam-se felizes com a conquista coletiva.

Estudante está sentada participando do jogo Librando, com o auxílio de educadora. Fim da descrição.
Foto: Gabriel Dalcortivo. Fonte: Arquivo pessoal

Aprendizado

O trabalho beneficiou a comunidade escolar e, por vários momentos, crianças de outras turmas foram flagradas fazendo a datilologia das palavras, bem como educadores e funcionários.

Fora isso, com a nosso auxílio, os estudantes nomearam os espaços da escola com placas em Libras ampliando a acessibilidade da escola e aprofundaram a experiência com o funcionamento do Arduino, apropriando-se de recursos tecnológicos.

O que buscamos desde o início do projeto foi conquistado: fazer com que todas e todos compreendam que cada um tem potencialidades e dificuldades que devem ser respeitadas.

Esse trabalho nos fez enxergar que podemos transformar o chão de nossa escola em um espaço de equidade, inclusão e amor, desde que estejamos dispostos a dar as mãos para esse fim.

Para finalizar este relato rico de trocas e experiências, as quais ficarão para sempre como legado aos nossos estudantes, parafraseamos Paulo Freire: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.

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Este relato de experiência é fruto da participação das autoras na edição 2021 do Materiais pedagógicos acessíveis – formação em serviço para educadores envolvidos no processo de escolarização de estudantes público-alvo da educação especial em escolas comuns.

A edição de 2021 do projeto foi realizada pelo Instituto Rodrigo Mendes e o MudaLab, com parceria do Credit Suisse Hedging Griffo e apoio da AT&T, Abadhs, Fundação Grupo Volkswagen e Itaú Social, com objetivo de contribuir na construção de materiais pedagógicos acessíveis que auxiliem o processo de ensino-aprendizagem de estudantes com e sem deficiência.

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