Mercado de trabalho e tecnologia são temas de projeto da EJA

O Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA) Clóvis Caitano Miquelazzo fica no Parque Bristol, zona sul da cidade de São Paulo. O bairro é muito potente em iniciativas populares, havendo inúmeras ações tocadas por parte dos residentes na área da cultura, do esporte e da luta por moradia e condições de inserção no mercado de trabalho. 

Marcado por áreas de mutirão e espaços ocupados para moradia, o território é caracterizado como uma região periférica e carente de espaços de lazer e cultura. As moradias costumam ser precárias em algumas áreas e há muitos moradores em vulnerabilidade social 

O CIEJA atende estudantes do entorno e de outras áreas, tendo 350 pessoas matriculadas nos anos iniciais e finais da Educação de Jovens e Adultos (EJA). 

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Identificando desafios e oportunidades

No segundo semestre de 2021 vivenciamos a reabertura da escola após o momento mais crítico da pandemia de covid-19.  Simultaneamente, a vulnerabilidade social se intensificou, assim como o desemprego e a carestia. 

Realizamos uma pesquisa com os estudantes frequentes no CIEJA e o resultado mostrou que 48% deles estavam desempregados e 51% dependiam do auxílio emergencial. Ao mesmo tempo, daqueles que estavam trabalhando, cerca de 50% tinham carteira assinada, entretanto muitas vezes em postos precarizados. 

Em vista da realidade apontada na pesquisa, notamos que questões referentes ao mercado de trabalho necessitavam urgentemente de reflexão. A isso se somava a dificuldade do uso de tecnologias, haja vista que, no período que antecedeu o projeto, muitas ações educativas pautadas em plataformas tecnológicas falharam.  

Percebemos, então, a importância de articular esses dois temas para possibilitar ques nossos estudantes tanto se tornassem competitivos no mercado de trabalho ou encontrassem uma forma de gerar renda, assim como pudessem se apropriar de ferramentas digitais para a continuidade de seu processo educativo e desenvolvimento profissional. 

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Trabalho e tecnologia

Para o projeto, traçamos um percurso formativo em duas frentes: remota e presencial, uma vez que havia estudantes acompanhando as atividades por meio das redes sociais (WhatsApp, Facebook, Classroom etc.) e outros que haviam retornado presencialmente.  

Nesse sentido, organizamos ações que iam desde aulas ao vivo, pequenos vídeos explicativos, atividades por formulário a dinâmicas, rodas de conversa e jogos.  

No processo, contamos inicialmente com a aula inaugural transmitida pelas redes sociais com a professora Sônia Kruppa da Universidade de São Paulo (USP) e o professor Christian Sznick do Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (SINESP). Assim como de outros parceiros atuantes em ONGs, coletivos e sindicatos, essas aulas foram essenciais para que os estudantes compreendessem conceitos referentes ao mercado do trabalho, cooperativismo, economia solidária e sindicalismo.  

Sem condições de contratar pessoas para capacitação dos estudantes em conhecimentos específicos, contamos com parceiros para criar uma semana de oficinas e aulas ao vivo. Para tanto, mapeamos na comunidade as habilidades de funcionários da escola, agentes públicos e alunos para a criação de oficinas e multiplicação de saberes.  

Em sala de aula, estudantes da EJA de diferentes raças realizam atividades manuais com garrafas pet e palitos de churrasco que estão sobre algumas carteiras. Uma mulher negra os observa. Todos usam máscara. Fim da descrição.
Foto: Ewerton Souza. Fonte: arquivo pessoal.

Também contamos com outras escolas e faculdades para promover aulas ao vivo com intuito de repertoriar os estudantes com informação de ingresso no mercado de trabalho. 

Inclusão sempre

A nossa atuação é pautada por inclusão e equidade, a fim de promover o acesso e a participação de todas e todos. Em nossa unidade temos 30 alunas e alunos público-alvo da educação especial, em sua maioria com deficiência intelectual. 

Em 2021, com o retorno gradual das aulas presenciais, o principal grupo presente era de estudantes com dificuldade de aprendizagem. Isso se deu por conta das dificuldades que muitos tiveram com o uso da tecnologia e pela importância da relação com a escola e a interação social, algo que ficou limitado no pico da pandemia. 

Mediante esse cenário, houve preocupação em garantir processos de aprendizagem que dessem concretude aos conceitos trabalhados. Por exemplo, para apresentar o processo de transformação dos modos de organizar o ofício, criamos uma série de dinâmicas que permitiram aos estudantes criarem produtos de forma artesanal (período pré-revolução industrial) e experimentarem os procedimentos tayloristas por meio de uma dinâmica de linha de montagem ou pequenos grupos de atuação, fazendo-os pensar como trabalhadores e como essas formas afetam a qualidade do trabalho e a dignidade do trabalhador.  

O mapeamento das habilidades de cada um permitiu ressaltar as suas potências e a possibilidade de explorá-las. 

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Fortalecendo parcerias

Desde 2015 o CIEJA Clóvis Caitano Miquelazzo vem estreitando canais com os agentes públicos, coletivos, associações e ONGs que atuam no território. Essas parcerias foram fundamentais para que pudéssemos oferecer aos estudantes a possibilidade de refletir sobre as questões dos temas debatidos. Como também para viabilizar ações que lhes permitiriam efetivamente tentar a reinserção no mundo corporativo ou empreendedor.  

Uma mulher e um homem estão sentados confeccionando bonecas de pano. Eles utilizam cola quente e tecido colorido. Ambos usam máscara. Fim da descrição.
Foto: Ewerton Souza. Fonte: arquivo pessoal.

Além das oficinas e aulas remotas que contaram com parceiros como o UNICEU Parque Bristol, empreendedores professores e agentes que estão à frente de ações de economia solidária e criativa, também exploramos a relação com produtores de leguminosas para pensar nessas pequenas iniciativas como soluções para geração de renda. Essas interações promoveram um ambiente onde todos ensinaram e todos aprenderam, havendo verdadeira troca de aprendizagens por meio das experiências vividas. 

A relação com o PPP

A metodologia empregada nessa iniciativa, organizada por meio de currículo integrado, já compõe o nosso Projeto Político-Pedagógico (PPP) desde 2015. A organização é fruto do processo de reflexão e estudo dos educadores e conta com a participação dos estudantes em sua construção. Essa participação acontece por meio do Conselho de Representantes de Turma e das votações dos temas a serem estudados, que ocorrem anualmente.  

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Foi essencial a pesquisa realizada para entender o momento pelo qual a comunidade passava e levantar as necessidades de cada um. Sendo assim, ela ajudou a estreitar ainda mais a relação com os parceiros e, ao mesmo tempo, possibilitou que eles refletissem e contribuíssem para a articulação do PPP. 

Os frutos do projeto

Ao longo do projeto, promovemos um percurso didático-pedagógico que permitiu aos estudantes a compreensão de diversos conceitos. Entre eles está a leitura de gráficos e tabelas, partindo de abordagens fenomenológicas dos conceitos que se viabilizaram a partir de dinâmicas e jogos. 

Um homem e uma mulher estudantes da EJA fazem massa de pizza. Ambos usam máscara no rosto e touca de proteção na cabeça. Fim da descrição.
Foto: Ewerton Souza. Fonte: arquivo pessoal.

Além disso, muitos dos participantes que ministraram oficinas aos seus colegas perceberam que também tinham algo a ensinar e que podiam contribuir no percurso de aprendizagem das pessoas, ampliando sua autoestima.  

Uma mulher está em pé e segura uma boneca de pano confeccionada na própria escola. Ela usa máscara no rosto. Fim da descrição.
Foto: Ewerton Souza. Fonte: arquivo pessoal.

Conseguimos demonstrar que a escola é um espaço de compartilhamento de habilidades e eles se perceberam como produtores de conhecimento. Além disso, conheceram melhor os espaços nos quais podem aprender com parceiros, assim como podem divulgar suas produções e buscar alternativas de renda. 


O Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA) Clóvis Caitano Miquelazzo foi uma das escolas premiadas na edição de 2022 do Prêmio Territórios. 

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