Escola rural no Paraná busca valorização da vida no campo

A escola rural desenvolve projetos de educação com objetivos que vão além de aprimorar a formação dos estudantes e melhorar seus conhecimentos

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.”
Paulo Freire (Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.)

Iniciei a minha missão na educação em uma escola do campo ‘’Paulo Freire’’ no maior assentamento da América Latina, localizado no município de Rio Bonito do Iguaçu (PR), onde percebi que tinha escolhido a profissão certa. Sou professora há 18 anos, tenho uma longa caminhada na educação.

Atualmente resido no município de Porto Barreiro (PR) e atuo na Escola Rural Cândida Oliveira, situada em um pré-assentamento da reforma agrária, região que se encontra nos arredores das agrovilas, distante das residências. A ocupação há 25 anos luta e resiste em busca do sonho da terra para ter vida digna, onde vivem e trabalham cerca de 140 famílias.

Em 2023 a escola tem 34 estudantes matriculados, sendo que um dos estudantes possui Transtorno do Espectro Autista (TEA). A unidade funciona de forma multisseriada e as alunas e alunos estão divididos em três turmas: uma de educação infantil e duas turmas de ensino fundamental, uma de alfabetização, com educandos de 1º e 2º ano, e outra com educandos de 3°, 4º e 5º ano.  

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Projeto Político-Pedagógico

A luta pela terra traz junto a necessidade da luta pela educação, onde todos temos consciência de que o conhecimento historicamente também se tornou um grande latifúndio, onde aos filhos da elite sempre foi muito acessível, enquanto para as classes em vulnerabilidade social fora negada. 

Nessa perspectiva se constituiu dentro da área ocupada a nossa escola. Escola essa que sempre primou pela aprendizagem de seus alunos, porém sem se abster da realidade à qual ela pertence, procurando o máximo possível ser uma local vivo e presente em todos os momentos de lutas e conquistas de sua comunidade, sem muros, onde a aprendizagem vai além do espaço físico.

A unidade segue os ensinamentos do patrono da educação brasileira e grande mestre Paulo Freire, para o qual “o verdadeiro alfabetizado é aquele que é capaz de ler a sua própria realidade (…) e a leitura de mundo precede a leitura da palavra.” 

Trabalhamos educação no sentido da autonomia e no desenvolvimento da criticidade, dando-lhes a condição de sujeitos no processo educacional. 

A interdisciplinaridade e a participação da comunidade fazem parte do Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola, que alia o conhecimento às práticas do dia a dia, compreendendo que o trabalho na agricultura é fundamental para alimentar não apenas a comunidade, mas também outros territórios.

A escola rural desenvolve um projeto de educação que tem como objetivos não somente aprimorar a formação dos estudantes e melhorar seus conhecimentos, mas também incentivar esperanças e sonhos por meio do fortalecimento dos laços com os alunos, pais e comunidade escolar como um todo, reconhecendo e valorizando os saberes locais.

Procuramos ser uma escola viva, dinâmica e aberta, que desenvolve uma educação de qualidade e vem se destacando com os projetos realizados. Projetos esses que envolvem não apenas os estudantes, mas indiretamente toda a sua comunidade escolar. 

 “A fauna e a flora da minha comunidade”

Sempre gostamos de trabalhar a pedagogia de projetos, pois dessa forma facilita a organização dos trabalhos e a sequência pedagógica. Além disso os alunos ajudam a construir os objetos de estudo. 

Em especial no ano letivo 2022, o grande projeto desenvolvido ao longo de todo ano teve como título “A fauna e a flora da minha comunidade”. O principal objetivo era reconhecer os elementos da fauna e da flora que fazem parte da vivência das crianças. Além disso, dar significância à aprendizagem e potencializar o acesso ao conhecimento.

 Em sala de aula, cinco estudantes pequenos estão sentados em grupo fazendo pinturas com tinta. Fim da descrição.
Foto: Luciana Rigon. Fonte: arquivo pessoal.

O desenvolvimento do projeto chegou até as famílias e todos perceberam como é bom viver no campo, tendo geração de renda e qualidade de vida. Acreditamos fielmente que nossos objetivos foram atingidos, superando nossas expectativas. 

Além de trabalharmos as disciplinas do currículo, valorizamos o nosso território, pois aqui está tudo o que temos e o que somos. 

Quando se fala em resultados de aprendizagem, temos orgulho em mostrar que na avaliação de fluência em leitura, realizada pela Secretaria Estadual de Educação do Estado do Paraná (SEED/PR) em 2023, nossos estudantes alcançaram a incrível nota 9.1. Nos tornamos destaque no estado do Paraná.  

É isso que buscamos e procuramos desenvolver: uma educação contextualizada, mas com muita aprendizagem de nossos alunos, que é a verdadeira missão da escola. 

“Eu quero uma escola do campo, onde o saber não seja limitado…”
(Gilvam Santos) 

O projeto foi inscrito no Prêmio Territórios, do Instituo Tomie Ohtake, e foi selecionado, premiado entre dez iniciativas escolares do Brasil que através da educação fazem algo a mais no seu território escolar. Esse momento inesquecível, um verdadeiro sonho, uma pequena escola do campo alcançar o reconhecimento a nível nacional.

 Em palco, cinco educadores, três mulheres e dois homens, seguram tecidos pintados à mão com desenhos de campo ensolarado. Em um deles está escrito “Eu quero uma escola do campo que tenha a ver com a vida e com a gente”, no outro “Educação do campo”.
Fonte: arquivo pessoal.

Tem momentos em que ainda nos perguntamos se isso tudo foi real, parece que “a ficha não caiu”. A empolgação não foi apenas da escola, mas de toda a comunidade. Para fazer a gravação do documentário, todos se mobilizaram e fizeram uma grande festa para comemorar junto com a escola. 

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“Eu quero ser agricultor!”

A escola do campo tem uma função maior dentro do contexto no qual ela está inserida: a escola é a vida da comunidade, é presente e parceira e a reciprocidade também acontece, por isso a conquista da escola foi uma conquista de todos. 

A mãe de um dos estudantes, Jeici Kelli Lunelli, sente-se orgulhosa em ter seu filho estudando em uma escola que valoriza o trabalho e a vida no campo, ela diz: “Na minha época de estudo os professores falavam: ‘Jeici, estude para trocar a enxada pela caneta’, desvalorizando a vida e as pessoas da roça”. 

Já o pequeno Eduardo Lunelli, filho da Jeici, não tem dúvidas e afirma com orgulho quando perguntado o que quer ser no futuro: “Eu quero ser agricultor!”


A Escola Rural Cândida Oliveira foi uma das escolas premiadas na edição de 2022 do Prêmio Territórios.

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