Conheci Pedro* – um menino de oito anos de idade com Síndrome de Down, muito simpático e arteiro – em 2011, quando fui indicada para fazer sua mediação escolar. Desde a primeira infância, Pedro havia estudado em uma mesma escola e, por isso, estava acostumado com uma rotina própria. Em 2011, porém, o garoto passou a frequentar a Escola Nova Gávea, no Rio de Janeiro (RJ), onde se deparou com novos colegas, professores e funcionários. Além disso, ele seria a primeira criança com a síndrome a frequentar aquela instituição.
No início do ano, todos tinham muita curiosidade e até receio em falar ou se aproximar de Pedro. Perguntas como “ele é de outro país?”, “você é mãe dele?” ou “que língua ele fala?” foram constantes em nosso cotidiano. Tanto a minha presença quanto a dele despertaram uma série de questionamentos por parte das demais crianças. Contudo, pouco a pouco, aqueles dois estranhos foram sendo incorporados à rotina da sala de aula.
Relações entre mediação escolar, família e escola
Minha relação com Pedro foi construída rapidamente e de forma muito afetuosa. Ele era muito carinhoso e perspicaz e em poucas semanas senti muita cumplicidade em nossa parceria. Sempre conversávamos sobre a importância do meu trabalho para sua autonomia. Acho importante que o estudante tenha conhecimento sobre as próprias dificuldades e sobre a necessidade da presença da mediação escolar em seu cotidiano.
A participação da família também foi fundamental. Tive contato direto com seus pais por meio de uma espécie de diário, no qual anotava a rotina do garoto: como foi seu dia, suas bagunças, vitórias diárias, matérias dadas, entre outros assuntos.
Já na escola, a princípio, pude observar que os funcionários pareciam ter um excesso de cuidado ao colocar limites nos comportamentos inadequados do estudante. Pedro, assim como todo garoto de oito anos de idade, adorava uma bagunça. Desse modo, era necessário que todos agissem do mesmo modo com que agiriam com outro menino da mesma faixa etária. Essas observações foram compartilhadas com a equipe da escola, que recebeu orientações sobre as formas de lidar com o aluno.
O ano de 2011 foi um período de muitos desafios e novidades para todos.
Do planejamento à avaliação
No início do trabalho de mediação escolar, percebi algumas lacunas em sua alfabetização. Pedro escrevia pouco, trocava fonemas e lia muito devagar. A partir dessas observações, junto com a equipe pedagógica e sua família, estabelecemos que ele deveria ler e escrever melhor. Na matemática também trabalhamos temas como adição e subtração simples, sequência numérica e quadro valor/lugar.
Pedro realizava as mesmas avaliações que seus colegas de turma. Minha função, na hora das provas, era adaptá-las. Assim, saíamos de sala e nos dirigíamos à biblioteca para fazer as provas. Eu lia junto com ele cada questão e o auxiliava no que era pedido. Essa experiência, porém, não foi boa, pois ele se sentia pressionado pelo ritmo das avaliações. Observamos também que ele decorava os conteúdos para fazer os testes e os esquecia logo depois. Decidimos, então, que Pedro faria mais pesquisa e menos provas formais. Obtivemos muito sucesso com esse novo formato de estudos: ele adorou montar cartazes e maquetes e ficou muito satisfeito em apresentá-los para a turma. É notável o orgulho que seus colegas de classe sentiram dele e de seus trabalhos.
Essa mudança de atitude no planejamento pedagógico foi muito satisfatória para o estudante, que sentiu muito mais prazer com os estudos e participou de forma mais dinâmica de seu processo de aprendizagem. Pedro é uma criança muito concreta, que precisou de objetos variados e ilustrações para compreender as matérias. Ter construído essa nova forma de trabalho foi ótimo, porque a partir da confecção dos cartazes e das maquetes, o aluno aprendeu de forma mais coerente e unificada.
O lugar da mediação escolar
Após um primeiro momento, não vi mais dificuldades dos professores e funcionários em pontuar suas bagunças. O garoto participava das atividades propostas em sala de aula, com as devidas flexibilizações. Procurei sempre deixá-lo mais próximo do conteúdo dado em sala, respeitando seu ritmo de aprendizagem. Prezei muito seus limites e estive sempre preocupada em lançar novos desafios. Entretanto, foi preciso estar atenta à linha que divide a pressão escolar da aprendizagem eficaz: foco mais na qualidade do conteúdo do que na quantidade. Usei muitas brincadeiras, jogos educativos, vídeos e materiais de apoio.
Minha presença foi muito importante em sua rotina, mas minha maior preocupação foi estar no lugar de mediadora. Busquei auxiliá-lo em seu dia a dia para que ele conseguisse, gradualmente, dar conta de seus afazeres de forma mais autônoma e responsável. Esse trabalho foi um constante aprendizado, todos os dias foram surpreendentes. Muitas vezes me frustrei ao construir uma série de expectativas, porém cada pequena conquista era uma alegria imensurável. Trabalhar com mediação escolar na luta pela inclusão é engrandecedor.
* Nome fictício.