Em duplo papel, educadora e mãe aposta na parceria com a escola
Juliana Amaro conta como participar de formações sobre educação inclusiva ajudou a ampliar a inclusão de seu filho com TEA na sala comum e a aprimorar sua atuação profissional
Vinícius é uma criança de seis anos com transtorno do espectro do autismo (TEA), que desde os quatro anos frequenta uma escola comum da rede municipal de educação de Cajati (SP). A decisão pela escola partiu de sua mãe, Juliana Amaro, de 37 anos, baseada na convicção de que esse é o melhor caminho para o menino. Ela acredita que a convivência com as demais crianças o ajudou e continua ajudando a desenvolver o seu potencial. “Eu, no meu lugar de mãe, procuro sempre o melhor para o meu filho e creio que ele precisa se desenvolver e ter autonomia, como qualquer outra pessoa. Por isso, sua trajetória estudantil é na escola comum, ao lado de todos, onde pode participar, interagir e aprender.”
Além de mãe, Juliana é pedagoga e faz parte da equipe da Secretaria Municipal de Educação de Cajati, no cargo de coordenadora técnica. Nesse papel, ela é responsável por quatro das 12 escolas existentes no município. A unidade em que o filho está matriculado não está entre elas. Por esse contexto, Juliana conta que as pessoas creditam a sua crença na inclusão exclusivamente ao fato de ela já ser uma educadora.
“Como mãe, coloco à prova aquilo que sempre preguei na educação. Eu tive medo e frio na barriga quando o Vinícius ingressou na escola, como qualquer outra pessoa. Fiquei apreensiva, pensando se ele iria ficar bem e como seria a relação dele com os colegas”, relembra. “Entretanto, nunca tive receio de que ele estivesse na sala comum. Sei do potencial do meu filho e quero que ele viva plenamente, tenha oportunidades e cresça bem. A escola é o melhor lugar para ajudá-lo nisso.”
Outro fator que contribui para a decisão de Juliana está na boa relação da equipe da Escola Municipal de Educação Básica (EMEB) Victório Zanon, onde Vinícius está matriculado, com a comunidade. Segundo a mãe, a maioria de seus familiares, vizinhos e conhecidos frequentaram a unidade e sentem confiança no trabalho desenvolvido na instituição. “Mesmo que eu não fosse da área da educação, Vinícius estudaria ali. É uma escola antiga, localizada no bairro em que cresci e onde minhas irmãs e eu estudamos. Sempre confiamos nos profissionais de lá, que são pessoas que conhecemos e moram no bairro. E o histórico da escola já mostra a recepção e o acolhimento às crianças com deficiência, além da busca por melhorar o atendimento prestado. Isso dá confiança a qualquer mãe ou pai.”
Vivendo a nova realidade
Antes da pré-escola, Vinícius não frequentou nenhuma creche. A mãe optou por estreitar os vínculos entre ele e a família, e, enquanto trabalhava, os avós maternos cuidavam do bebê e de sua filha mais velha. Ao se aproximar da criança, Juliana observou alguns comportamentos e reações incomuns para a idade do filho. “Vinícius tinha sensibilidade ao toque e não gostava de vestir roupas que cobrissem todo o corpo. Mas o sinal amarelo foi aceso durante a pandemia, quando a rotina de todo mundo mudou. Ele sentiu muito. O choro era frequente, e ele começou a fazer movimentos corporais que nunca tinha feito antes, o que nos chamou a atenção”, explica a mãe.
A solução foi buscar ajuda médica, e, depois de algumas avaliações, foi confirmado o diagnóstico de TEA. A mãe e educadora diz que aceitou bem a situação, mesmo sendo uma novidade para o contexto familiar. “Nunca tinha convivido diretamente com uma pessoa com deficiência, mas não tive dificuldade em aceitar a situação, e nada mudou na relação com ele.” O mesmo não aconteceu com outros membros da família. “Atualmente, sou mãe solo”, conta Juliana
Desde então, a rede de apoio existente na vida dos dois é composta pela família materna. Outra assistência recebida logo após a confirmação do laudo veio da equipe multidisciplinar de saúde da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae). O acolhimento foi dado à mãe e ao filho, para que pudessem passar por essa etapa com mais tranquilidade. “Ele foi atendido por terapeuta, fonoaudióloga e nutricionista, que o ajudaram a aceitar mais alimentos e a desenvolver a fala. Eu também fui acolhida pela equipe, o que foi importante para minha saúde mental, para eu entender como lidar com esse novo momento da vida e seguir em frente”, explica.
Mudanças negociadas
Em 2023, Juliana participou da formação “Alavancas para a Educação Inclusiva de Qualidade”, realizada pelo Instituto Rodrigo Mendes (leia mais sobre a iniciativa no final deste texto). Escolhida para ser uma das integrantes da equipe de Cajati — um dos dez municípios participantes —, Juliana teve acesso aos materiais e a todas as aulas do curso.
Esse percurso formativo mudou sua compreensão sobre o papel do atendimento educacional especializado (AEE) — um dos mecanismos criados para apoiar e garantir o acesso e a permanência de estudantes público-alvo da educação especial em escolas inclusivas.
“Eu sabia que o AEE era importante para a educação inclusiva, mas não tinha noção de que era algo complementar. Quando finalmente entendi o que é o serviço, percebi que possivelmente meu filho não precisava do tipo de atendimento que estava tendo naquele momento”, diz Juliana. Segundo ela, a principal barreira que o menino precisa superar é a da interação social. “Na época, a criação de vínculos e a construção de amizades no ambiente escolar eram um desafio. E vi que na sala de recursos multifuncionais (SRM) o trabalho era realizado de maneira individual e para desenvolver habilidades que ele já possuía e podia aprimorar na sala comum. Não havia necessidade de um trabalho separado”, complementa.
Tendo a convicção de que era necessário mudar, Juliana iniciou um diálogo com a gestão, a professora regente e a professora do AEE, a fim de proporcionar um serviço mais adequado ao perfil de Vinícius. A escolha foi por mantê-lo no AEE, mas não na SRM. “Se a falta de interação era a barreira, então a sala de aula e outros espaços coletivos eram os melhores lugares para desenvolver ações com Vinícius. Inicialmente, precisei ser mais firme e mostrar os ganhos que ele teria. Depois de muita conversa, a escola entendeu, aceitou a minha sugestão e se dispôs a trabalhar nesse formato.”
Assim, ao longo deste ano, o AEE para Vinícius vem acontecendo em sala de aula, no refeitório, no pátio e em qualquer outro ambiente onde ele esteja com o restante da turma. Juliana, com o conhecimento adquirido em sua experiência e na formação do Alavancas, contribui para que isso ocorra da melhor forma. “O olhar da família é fundamental para o êxito escolar. E nesse cenário estou como mãe, e não como educadora. Sei separar as coisas e tenho grande respeito pelas profissionais que estão lá.”
A aceitação do novo estilo de trabalho não significa o fim das conversas com a equipe escolar. Juliana conta ter diálogos constantes com eles, até porque sabe que nem sempre tudo terá sucesso logo na primeira tentativa. “Algumas estratégias podem exigir ajustes. Por isso o trabalho colaborativo entre todos os envolvidos é essencial. É ele que permite alcançar o desenvolvimento desejado”, afirma a educadora, ao salientar que os resultados do trabalho podem vir a médio e longo prazo.
Juliana também se diz aberta para rever sua decisão. Porém, somente com a comprovação de que o retorno à SRM será um movimento importante para o desenvolvimento da criança. “Assim como a escola tem de ouvir a família, nós devemos ouvir os profissionais e respeitar o que dizem. A decisão deve ter como foco o melhor para a criança. No caso de Vinícius, estamos mantendo esse tipo de relação para dar o atendimento ideal para as suas características. Sei que futuramente ele pode voltar à sala de recursos, principalmente pela suspeita de que ele seja uma criança com altas habilidades. Se confirmado o laudo e tendo necessidades pedagógicas, obviamente não serei contra o retorno.”
A luta por uma educação que faça a diferença
O objetivo principal de Juliana vem sendo alcançado. Segundo ela, Vinícius tem conseguido estabelecer relações de amizade na escola e melhorou sua participação nas aulas. “Sempre tive um bom diálogo com meu filho, e nos últimos tempos ele conta sobre o seu dia e as interações com os colegas. Hoje ele tem amigos, algo que não tinha. Antes, quando as professoras mandavam o relatório individual, ele sempre aparecia nas fotos isolado em algum canto. Nos últimos registros, ele está rodeado de amigos. No que diz respeito à aprendizagem, ainda tem certa cobrança quanto à leitura e à escrita, mas melhorou consideravelmente nos últimos tempos.”
A possibilidade de ter uma trajetória escolar em que suas características são respeitadas é o que Juliana deseja para todas as crianças. Isso a move como uma das pessoas responsáveis por contribuir para uma educação inclusiva na prática no município de Cajati. “Sabemos que a transformação depende da atitude das pessoas e da ampla formação dos envolvidos, além de políticas públicas que colaborem para isso. Temos de começar de algum lugar, mesmo com coisas a melhorar.”
A educadora reforça acreditar no potencial de cada criança e afirma que a escola precisa olhar a pessoa antes da deficiência e do laudo, para proporcionar a cada um oportunidades e condições de pleno desenvolvimento e aprendizagem. “O Alavancas contribuiu com o aperfeiçoamento da minha prática pedagógica. Quero fazer a diferença na rede e possibilitar que toda criança e família possam ser acolhidas e que todo educador esteja confiante no trabalho que desempenha.”
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Alavancas para a Educação Inclusiva de Qualidade
O projeto “Alavancas para a Educação Inclusiva de Qualidade” é uma iniciativa do Instituto Rodrigo Mendes (IRM), em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Movimento Bem Maior, o Instituto Ambikira e o Instituto Machado Meyer, e visa a formação de educadores, gestores escolares e técnicos de secretarias municipais de Educação de todo o país. O objetivo é potencializar práticas e políticas públicas locais que proporcionem uma educação de qualidade para todas e todos.
Dividido em diferentes etapas, que vão de 2023 a 2025, o programa é realizado em parceria com dez secretarias municipais de Educação, que representam as cinco macrorregiões do Brasil: Maués (AM), Óbidos (PA), Campo Formoso (BA), Gado Bravo (PB), Irauçuba (CE), Lucas do Rio Verde (MT), Cajati (SP), Patos de Minas (SP), Alvorada (RS) e Canguçu (RS).
No ano passado, a equipe do IRM conduziu uma formação semipresencial com cerca de 400 educadores desses municípios, que incluiu orientação e apoio para a elaboração e o desenvolvimento de cem projetos inclusivos, com foco na promoção do protagonismo e da autonomia de todos os estudantes.
Neste ano, as ações formativas do projeto Alavancas tiveram como público-alvo técnicos das secretarias municipais de Educação. O objetivo era que, ao final do percurso, cada rede elaborasse uma política pública voltada à educação inclusiva. Em 2025, está previsto o monitoramento das políticas elaboradas neste ano e uma pesquisa sobre os impactos gerados pelas formações, além de dois cursos que serão disponibilizados na plataforma de formação do IRM.