10 perguntas e respostas para entender o Atendimento Educacional Especializado (AEE)

Saiba quais as funções, a formação necessária, os limites de atribuição e a relação desse profissional com a comunidade escolar

Descrição da imagem: Na cena aparecem duas mãos, uma da professora e outra de um aluno. Eles encaixam objetos vermelhos no núcleo de uma célula animal tátil, confeccionada em MDF e fixada no centro de uma base giratória de madeira. Fim da descrição.
Professores do AEE são essenciais para que as escolas brasileiras sejam cada vez mais inclusivas. Crédito: Instituto Rodrigo Mendes

O Atendimento Educacional Especializado (AEE), instituído pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), de 2008, é um dos mecanismos criados para apoiar e garantir o acesso e a permanência de estudantes público-alvo da educação especial em escolas inclusivas.

Ao longo das últimas décadas, o trabalho desenvolvido pelos professores que atuam no AEE tem sido fundamental para que as escolas brasileiras sejam cada vez mais inclusivas. Esses profissionais são responsáveis por identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade para a eliminação de barreiras, em prol da plena participação dos estudantes com deficiência, Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) e altas habilidades/superdotação, considerando suas necessidades específicas.

De acordo com o Censo Escolar de 2023, quatro em cada dez crianças e adolescentes de quatro a 17 anos com deficiência, matriculados em classes comuns, têm acesso ao AEE. Em 2022, mais de 50 mil professores atuavam no AEE em toda a educação básica no Brasil, segundo o Painel de Indicadores da Educação Especial, iniciativa do Instituto Rodrigo Mendes (IRM), em parceria com o Instituto Unibanco e com apoio do Centro Lemann. No entanto, desses, apenas 44,3% indicam ter participado de alguma formação continuada em educação especial.

Após 16 anos do lançamento da PNEEPEI, ainda há muitas dúvidas sobre o real objetivo desse serviço e sobre as atribuições e responsabilidades desse professor. Para contribuir com essa discussão, a equipe do DIVERSA conversou com alguns especialistas e professores que nos ajudaram a responder a dez das principais perguntas sobre o AEE. Confira!

1. O que é o Atendimento Educacional Especializado (AEE)?

O AEE foi instituído em 2008 pela PNEEPEI, elaborada no período de atividade da antiga Secretaria de Educação Especial (SEE) do Ministério da Educação (MEC). Além desse documento, outros dispositivos regulamentam e dispõem sobre as diretrizes operacionais para sua oferta: o Decreto nº 7.611, de 2011; a Resolução nº 4/2009, do Conselho Nacional de Educação (CNE), e o artigo 28 da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), de 2015.

Seu objetivo é disponibilizar serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem barreiras para a plena participação em sociedade e para o desenvolvimento da aprendizagem de todos os estudantes. Além disso, o professor do AEE deve garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular e assegurar condições para que os alunos continuem os estudos nos demais níveis de ensino.

Rosanna Claudia Bendinelli, mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), relembra que a PNEEPEI surge e ganha impulso após a aprovação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, das Nações Unidas, em 2006. Em 2009, esse marco foi ratificado em nosso país com equivalência de emenda constitucional, tornando-se referência legal a ser seguida. O principal ponto do documento foi a mudança de paradigma sobre a deficiência: de uma visão médica para o modelo social. Neste último, o foco não está nas características da pessoa, e sim nas barreiras — físicas, atitudinais, de comunicação, tecnológicas etc. — existentes na sociedade e que a impede (ou dificulta) de se desenvolver ou de exercer sua cidadania.

2. Quem é o público-alvo do AEE?

De acordo com a legislação, o AEE atende o público-alvo da educação especial: pessoas com deficiência (com impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial), com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) e com altas habilidades/superdotação.

O trabalho do professor de AEE deve se concentrar na identificação e na atuação, em conjunto com o professor regente, para eliminar as barreiras que prejudicam a aprendizagem, a participação e a socialização desses estudantes.

Vale ressaltar que o AEE é um serviço complementar e/ou suplementar ao processo de escolarização para a autonomia e a independência desses alunos na escola e fora dela, não devendo ser substitutivo à função do professor regente nem acontecer isoladamente.

3. Todo estudante público-alvo da educação especial tem direito ao AEE nas redes públicas e privada?

Sim! A PNEEPEI, o Decreto nº 6.571/2008 e a Resolução nº 4/2009, do CNE, garantem essa oferta em todas as etapas e modalidades da educação básica na rede pública de ensino.

Em 2015, a LBI reforçou a obrigatoriedade da oferta do AEE, esclarecendo que o serviço também deve ser disponibilizado nas escolas privadas de ensino, “sendo vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações”.

Contudo, não necessariamente todas as crianças e estudantes que fazem parte desse público precisam utilizar o serviço do AEE. Rosanna, que já atuou como professora do AEE nas redes pública e privada, aponta ser necessário olhar para cada estudante e avaliar se há barreiras a serem superadas para decidir se esse serviço é ou não necessário. “Precisamos tomar cuidado para não cair na segregação e no capacitismo. O AEE é para eliminar aquilo que impossibilita a pessoa de aprender. Uma criança cega não deixa de aprender por conta da deficiência, mas sim porque não tem acesso ao braille, por exemplo. Se pensarmos que há algum impedimento na pessoa, voltamos para a ideia de integração ou segregação.”

Katia Paixão, doutora em Educação, pedagoga de educação especial da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e formadora na área, concorda: “Se, no contexto da classe comum, esse estudante não tem barreiras para acessar o currículo, para aprender e interagir, qual a necessidade de ele frequentar o AEE? O serviço precisa responder a uma necessidade pedagógica”. Por isso, cabe à equipe escolar decidir se o estudante precisa ou não frequentar o AEE.

4. Há financiamento específico para o AEE?

Para assegurar o acesso à educação para todas as pessoas, os estudantes público-alvo da educação especial são contabilizados duplamente no repasse feito para as redes de ensino via Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), principal fonte de financiamento educacional no país. Essa medida, prevista na Lei nº 14.113/2020, visa garantir tanto a matrícula em classe comum de ensino regular da rede pública quanto no AEE.

5. O que são as Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs)?

As SRMs são espaços físicos dotados de mobiliário acessível, recursos de tecnologia assistiva, equipamentos, materiais didáticos e pedagógicos tais como mesa redonda, cadeiras, laptop, software para Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA), teclado adaptado, impressora em braille, scanner com voz, lupa eletrônica e alfabeto móvel. Trata-se do lugar de referência para o trabalho do professor do AEE, para que ele possa trabalhar com todos os estudantes público-alvo da educação especial, independentemente de suas especificidades.

Apesar de importante para a oferta do AEE, das 178.346 escolas de educação básica do país, somente 38.314 têm SRMs, o que representa 21,5%, segundo informações do Painel de Indicadores da Educação Especial.

Descrição da imagem: Título da imagem: Escolas de educação Básica com sala de recursos multifuncionais. No lado esquerdo, dados sobre a presença de SEM nas cinco regiões brasileiras: Sul: 32,5%, Centro-Oeste 31,4%, Sudeste 20,27%, Norte, 20,2% e Nordeste 16,3%. No centro há um mapa do Brasil, com esses dados por unidade federativa (UF): DF 44%, Goiás 28,3%, Mato Grosso 31,4%, Mato Grosso do Sul 30,5%, Alagoas 25,7%, Bahia 13,1%, Ceará 24,3%, Maranhão 8,1%, Paraíba 18,1%, Pernambuco 20%, Piauí 13,1%, Rio Grande do Norte 24,8%, Sergipe 18,3%, Acre 24,2%, Amapá 34,9%, Amazonas 11,4%, Pará 18,6%, Rondônia 42,1%, Roraima 21,6%, Tocantins 30,6%, Espírito Santo 38,9%, Minas Gerais 20,8%, Rio de Janeiro 25,4%, São Paulo 17,1%, Sudeste 20,8%, Paraná 32%, Rio Grande do Sul 38,4%, e Santa Catarina 24,2%. Fonte dos dados: Painel de Indicadores da Educação Especial. Fim da descrição.

A Resolução nº 4/2009, do CNE, indica que o AEE deve ser realizado “prioritariamente na SRM da própria escola”, mas aponta alternativas para quando isso não é possível: [pode ser feito] em outra escola de ensino regular, no turno inverso da escolarização, não sendo substitutivo às classes comuns, podendo ser realizado, também, em centro de AEE da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com a Secretaria de Educação ou órgão equivalente dos Estados, Distrito Federal ou dos Municípios.

6. Qual formação é necessária para exercer a função de professor do AEE?

A PNEEPEI e a Resolução nº 4/ 2009 estabelecem que o professor do AEE deve ter como base da sua formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência — portanto, todos devem ter diploma de licenciatura ou Pedagogia— e conhecimentos específicos da área de educação especial.

“O profissional do AEE deve ser um especialista da educação especial, tanto nas questões da educação, da pedagogia de base, quanto na capacidade de olhar para as diferenças e potencialidades de cada estudante. Ele deve saber conceitos básicos de inclusão, como o Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA) e o de barreiras [presente no modelo social da deficiência]”, afirma Francisca Geny Lustosa, pesquisadora e coordenadora do Grupo Pró-Inclusão: Pesquisas e Estudos sobre Educação Especial, Inclusiva e Alfabetização, Práticas Pedagógicas e Formação de Professores, da Universidade do Ceará (UFC). “Afinal, sua atuação impacta não só os estudantes do atendimento, mas todos os demais, a equipe pedagógica, a gestão e a comunidade escolar”, completa.

No entanto, a realidade no Brasil ainda é de um grande número de profissionais sem formação específica da área. Segundo o Painel de Indicadores, em 2022, 55,7% dos professores do AEE não tinham formação continuada — de ao menos 80 horas — em educação especial.

“A meu ver, há dois problemas que fazem com que as redes de ensino, principalmente as municipais, não consigam atender a demanda com profissionais formados na área. O principal é que as próprias prefeituras e os estados não oferecem formações que possibilitem aumentar esse quadro de docentes do AEE. O outro é que ainda há desinteresse dos professores pela educação especial”, avalia Katia.

Descrição da imagem: Título da imagem: Professores do Atendimento Educacional Especializado com formação continuada em educação especial. No lado esquerdo, são apresentados dados sobre a formação do AEE nas cinco regiões brasileiras: Sul: 57,25%, Norte 45,74%, Sudeste 40,96%, Centro-Oeste 38,76% e Nordeste 38,03%. No centro há um mapa do Brasil, com esses dados por unidade federativa (UF): DF 69,99%, Goiás 28,71%, Mato Grosso 20,25%, Mato Grosso do Sul 53,61%, Alagoas 31,42%, Bahia 40,99%, Ceará 43,56%, Maranhão 38,41%, Paraíba 33,27%, Pernambuco 33,78%, Piauí 25,88%, Rio Grande do Norte 39,44%, Sergipe 51,89%, Acre 45,74%, Amapá 63,89%, Amazonas 32,23%, Pará 47,44%, Rondônia 34,01%, Roraima 63,96%, Tocantins 26,71%, Espírito Santo 66,55%, Minas Gerais 47,45%, Rio de Janeiro 35,80%, São Paulo 32,88%, Paraná 64,83%, Rio Grande do Sul 48,29%, Santa Catarina 52,26%. Fonte dos dados: Painel de Indicadores da Educação Especial. Fim da descrição.

7. Qual a diferença entre o professor do AEE e o profissional de apoio?

Embora os objetivos sejam diferentes, ainda há quem se confunda sobre a atuação de cada profissional. O professor do AEE tem o objetivo de “identificar, elaborar, produzir e organizar serviços, recursos pedagógicos, de acessibilidade e estratégias considerando as necessidades específicas dos alunos público-alvo da educação especial”. Seu perfil é de um profissional com conhecimentos gerais sobre docência e específicos sobre educação especial.

O profissional de apoio é um serviço garantido pela LBI aos estudantes com deficiência, tanto nas escolas públicas quanto privadas. De acordo com a legislação, esse profissional, como o nome sugere, é a “pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas”.

Além da diferença de atuação, o perfil também muda. Para exercer a função de profissional de apoio não é necessário formação em nenhuma área. Habitualmente o trabalho é realizado por estagiários de Pedagogia, professores que assumem o cargo, pessoas que tenham 18 anos ou mais e até mesmo familiares.

O ponto em comum entre os dois cargos está no fato de que eles nem sempre são necessários. Ou seja, nem toda pessoa com deficiência que está na escola precisa de AEE e de um profissional de apoio. É a avaliação caso a caso que irá definir a real necessidade desses profissionais na rotina escolar.

8. O AEE é o único responsável pelo estudante público-alvo da educação especial?

Não. A responsabilidade por todo e qualquer estudante, tenha ele alguma deficiência ou não, é de toda a comunidade escolar. Para Francisca, da UFC, esse é um ponto crucial para entender que a inclusão não se faz sozinho. “A escola é para todas e todos, sem exceção. Se a presença do estudante com deficiência ficar limitada ao trabalho do AEE, iremos continuar na integração. O professor da sala de recursos é a pessoa que está ali para possibilitar a eliminação das barreiras e fazer a articulação com as demais áreas da educação. Já a parte pedagógica, de ensinar cada conteúdo, é do professor da sala comum.”

No que diz respeito à relação entre os docentes do AEE e da sala comum, Rosanna afirma que a parceria é fundamental para a inclusão acontecer na prática. “Os dois educadores precisam ter momentos de conversa e planejamento. O professor regente precisa apresentar quais são as propostas de conteúdos que irá trabalhar e o AEE vai refletir junto para entender quais estratégias utilizar para atender todas e todos. Um não pode transferir o trabalho para o outro.”A atuação conjunta, completa a especialista, pode ajudar mais pessoas. “O uso dos recursos de acessibilidade e da tecnologia assistiva, por exemplo, pode beneficiar os demais estudantes que não fazem parte do público atendido na SRM. A inclusão está aí, algo que ajude a todos ao mesmo tempo.”

Cuidado especial também precisa ser tomado para o profissional de apoio não substituir ou realizar ações dos professores regente e de AEE. Caso isso aconteça, também não está ocorrendo uma atuação na perspectiva inclusiva.

9. Qual o papel da gestão na relação entre AEE, professor regente, profissional de apoio escolar e família?

Os gestores devem estimular e oferecer condições para uma efetiva parceria entre professores regente e de AEE, profissional de apoio e família. “Quem coordena o processo educativo da escola é a gestão escolar. Então, é papel deles fazer essa mediação”, afirma Katia.

No caso da relação entre os professores regente e de AEE, se faz necessário, por exemplo, oferecer tempos de planejamento coletivo entre eles, iniciativa essencial para pensar as práticas pedagógicas e garantir a aprendizagem dos estudantes.

A articulação desses educadores, e do profissional de apoio, com as famílias também é de responsabilidade da gestão. Para a formadora, abrir espaços de diálogo entre o professor de AEE e os demais profissionais é uma maneira de mostrar que a inclusão está presente na escola. “O gestor precisa promover discussões sobre educação inclusiva e o papel do AEE com todos da escola. Ele necessita garantir que as ações do professor de educação especial e o objetivo da Sala de Recursos Multifuncionais estejam previstos no projeto político-pedagógico da escola.”

10. De que forma o AEE deve se relacionar com as famílias?

Conhecer bem os estudantes é crucial para o professor do AEE cumprir seus objetivos. Com esse intuito, uma boa relação com as famílias pode contribuir para ele compreender melhor as características e necessidades da criança ou do adolescente e, assim, reconhecer quais são as barreiras que os impedem de participar plenamente das atividades propostas na escola.

O acolhimento positivo é o primeiro passo para receber tanto o estudante quanto seus familiares. É o que diz Katia, que vê no AEE a possibilidade de tirar qualquer insegurança da família sobre a presença da criança ou adolescente na escola. “As famílias precisam perceber que o professor de AEE, bem como o regente e os gestores, estão empenhados para que o estudante aprenda e participe. Para isso, ele deve garantir uma comunicação efetiva, pautada pelo diálogo e a escuta, com os familiares e mostrar as potencialidades e os avanços do aluno.”

Francisca, da UFC, afirma ser importante essa relação, mas lembra que a família é de competência também dos professores da sala comum. “Assim como não podemos restringir o aluno público-alvo da educação especial ao AEE, com as famílias funciona da mesma forma. Nas reuniões, por exemplo, é preciso trazê-los [professores regentes] para esse encontro. Isso porque o retorno para os familiares é um momento importante de reconhecimento dos avanços da aprendizagem e da autonomia de cada um.”

 

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