Alunos de Mato Grosso aprendem a pesquisar com proposta inclusiva

Iniciativa realizada em escola de Lucas do Rio Verde despertou o interesse da turma sobre os animais e desenvolveu habilidades essenciais para a trajetória escolar

Desde pequenas, as crianças demonstram curiosidade em relação aos animais, em maior ou menor medida, conforme o contexto em que vivem. Então é natural que os professores aproveitem esse interesse para propor atividades por meio das quais elas possam conhecer, entender as características e o processo evolutivo e aprender a preservar a diversidade de formas de vida existentes no planeta.  

A própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC) afirma que “nos anos iniciais, as características dos seres vivos são trabalhadas a partir das ideias, representações, disposições emocionais e afetivas que os alunos trazem para a escola. Esses saberes dos alunos vão sendo organizados a partir de observações orientadas, com ênfase na compreensão dos seres vivos do entorno, como também dos elos nutricionais que se estabelecem entre eles no ambiente natural”.  

As educadoras da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Cecília Meireles, em Lucas do Rio Verde (MT), utilizaram essa estratégia com uma turma do 3º ano do ensino fundamental durante a realização do projeto “Superando Limites”, em 2023. Além de ensinar as características dos animais, elas estimularam o desenvolvimento da habilidade de pesquisar, que envolve aprender a localizar, selecionar e usar informações, competência essencial para que todo estudante aprenda com autonomia. Ou seja, algo que será utilizado ao longo de toda a trajetória escolar.  

O projeto nasceu por conta da participação da coordenadora pedagógica Fernanda Amaral e das professoras Rita de Cássia Lima e Josenara Levandoski na formação “Alavancas para a Educação Inclusiva de Qualidade”, proposta pelo Instituto Rodrigo Mendes (leia mais sobre a iniciativa no final deste texto) 

Contexto da escola e da turma  

O ambiente da EMEF Cecília Meireles é bastante diverso. Dentre os 1.089 estudantes matriculados na unidade, quase a totalidade das crianças é de famílias que migraram de outros estados do país, e também há uma parcela significativa de venezuelanos. Há ainda 27 alunos público-alvo da educação especial, a maioria com transtorno do espectro do autismo (TEA) e deficiência intelectual ou física. 

A turma do 3º ano na qual o projeto foi realizado tem 27 estudantes. Um deles é Adrian, um menino com TEA. As professoras já sabiam do interesse dele por animais, em especial por corujas. De acordo com Rita, professora do atendimento educacional especializado (AEE) que acompanha o estudante, ter essa informação foi importante para estimulá-lo a participar das ações que seriam propostas. “Quando começamos a planejar o projeto, o Adrian ainda era tímido em sala de aula, não interagia com os colegas nem participava ativamente das atividades. Como sabíamos do que ele gostava, logo pensamos em unir as duas coisas: a necessidade de trabalhar o conteúdo sobre animais em nosso planejamento e o interesse dele. 

Sondagem com a turma e pesquisa na internet  

Como primeira ação, a professora regente Josenara, compartilhando a sala com Fernanda e Rita, escutou os estudantes para saber quais animais eles conheciam. Ela os ajudou a classificar esses animais, dividindo-os entre terrestres, aquáticos e aéreos. A educadora também fez um levantamento a fim de identificar quais animais as crianças tinham em casa. “Nesse momento, tratamos de incluir conceitos matemáticos com o gráfico de barras para mensurar os dados coletados. Eles aprenderam a utilizar a representação gráfica, seus eixos e como interpretar a informação apresentada.” Cachorro, gato e pássaros foram os que mais apareceram na sondagem e se tornaram os principais animais estudados. 

Na sequência, cada criança utilizou pequenos computadores portáteis para pesquisar os animais, com o direcionamento das professoras. Elas os ajudaram a definir como a investigação seria feita, ou seja, a quais perguntas eles precisavam responder, onde deveriam procurar as informações, como interpretar o que encontraram e como registrar os pontos mais relevantes para serem compartilhados. Entre os itens levantados estavam o nome da espécie; sua classificação (terrestres, aéreos ou aquáticos); o habitat de cada um; se eram domésticos e se tinham penas, pelos ou escamas. Depois os alunos trocaram entre si as informações que conseguiram.  

Em outra dinâmica, foram organizados grupos formados por três integrantes, para que dividissem um computador. “A intenção foi que eles fizessem uma nova pesquisa, dessa vez à procura de diferentes animais, e tivessem mais troca na realização da atividade, uma vez que teriam de discutir entre si na hora de responder às perguntas”, conta a professora regente. 

Para Felipe Bandoni, doutor em biologia pela Universidade de São Paulo (USP), o início do projeto tem pontos positivos. “Quando o professor conhece o estudante, escuta-o e valoriza os seus conhecimentos, ele está tornando viável o objetivo traçado. O projeto da Cecília Meireles fez muito bem isso: entendeu o interesse e os conhecimentos da turma e permitiu que eles falassem o que descobriram, tornando-os protagonistas do seu aprendizado.” 

O biólogo também frisa a importância de desenvolver procedimentos de estudo que tornem a turma cada vez mais autônoma na busca pelo conhecimento. Para que isso ocorra, é preciso planejamento. “É necessário que a pesquisa seja feita corretamente. Não basta entrar na internet, digitar o termo e copiar tudo que achar. O professor deve explicar aos estudantes ao que a investigação precisa responder, de que forma e quais canais utilizar. No caso desse projeto, as orientações ajudaram as crianças a aprender mais sobre o tema.” 

Pesquisa observacional: explorando o ambiente escolar   

A etapa seguinte da proposta previa outro tipo de pesquisa, agora baseada em observação. Para isso, as educadoras levaram a turma para a área externa da escola, onde há árvores, grama, plantas e flores. De acordo com Josenara, esse foi um momento rico de contato com a natureza, com a possibilidade de os estudantes registrarem suas descobertas sobre os animais que encontraram. “Cada criança escreveu ou desenhou aquilo que observou. Essa flexibilidade no registro permitiu a participação ativa de todos, já que alguns ainda não estão totalmente alfabetizados.”  

O próximo passo ocorreu com a divisão da turma em três grupos, cada um responsável por confeccionar cartazes sobre um dos tipos de animais — terrestres, aéreos ou aquáticos — pesquisados na sala e nos arredores da escola. Os cartazes feitos por eles, com desenhos e recortes de figuras de animais, foram apresentados pelos grupos ao restante dos colegas e depois ficaram expostos no mural da sala. 

Em outro momento, os estudantes puderam ver de perto alguns animais diferentes daqueles que a maioria tem em casa. Alguns alunos foram convidados a levar seus animais para a sala de aula. “Pensando em mostrar um pouco da diversidade no reino animal, selecionamos aqueles que não eram comuns a todos. Tivemos jabuti, galinha, canário, calopsitas e hamster”, conta Fernanda. Segundo ela, Adrian, que antes tinha como companhia uma coruja de pelúcia, levou para a escola um coelho de pelúcia. “Para nós, foi uma demonstração do engajamento dele com o projeto e de como essa participação aumentou seu interesse por outros animais”, completa.  

No mesmo dia, a pedido das educadoras, uma veterinária e sua assistente fizeram uma visita à escola para conversar com as crianças sobre os cuidados que devemos ter com os animais de estimação e com todos os que vivem na natureza e sobre a importância de protegê-los. “Foi um dia muito bacana, em que os alunos interagiram positivamente, falando de forma espontânea as características de cada animal ali presente. Nos divertimos muito”, relembra Rita. 

A estratégia de abordar a preservação dos animais e os cuidados necessários com eles é vista por Felipe como fundamental para a formação dos estudantes. “Tratar bem qualquer outro ser vivo é uma questão de ética. Precisamos conhecê-los no intuito de saber que eles existem, que há uma diversidade no reino animal e uma interdependência entre nós e eles, pois desfrutamos do mesmo e único meio ambiente.” 

Por fim, a turma foi novamente reorganizada, agora em estações por rotação de aprendizagem, com a proposta de um circuito de atividades diversificadas que se complementaram ao abordar um mesmo tema. Em revezamento, os grupos colocaram seus conhecimentos à prova em atividades lúdicas que envolveram jogo da memória, quebra-cabeça e identificação de animais pela audição e pelo tato. 

Os aprendizados para a turma e a equipe escolar 

Para Josenara, a experiência permitiu à sua turma aprender sobre a vida e a evolução dos animais de forma significativa, além de fazer com que houvesse maior colaboração entre os colegas de classe, principalmente com o estudante Adrian. “Ao longo da proposta e do ano letivo, todos foram muito mais participativos e engajados nas aulas.” 

Fernanda afirma que a proposta também contribuiu para mudar a rotina de trabalho da equipe escolar. “Além de melhorar nossas práticas para uma verdadeira inclusão, queríamos reestruturar a articulação entre a professora do AEE e a de sala de aula. Sabíamos que para o sucesso do projeto, e de qualquer outra estratégia adotada, é necessário manter momentos de troca entre nós.” 

A estratégia deu resultado. Rita, do AEE, conta que antes, devido ao grande número de atendimentos realizados, troca com a coordenação e com os professores regentes eram quase impossível. “A barreira estava no tempo em sala. Tanto eu como os professores regentes passávamos a maior parte da carga horária dando aula. Não conseguíamos ter momentos produtivos de conversa”. A experiência vivida ajudou a melhorar esse cenário. “Percebemos ser primordial ter momentos de troca. Nós adequamos as nossas agendas a fim de possibilitar tempo hábil para reuniões e vimos o resultado. Hoje, na medida do possível, vamos manter isso para oferecer uma educação de qualidade, tanto na sala comum quanto na sala de recursos”, afirma Rita. 

Ao refletir sobre o papel da articulação entre os professores e a equipe gestora, Felipe aponta a existência de um pensamento errôneo sobre a atuação dos profissionais de educação. “É comum em todas as outras profissões ocorrer reuniões de alinhamento, para falar de resultados e traçar novos objetivos. Na educação, o trabalho docente fora da sala não é valorizado. Isso reflete na realidade que temos: muitas instituições de ensino sem momentos de formação e de planejamento. Na minha experiência, as boas escolas são aquelas nas quais os educadores têm tempo dedicado para os encontros coletivos, para se especializarem e reverem seus planejamentos.” 

Embora a articulação entre os professores e a coordenação ainda não seja ideal, Fernanda relata que a experiência e os resultados impactaram os demais educadores da escola. “Nós três sempre compartilhamos os aprendizados e acontecimentos da formação do Alavancas com todos nos momentos formativos dentro da escola. Conseguimos transmitir aos demais a importância de realizar um bom planejamento em equipe, mostrando como isso abre caminho para praticar um ensino de qualidade inclusivo.” 

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Alavancas para a Educação Inclusiva de Qualidade  

O projeto “Alavancas para a Educação Inclusiva de Qualidade” é uma iniciativa do Instituto Rodrigo Mendes (IRM), em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Movimento Bem Maior, o Instituto Ambikira e o Instituto Machado Meyer, e visa a formação de educadores, gestores escolares e técnicos de secretarias municipais de Educação de todo o país. O objetivo é potencializar práticas e políticas públicas locais que proporcionem uma educação de qualidade para todas e todos.  

Dividido em diferentes etapas, que vão de 2023 a 2025, o programa é realizado em parceria com dez secretarias municipais de Educação, que representam as cinco macrorregiões do Brasil: Maués (AM), Óbidos (PA), Campo Formoso (BA), Gado Bravo (PB), Irauçuba (CE), Lucas do Rio Verde (MT), Cajati (SP), Patos de Minas (SP), Alvorada (RS) e Canguçu (RS).    

No ano passado, a equipe do IRM conduziu uma formação semipresencial com cerca de 400 educadores desses municípios, que incluiu orientação e apoio para a elaboração e o desenvolvimento de cem projetos inclusivos, com foco na promoção do protagonismo e da autonomia de todos os estudantes.  

Neste ano, as ações formativas do projeto Alavancas tiveram como público-alvo técnicos das secretarias municipais de Educação. O objetivo era que, ao final do percurso, cada rede elaborasse uma política pública voltada à educação inclusiva. Em 2025, está previsto o monitoramento das políticas elaboradas neste ano e uma pesquisa sobre os impactos gerados pelas formações, além de dois cursos que serão disponibilizados na plataforma de formação do IRM.

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