A formação como caminho para o professor do AEE ser reconhecido por seus pares

Para Malu Sobreira, especialista em educação inclusiva, profissional-orientador é essencial para que esses educadores aprimorem a própria prática e conquistem espaço e valorização dentro das escolas

Em uma sala de reuniões, um grupo de seis mulheres está reunido em torno de uma mesa. Cinco delas estão sentadas e prestam atenção à apresentação da educadora Malu Sobreira, uma mulher de cabelos pretos e pele morena que está em pé ao lado de um televisor. Fim da descrição.
Malu Sobreira conduz formação com professoras do AEE de Itapevi (SP). Crédito: Acervo pessoal

Falar sobre o Atendimento Educacional Especializado (AEE) é um dos principais desafios que enfrento enquanto formadora de professores. Antes de contextualizar um pouco sobre o processo de inclusão do estudante com deficiência no Brasil e sobre o surgimento desse profissional, já digo que a ausência dele é como tentar montar um quebra-cabeça faltando a peça principal. 

A partir da Declaração de Salamanca, em 1994, as escolas regulares começaram (ou deveriam ter começado) a abrir suas portas para todos os estudantes, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais ou culturais. Desse modo, os estudantes com deficiência, Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) e altas habilidades ou superdotação passam a ter reconhecido o direito de estudar em escolas inclusivas.   

Teoricamente, a educação passava a ser inclusiva. Digo teoricamente porque durante muito tempo os estudantes com deficiência continuaram em situação de exclusão do processo educativo: não tinham acesso ao currículo comum, enfrentavam todo tipo de barreira de acessibilidade e, frequentemente, o que era observado nas salas de aula ditas inclusivas eram crianças e jovens em um canto pintando algum desenho ou realizando outra atividade qualquer, em uma abordagem totalmente descontextualizada do planejamento elaborado para a turma. Vale ressaltar que, em muitas escolas, por vezes o estudante permanecia na sala de aula sem nada fazer sob o pretexto de que ele estava ali para socializar. Não se pensava nele como um ser capaz de apreender. 

Em 2007, o Brasil foi um dos países signatários da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Esse importante documento foi aprovado pelo Congresso Nacional em 2008 e, no ano seguinte, passou a ter status e força constitucional. Pautado pelo modelo social de deficiência, o país assumiu, assim, o compromisso de “assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”.

Ainda que o acesso à escola legalmente tivesse passado a ser para todos, foi somente após 2008, com o lançamento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), que se começou a pensar na especificidade do público-alvo da educação especial (PAEE) e na necessidade de eliminar as barreiras para seu acesso ao currículo. Em setembro daquele ano, foi criado o AEE para atender, no contraturno, a parcela de estudantes que necessita desse apoio.

Assim, em resumo, o AEE surge com o objetivo principal de eliminar as barreiras que impedem a plena participação dos estudantes na escola por meio de recursos pedagógicos e de acessibilidade. No entanto, nem sempre o professor do AEE consegue exercer efetivamente seu papel na escola, pois, assim como o público que ele atende, por vezes ele próprio é invisível. Em alguns casos, os membros da equipe escolar nem notam sua presença, tampouco sabem ou têm interesse em saber no que consiste seu trabalho, e dificilmente esse profissional é chamado para participar das ações e projetos da instituição de ensino.

A impressão que se tem é que a mesma desresponsabilização que ainda permeia a educação com relação ao estudante PAEE é estendida ao professor do AEE. A escola muitas vezes considera esse atendimento como um reforço escolar e, por consequência, responsabiliza esse professor pelo próprio desenvolvimento pedagógico. Esses são alguns fatores que levam o professor do AEE a sentir-se desmotivado e excluído.

Esse retrato demonstra como muitas escolas ainda concebem o professor do AEE, segundo os relatos que os participantes das formações que faço nos apresentam. Enquanto formadora, porém, não me deparo apenas com essas questões. Acredito que o maior desafio está na transformação da visão que o professor tem de si mesmo, em como ele se comporta diante do que precisa fazer e no quanto é comprometido com o próprio trabalho.

Com trabalho coletivo… 

Toda mudança é difícil, trabalhosa e parte de um processo. Na medida em que o professor reflete sobre a própria prática, sobre o seu papel de eliminador de barreiras para a aprendizagem desses estudantes e sobre a importância de um trabalho colaborativo dentro do ambiente escolar, ele vai conseguindo argumentos e confiança para ocupar seu espaço e ganhar cada vez mais visibilidade e destaque. Mas, para que isso aconteça, o apoio de um professor formador é essencial!  

É assim que me sinto: como uma pessoa que desempenha um papel fundamental para que esse professor seja valorizado e respeitado, e também seja consciente e comprometido com o processo de aprendizagem de crianças, jovens e adultos público-alvo da educação especial. Mas não trabalho sozinha. Dentro de uma pequena equipe (quatro profissionais), minha parceira e eu ficamos à frente do processo de formação e acompanhamento desses profissionais. 

O caminho é longo, e a tarefa ainda é árdua! Para trabalhar o empoderamento desse professor foi necessário começar do zero, traçando um processo formativo com estratégias para fortalecer o seu trabalho. Começamos a utilizar nossas pequenas reuniões formativas para discutir as leis que embasam e direcionam o trabalho do AEE e também as dificuldades observadas ou relatadas por eles, além de sugestões e troca de ideias para as atividades realizadas durante o atendimento. 

Enquanto formadora, meu papel não se encerra nesses encontros formativos. Os coordenadores pedagógicos também recebem orientações, pois precisam entender e conhecer melhor o trabalho do AEE, de modo a poderem desmistificar alguns conceitos e contribuir significativamente para o desenvolvimento do estudante PAEE. A forma que encontramos de orientar esses gestores tem sido o acompanhamento presencial nas unidades escolares que são polos do AEE. 

O acompanhamento é o momento em que o coordenador pedagógico é orientado sobre o papel do professor do AEE na escola e a importância de um trabalho em conjunto com os outros profissionais. 

Esses momentos também possibilitam entender como a atuação do professor do AEE impacta a escola, seja pela eliminação de barreiras ou pela observação de como ocorre a articulação do trabalho com o professor da sala regular, com foco na aprendizagem. As formações podem contribuir para a mudança de conceitos, o que inclui o combate ao capacitismo, uma vez que oferecem conhecimentos que auxiliam também o docente regente a incluir esse estudante em todas as situações de ensino e aprendizagem. Os dois juntos, professores regente e do AEE, com apoio da coordenação pedagógica, vão observar quais barreiras impedem esse aluno de aprender, e cada um fará sua parte para que elas sejam eliminadas. 

…os resultados aparecem 

É um processo difícil, mas os resultados estão surgindo: durante um dos acompanhamentos nas unidades escolares, uma das professoras do AEE com a qual atuamos foi muito elogiada pelo trabalho que estava desenvolvendo. Segundo a diretora, ela tem feito a diferença na escola, uma vez que os estudantes atendidos por ela estão evoluindo muito e a articulação com os outros profissionais, com orientações pertinentes e assertivas, estão propiciando um ótimo desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes PAEE. 

Sigo acreditando nesses profissionais, tendo ao meu lado uma parceira de trabalho que também acredita, e esse acreditar não nos deixa desistir. O trabalho foi iniciado e o objetivo com certeza será alcançado! 

Sobre a autora

Maria Luiza Sobreira de Oliveira (Malu Sobreira) é mestra em psicologia educacional pelo Centro Universitário Unifieo. Com 31 anos de atuação, fez magistério e é graduada em pedagogia, com especialização em psicopedagogia, educação especial e docência do ensino superior. É professora dos anos iniciais do ensino fundamental  no município de Itapevi (SP), onde, há 6 anos, integra a equipe técnica da Gerência de Atendimento Educacional Especializado (GAEE) na secretaria de educação. Na GAEE, exerce a função de orientação pedagógica aos coordenadores de todas as unidades escolares quanto ao trabalho com o público-alvo da educação especial, de acompanhamento e de formação continuada dos professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE). 


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