É papel da gestão escolar articular o trabalho do AEE com o dos demais educadores

Para Vivian Gomes, coordenadora do AEE itinerante/colaborativo de Mogi Guaçu (SP), gestores precisam promover trabalho colaborativo, com momentos de troca efetiva entre profissionais da educação especial e professores regentes

Em sala de aula, educadoras estão sentadas em cadeiras distribuídas em formato de roda enquanto prestam atenção na fala de uma delas. Ao fundo da imagem há uma mesa com cadeiras ao redor e, à esquerda, há quatro bandeiras, sendo uma do Brasil e outra do estado de São Paulo. Fim da descrição.
Em sala de aula, educadoras estão sentadas em cadeiras distribuídas em formato de roda enquanto prestam atenção na fala de uma delas. Ao fundo da imagem há uma mesa com cadeiras ao redor e, à esquerda, há quatro bandeiras, sendo uma do Brasil e outra do estado de São Paulo.Vivian (vestida toda de preto, em destaque na direita) em momento formativo com parte da equipe de professoras do AEE de Mogi Guaçu (SP). Crédito: Valeria Souza

Percebo e entendo a atuação docente como um trabalho interativo sobre o outro e com o outro, uma construção coletiva de “fazer com” e não “fazer para” alguém. Sendo assim, o papel do professor do atendimento educacional especializado (AEE) é também encontrar maneiras para somar à gestão escolar, aos professores regentes, a todos os profissionais da escola e com aos familiares para possibilitar, efetivamente, uma educação inclusiva.  

Contudo, fico me questionando: professores do AEE, profissionais de apoio escolar e intérpretes de Libras são de fato incluídos em nossas instituições de ensino? Ainda é necessário se falar em inclusão, mesmo que as leis amparem o direito e o dever de uma escola para todos e para cada um? O conceito de não pertencimento permeia as relações inclusive entre os educadores? 

Pelos diálogos que tenho com minha equipe sou coordenadora dos professores do AEE itinerante/colaborativo da rede municipal de Mogi Guaçu (SP) percebo que esses profissionais ainda necessitam se sentir incluídos, vistos como parte do corpo docente da escola. 

Desde 2009, com a implementação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (PNEEPEI), o trabalho dos professores do AEE nas salas de recursos multifuncionais se estabeleceu, predominantemente, no contraturno da escolarização para crianças e adolescentes que têm necessidades de uma intervenção mais individualizada. Isso foi feito para que essa atuação fosse complementar às aulas regulares, e não substitutiva. Mas também provocou um distanciamento que parece inevitável, como se a ponte que interligasse os dois serviços [AEE e ensino regular] estivesse interditada pelas barreiras de espaço e tempo, uma vez que ocorrem em horários diferentes e até mesmo em lugares distintos, no caso dos estudantes que precisam ir para outra escola ou instituição para participar do AEE. Alguns profissionais relatam que se sentem isolados, pela escassez de encontros ou pela impossibilidade da troca com os professores regentes. Em meio às questões burocráticas, administrativas, pedagógicas e barreiras atitudinais, acaba-se tendo rupturas na comunicação entre os dois serviços. 

O sentimento de isolamento não é de todos, mas é real, existe e precisa ser validado e discutido. A cultura escolar também precisa mudar para que os professores do AEE se sintam abraçados como parte da equipe que compõe a escola. Percebo que, nos locais nos quais isso acontece, há uma diferença nítida no resultado do trabalho do profissional, que se sente valorizado. 

O professor regente também é afetado pela falta de parceria com os profissionais da educação especial. Quando eu era professora regente, meu contato com as docentes do AEE era limitado a poucas conversas realizadas por telefone e às devolutivas feitas por meio do plano de ensino individualizado (PEI). Agora, como coordenadora do AEE, sei que a elaboração desses planos requer muito tempo de observação dos educadores. Ainda assim, também sei que, às vezes, as informações contidas no documento não respondem a algumas das questões pontuais vividas no dia a dia da sala de aula regular. Eu sentia falta de orientações dentro do contexto da aula.  

É preciso, portanto, cautela para que o trabalho do AEE no contraturno não se torne estanque. Essa via não é de mão dupla, é de mão única! As equipes gestoras das escolas devem possibilitar meios de articular e promover trocas para que professores do AEE e professores regentes, em colaboração com coordenadores e diretores, caminhem juntos, no diálogo e na prática, buscando pertencimento e firmando parcerias.   

Nós, profissionais do AEE, precisamos nos fazer presentes nos espaços que compõem o todo da escola, marcando nosso lugar de fala, tecendo diálogos com as famílias, com os gestores das instituições, com os professores regentes e demais profissionais, dando passos na mesma direção, o que beneficiará crianças e adolescentes público-alvo das ações do AEE.  

Como fazer isso? Aproveitando as formações em serviço e o dia a dia para abrir diálogos, discutir contextos e estratégias, articulando meios para enfrentar barreiras e anular falas e ações capacitistas.  

Em nosso município, para viabilizar uma construção coletiva dos processos inclusivos, iniciamos este ano um projeto-piloto, mesclando as modalidades itinerante e colaborativa do AEE (leia reportagem sobre os modelos de AEE). Minha equipe circula por algumas instituições selecionadas de educação infantil e ensino fundamental para realizar um trabalho em conjunto com os profissionais da escola, principalmente os professores regentes.  

A ideia é estar no dia a dia da instituição de ensino: participar das formações e dos conselhos de classe, acompanhar a realidade da sala regular, ouvir professores regentes, gestores, famílias, intérpretes de Libras e profissionais de apoio escolar. E, com essa soma de olhares, poder colaborar com o planejamento, propondo estratégias que visem a acessibilidade curricular e a organização do tempo e das transições; e sugerindo ajustes na rotina e adaptações pontuais de recursos pedagógicos para que exista uma inclusão efetiva.  

Os desafios para articular tudo isso são muitos e estamos começando o trabalho. Mas ele é essencial porque todo estudante tem direito de ser, estar e pertencer à escola. E os profissionais da educação especial têm o direito de serem acolhidos como equipe. Os gestores precisam articular meios para efetivação desses direitos e todos os envolvidos precisam se sentir parte do processo, acessando rampas, em linguagem literal e figurada que viabilizem uma escola para todos e para cada um. Isso é uma construção coletiva! Seguimos quebrando paradigmas, em constante alerta para que ninguém se sinta isolado, deixe de ser ouvido ou respeitado por seus pares nem fique à beira do caminho. O trajeto é longo, mas estamos dando passos nessa direção. Que estejamos atentos!  

Sobre a autora

Foto de Vivian de Morais Gomes. É uma mulher branca, com cabelo longo, liso e loiro. Ela está com óculos e camiseta preta. Fim da descrição.
Vivian de Morais Gomes é pedagoga, pós-graduada em educação infantil, educação especial e atendimento educacional especializado (com artigo científico publicado pela Unesp). Estudou psicopedagogia e neuropsicopedagogia. É professora de educação infantil há 22 anos e está, atualmente, no cargo de coordenadora da modalidade itinerante/colaborativa do Ceape (Centro de Apoio Pedagógico Especializado), na rede municipal de Mogi Guaçu (SP). 


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