Com a participação da família, estudantes de escola do interior do Maranhão fazem pesquisas e descobertas históricas no quintal de suas casas
A Escola Municipal Santa Bárbara localiza-se a aproximadamente 22 quilômetros da sede do município de São Bento, na Baixada Maranhense, na comunidade rural Santa Bárbara. No turno matutino, a unidade atende crianças da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental. Já no turno vespertino, no qual atuo como professora de história, funcionam cinco turmas dos anos finais do ensino fundamental.
Ao todo, atendemos 140 estudantes de diversas comunidades da região: Belém, Mangal, Gurgueia, Sertãozinho, Olho d´Água dos Morais, São Caetano, Laranjal, da própria comunidade, entre outras.
A comunidade Santa Bárbara, assim como várias das outras onde vivem os estudantes, é remanescente de quilombos: locais simples, mas ricos em cultura, vivências e histórias e com uma possibilidade incrível de ser fonte e espaço de pesquisas.
Idealizando o projeto
O projeto “Meu Quintal Meu Campo de Pesquisa” foi realizado nas aulas de história com crianças do 6° ano, em uma turma com 23 estudantes que passaram a fazer uso dos seus espaços de vivências como local de aprimoramento de suas aprendizagens na área de conhecimento do projeto.
No início de 2021, ainda sem a possibilidade de aulas presenciais devido à pandemia de covid-19, o ensino remoto era a única alternativa no momento. Dentro da realidade da escola, era praticamente impossível utilizar recursos que necessitem de internet, pois a maioria das crianças não possui acesso ou tem dificuldade de conseguir conexão.
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Mediante isso, era necessário buscar alternativas para oportunizar que as alunas e os alunos exercitassem os conhecimentos históricos e ampliassem suas aprendizagens, ao mesmo tempo que promovessem interação e trocas entre eles, ações tão essenciais na prática pedagógica, ainda mais pensando que aquela era uma nova turma, com crianças que apenas agora eu viria a conhecer.
Busquei dialogar com a gestão da escola e outros colegas e assim apresentei a ideia de fazer uso da pesquisa e da experimentação, onde os estudantes pudessem desenvolver uma prática completamente inovadora no âmbito da sua casa e arredores, a partir da utilização dos livros didáticos, textos complementares e toda explicação e direcionamento recebido no roteiro de estudos.
As mães e os pais abraçaram a ideia, e ficou combinado que a cada 15 dias eles pegariam um novo roteiro de atividade ao tempo que trariam os resultados das atividades desenvolvidas em casa. Foi incrível ter a participação da família como essa ponte da escola com as crianças e a disponibilidade em estar nos dias marcados, ainda que as distâncias fossem bem longas.
A aplicação das atividades
A apresentação aos estudantes foi feita por meio do texto escrito no roteiro de atividades que os familiares levaram para casa, no qual dizia que nós iríamos desenvolver juntos um projeto para que a história se tornasse mais divertida, interessante e chamativa e para que pudessem aprender muito mais.
Durante o projeto trabalhamos conteúdos como: fontes históricas; vestígios arqueológicos; a vida no Paleolítico; a Mesopotâmia, os zigurates, a escrita cuneiforme e os fenícios.
Para trabalhar fontes históricas, expliquei todo conteúdo no material impresso enviado e orientei o uso do livro didático para melhor compreensão. Depois, pedi que os estudantes listassem as fontes históricas que encontram em casa e que as mandassem para mim em material escrito. Em seguida, foi proposto que respondessem à atividade e que escolhessem uma das fontes históricas listadas para fazer uma miniatura com materiais encontrados no quintal.
O primeiro resultado foi incrível, com lindas miniaturas de fontes históricas e objetos que remontam a historicidade local disponíveis em exposição a quem visitasse a escola.
Quando abordamos os sítios arqueológicos, após a explicação e orientação das leituras sobre o tema, solicitei que montassem uma escavação no quintal de casa em busca de vestígios de antigos habitantes, rochas antigas e outros materiais que enriquecem a compreensão.
As crianças usaram a criatividade para conseguir fazer a atividade. Elas demarcaram a área onde iriam escavar e, em sua pesquisa, encontraram pedaços de porcelana antigos, restos de sandálias antigas, raízes, rochas entre outros materiais que remontam a historicidade da localidade.
Essa foi uma atividade muito motivadora, onde todos colocaram a mão na massa e desvendaram elementos que levantam informações sobre a sua história pessoal, ao tempo que desperta um sentimento de pertencimento com o local onde vive e aproximação do conhecimento produzido.
Ao estudarem sobre a vida no Paleolítico, as crianças foram convidadas a realizarem um momento para celebrar o domínio do fogo, onde deveriam fazer uma fogueira no quintal de casa, com ajuda dos familiares, e todos da casa deveriam sentar em volta da fogueira, contar histórias e tomar um café.
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Recebi relatos encantadores desse momento único, muitas famílias nunca tinham reservado esse tempo para estarem interagindo juntas, ainda mais em uma atividade pedagógica. Em um dos relatos, o aluno comenta que o irmão mais novo desejou muito chegar logo ao 6° ano para estudar história dessa maneira.
Mesmo com a pandemia, conseguimos realizar algumas atividades presencialmente, como a que as alunas e os alunos trouxeram barro e um objeto pontiagudo desenvolvido por eles para exercitar a escrita cuneiforme dos sumérios em sala de aula.
É interessante que a ideia do quintal como fonte e espaço de pesquisa ultrapassa o conceito original, pois, no sentido subjetivo, o quintal pode ser o percurso que ele faz da casa para a escola, os arredores da própria escola, e outros muitos cenários possíveis.
Contribuição do projeto para o desenvolvimento de todas e todos
O trabalho permitiu que as crianças relacionassem temáticas interessantes da história com as suas vivências cotidianas. Como a maioria dos povoados de onde os estudantes vem são remanescentes quilombolas, a compreensão das fontes é importante para que eles entendam o que mudou e o que permanece na sua localidade.
Foi muito desafiador realizar um projeto quando todos ainda nem podiam ir para a escola e não tinham acesso à internet. Escrever aos estudantes os conteúdos na linguagem acessível era uma árdua tarefa, e motivá-los a distância era muito complicado.
Entretanto, foi muito gratificante perceber como todos se tornaram protagonistas em cada vivência e atividade proposta, como foram muitas vezes além do que foi solicitado, sendo sujeitos autônomos e proponentes de sua própria aprendizagem. O projeto nos proporcionou trocas e sensações indizíveis e um espaço onde aprendemos juntos.
Eu aprendi que nunca devemos ter medo de tentar, nem devemos nos conformar com as dificuldades e que cada estudante é uma cabeça disposta a aprender, é um sujeito que tem direito a essa aprendizagem e se houver uma possibilidade de oportunizar isso, devemos tentar.
Aprendi que é possível realizar um projeto de grande impacto sem precisar de muito recurso financeiro, apenas sabendo usar o quintal de casa, o território onde vivemos, sendo ele em área rural ou grandes centros urbanos. Reforcei a ideia de que a história é incrível e que seu conhecimento é fascinante; que ensinar é a arte de ser a referência de alguém e de fazer desse alguém a sua própria referência.
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