Professor vencedor do Prêmio Educador Nota 10 desenvolveu projeto de investigação da biocultura da caatinga por estudantes
Ao longo do tempo, as populações tradicionais tendem a acumular conhecimentos ecológicos acerca das espécies que exploram no desenvolver de suas atividades tradicionais, como a caça. Esse “Conhecimento Ecológico Local” (CEL) é transmitido de geração em geração e constitui uma rica fonte de informações, que pode contextualizar as aulas de ecologia, utilizando questões socioambientais locais, a escola e seu entorno como elementos de dinamização do ensino de estudantes.
Diante disso, em tempos de ensino remoto, junto a estudantes dos 9° anos da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Iraci Rodrigues de Farias Melo, situada na cidade de Mogeiro (PB), desenvolvemos o projeto “Um ensaio biocultural”, nas aulas de ciências.
Por ser uma região em que a atividade de caça faz parte da cultura local, a proposta teve como objetivo trabalhar os aspectos bioculturais locais, integralizando o conhecimento ecológico local dos caçadores nativos, a participação familiar, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas (ONU) e objetivos do pacto global ao processo de ensino a distância e letramento científicos de estudantes, promovendo a divulgação científica por meio das redes sociais.
Planejamento e prática em sala de aula
Em sala, o desenvolvimento do tema “Inter-relações, origem e evolução cultural dos seres vivos” nas esferas bioculturais, socioambientais e políticas do conhecimento ecológico, permitiu às alunas e aos alunos conhecer de forma contextualizada o ser humano, integrando-o ao seu ambiente natural como parte importante, e cujas ações têm efeito direto sobre equilíbrio social e natural. Buscamos o desenvolvimento da habilidade de propor iniciativas individuais e coletivas para a solução de problemas ambientais da cidade ou da comunidade, determinada como fundamental pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o 9º ano (EF09CI13), adotada pela escola para melhorar o aprendizado durante a pandemia de covid-19.
Inicialmente, para contextualizar o tema aos estudantes, todas e todos foram incentivados a realizar a leitura de um artigo científico que trata sobre a caça no território paraíbano, escrito por Rômulo Romeu de Nóbrega Alves, um dos pesquisadores nordestinos mais influentes do mundo.
![Foto de cima da região do agreste paraibano. Fim da descrição.](https://diversa.org.br/wp-content/uploads/2022/06/projeto-linaldo-pen102.jpg)
Em seguida, discutimos as semelhanças entre as práticas relatadas no artigo com a realidade cultural na qual as alunas e os alunos estavam inseridos. Após a base teórica trabalhada, os adolescentes perceberam que a caça, de fato, consistia em uma atividade integrante da sua realidade diária. Agora chegara a vez deles investigarem e compreenderem a ecologia que os cercava.
Para compreender os aspectos culturais locais, todos os estudantes realizaram entrevistas com os caçadores locais, com os integrantes de sua família e com a comunidade, utilizando questionários semiestruturados e metodologia aplicada no campo da Etnobiologia, permitindo a análise do conhecimento ecológico dos entrevistados em relação aos aspectos bioculturais locais (místicos, folclóricos, medicinais e alimentícios) dos animais caçados.
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Os dados obtidos foram analisados pelos discentes de forma interdisciplinar nas aulas de matemática, utilizando a porcentagem para avaliar as respostas obtidas com as entrevistas, permitindo a compreensão e discussão dos resultados obtidos com a pesquisa.
Uma parceria com o Dr. Elidomar Ribeiro, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), referência da área de zoologia cultural, foi efetivada, concedendo a oportunidade, por meio de palestra, aos estudantes conhecerem e debaterem sobre a cultura e sua influência no comportamento humano.
Visando promover a educação e a divulgação científica, encorajamos os estudantes a criarem “Fakémons”, Pokémons baseados nas espécies citadas pelos caçadores. Esses personagens, inspirados na biodiversidade global, compõem uma das maiores franquias de animes do mundo, sendo fortes influências culturais e parte do dia a dia das alunas e alunos desde a sua infância.
![Logotipo Fakemos, com ícones de cactos, Pokémon e chapéu de cangaceiro. Fim da descrição.](https://diversa.org.br/wp-content/uploads/2022/06/fakemons-pen10.jpg)
Cada Pokémon construído recebeu uma ficha técnica com informações ecológicas e bioculturais acerca da espécie inspiração, compondo um e-book que futuramente será publicado.
Para a divulgação dos dados e resultados obtidos, os alunos utilizaram as redes sociais. Eles foram divididos em três equipes e produziram “memes” no Instagram e no TikTok. Essa realidade contextualizou elementos da cultura tradicional e contemporânea no processo de ensino a distância.
Cada equipe recebeu seu nome e brasão inspirado em um animal da caatinga, criando seu próprio perfil nas redes. Os educadores tiveram a oportunidade de conversar com os ex-estudantes da escola campeã da edição 2019 da feira de ciências da instituição, hoje integrantes da Escola Cidadã Integral Técnica (ECIT) e de institutos federais, que tiveram o ensino de ciências empregado de forma contextualizada.
Todo o material produzido para divulgação nas redes sociais foi julgado e analisado pelos ex-estudantes, convidados a compor o júri do “Oscar”, cerimônia realizada para premiar as casas.
O projeto contemplou cinco Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, sendo o ODS 4 (Educação de qualidade), ao implantar projetos educacionais complementares com envolvimento familiar; o ODS 9 (Indústria, Inovação e Infraestrutura), ao promover gincanas, feiras de ciência e inovação; o ODS 10 (Redução de desigualdades), ao desenvolver pesquisas e estudos sobre a realidade social onde todos os estudantes estão inseridos; o ODS 15 (Vida terrestre), realizando campanhas sobre a importância da biodiversidade; e o ODS 17 (Parcerias e meios de implementação), firmando parcerias com as partes interessadas.
Resultados do trabalho implementado
Os trabalhos desenvolvidos garantiram aos estudantes o direito de acesso às fontes da cultura, incentivo e valorização da diversidade étnica e regional, como destacado no artigo nº 215 da Constituição Federal e o cumprimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que assegura a educação emergida nas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia dos educandos.
As práticas desenvolvidas promoveram a interdisciplinaridade e estimularam o protagonismo das alunas e dos alunos a todo o tempo, sendo os próprios adolescentes os responsáveis pela construção do seu saber, acompanhando o desenvolvimento da chamada 4° revolução industrial, ao utilizar as redes sociais para o aprendizado.
Esses elementos são vitais para o aumento do desenvolvimento de todos os estudantes, estimulando o letramento científico e formando cidadãos cada vez mais críticos e ativos socialmente.
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