Projeto revitaliza escola e aumenta índices de aprendizagem de estudantes

Iniciativa de gestão escolar reúne diálogo com a comunidade, trabalho colaborativo e fortalecimento de parcerias para transformar escola 

Assumi em 2016 a gestão da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Jones José do Nascimento, localizada no município de Serra (ES), e, desde então, vivi um turbilhão de emoções. A escola está situada no bairro Central Carapina, que apresenta alta vulnerabilidade social e índices de violência que desafiam o poder público. 

Quando iniciei a gestão, a unidade era considerada uma das mais violentas do estado e enfrentava problemas crônicos de indisciplina, vandalismo e baixa aprendizagem. Os primeiros seis meses foram extremamente desafiadores: problemas de ordem financeira, pedagógica, de infraestrutura, documental etc.  

A escola era realmente um caos, a comunidade não tinha respeito pela instituição, e nenhuma solução era suficientemente boa para resolver os problemas elencados pelos familiares, estudantes e equipe escolar. 

Foi, então, que nos reunimos com diversos grupos e começamos a negociar alternativas. Foram muitos momentos de diálogo franco, dando voz e vez a todos os atores da comunidade escolar.  

Em laboratório multimídia, a gestora Juliana se senta em volta de uma mesa com diversos alunos. Fim da descrição.
Créditos: Edson Chagas/Nova Escola

Nova identidade

Realizamos uma série de atividades com a finalidade de revitalizar a escola. Fizemos mutirão de faxina e tiramos caminhões de entulhos, limpamos as paredes da escola e retiramos as grades que davam a sensação de que estávamos em um presídio. Realizamos também algumas obras e resolvemos problemas antigos, como a constante falta de água que atrapalhava o cumprimento dos dias letivos. 

A partir de 2017, deixamos de ser conhecidos como a escola violenta ou problemática, ganhando uma nova identidade. Para tornar o ambiente mais acolhedor, os professores confeccionaram cartazes e murais e os estudantes passaram a se sentir parte da instituição e protagonistas do processo de revitalização.  

Como a escola estava quando Juliana assumiu o cargo de gestora:

Os espaços escolares depois do processo de revitalização:

Então eu passei a me questionar sobre qual era o segredo da transformação da realidade da escola em tão pouco tempo. Cheguei à conclusão de que não existe segredo, foi por meio de um projeto de gestão democrática humanizada que construímos uma nova realidade.  

Gestando sonhos, alcançando metas

Entretanto, apesar dessas conquistas, eu continuava incomodada com nossos resultados de aprendizagem. Era comum que mães, pais e pessoas da comunidade elogiassem a transformação da escola, mas eu sabia que ainda não estávamos dando a aprendizagem que os estudantes merecem e precisam.  

Foi quando nasceu o projeto “Gestando sonhos, alcançando metas: a gestão humanizada em busca de resultados”, que partiu da necessidade de alcançar as metas sem perder a essência do humano.  

Nossa escola tem como princípio a gestão democrática humanizada e, desde o início do projeto, buscamos definir os objetivos e ações junto com toda a equipe. Assim, a participação de todas as educadoras e educadores ocorreu de forma espontânea.

 

Nosso projeto buscava elevar os índices de aprendizagem dos nossos estudantes. Mas como? Apostamos no diálogo e no trabalho colaborativo entre a gestão escolar, docentes e a comunidade. Desta forma, nos reunimos no primeiro planejamento do ano de 2017 e elencamos os seguintes objetivos:  

1) Elevar os índices de aprendizagem na avaliação externa Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo (PAEBES). 

2) Envolver os professores na busca de resultados quantitativos.  

3) Incentivar atitudes responsivas dos professores.  

4) Empoderar os alunos para que se sintam capazes de sonhar e de aprender;  

5) Despertar as perspectivas em relação ao futuro; 

6) Buscar parcerias que colaborem com a comunidade escolar;  

7) Proporcionar atividades básicas de Língua portuguesa e de Matemática para eliminar dificuldades antigas;  

8) Envolver as famílias na vida escolar dos seus filhos. 

A partir dos objetivos, construímos e planejamos diversas ações para colocar as metas em prática. O primeiro passo foi em relação aos aprendizados nas disciplinas. 

Elencamos junto com os professores os conteúdos que seriam reforçados com os estudantes e optamos por aplicar provas diagnósticas em cada turma para nortear nossas decisões. 

Definimos os conteúdos que seriam abordados no reforço durante as aulas, com base em nossProjeto Político Pedagógico. Fizemos um recorte e focamos em matemática e língua portuguesa. Entendemos que muitos alunos carregam dificuldades ano após ano e resolvemos recapitular os conteúdos básicos para que todas e todos tivessem acesso às aprendizagens necessárias para adquirir os conhecimentos de cada série.  

Diálogo com familiares e trabalho colaborativo

Nesse processo, envolvemos a família em momentos individuais e coletivos. Nos momentos individuais chamamos aquelas cujos filhos eram prioridades em nossa análise. Nesses casos, a proposta era trazer a família como parceira e dar alguns encaminhamentos. Percebemos que elas estavam cansadas de serem “responsabilizadas” pelas ações dos filhos e que muitas vezes “não sabiam mais o que fazer”. Nos encontros coletivos, chamamos os familiares para plantões de atendimentos, reuniões, palestras, festividades e apresentações culturais. Nosso interesse era que valorizassem as produções dos estudantes.  

Nosso projeto envolveu toda a escola na ampliação da perspectiva de vida e na melhoria dos índices de aprendizagem. Oestudantes público-alvo da educação especial também participaram do projeto, assim como a professora de Atendimento Educacional Especializado (AEE). Elaboramos uma proposta pedagógica para que todos pudessem participar a partir da valorização de suas potencialidades 

Para fortalecer as ações de ensino, realizamos reuniões semanais com as pedagogas e coordenadoras, além de acompanhamento dos projetos dos professores com foco de elevar os resultados de aprendizagem. 

Leia outros relatos vencedores do Prêmio Educador Nota 10 2019:
Projeto de inglês utiliza Beatles para discutir igualdade racial
+ Projeto envolve famílias de estudantes e ensina matemática com relevância social para a comunidade

Também investimos recursos financeiros para a compra de equipamentos de tecnologia para possibilitar maior qualidade ao ensinocompramos caixas de som, impressoras, projetor multimídia, 25 tablets e quatro computadores. 

Fortalecendo parcerias e atividades culturais

Além dessas ações específicas, investimos tempo em atividades de promoção da humanização da comunidadedo aumento de perspectiva de futuro, da valorização da vida e da promoção de uma cultura de paz. 

Para isso, estimulamos atividades culturais e criamos o “Momento papo reto, uma conversa mensal para ouvir as demandas dos estudantes. Instituímos também o projeto “Hora Cultural”, que promove apresentações culturais das turmas, e fortalecemos o grêmio estudantil. 

Também buscamos parcerias externas para colaborar com a comunidade estreitamos o contato com a unidade de saúde, com o presidente da comunidade e com os projetos sociais do bairro.   

Ao longo do ano de 2017, nos reunimos com lideranças da comunidade e fortalecemos o vínculo com as gestoras da creche municipal e da escola de séries iniciais. 

Impacto positivo na aprendizagem dos estudantes

Durante todo o processo, nossa equipe esteve muito engajada reconheceu todo o avanço pedagógico. Os professores se sentiram importantes na construção dessa nova escola. Quando cheguei ao Jones, em abril de 2016, todos queriam sair e a maioria acreditava que esses resultados nunca seriam alcançados. 

Os estudantes estão mais motivados e se colocam dispostos a aprender. Nosso projeto buscou garantir o direito de aprendizagem para cada aluno. Sentimos que eles se tornaram participativos e protagonistas de sua própria história. 

Observamos também que reduzimos significativamente as ocorrências registradas por indisciplina e praticamente zeramos os registros por ato infracional (principalmente registros de agressões físicas). Além disso, houve redução da evasão escolar e melhoramos os resultados nas diversas áreas do conhecimento.  

O impacto na aprendizagem foi muito expressivo e atingimos os objetivos previstos no projeto.  Nossos resultados no Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo (PAEBES) foram surpreendentes. Abaixo apresento um pequeno resumo, referente ao 9ª ano do ensino fundamental.  

Em Língua portuguesa aumentamos nossa nota em quase 50 pontos entre 2016 e 2018. No primeiro ano, tínhamos 45,2% dos estudantes abaixo do nível básico de aprendizado. Esse número caiu para 3,4% em 2018. Em 2016, somente 9,7% dos estudantes eram proficientes e 0% apresentava nível avançado de conhecimento. Após dois anos de gestão, 31% eram proficientes na língua e 3,4% possuíam nível avançado.  

Gráfico de barras verticais no plano cartesiano contendo a porcentagem de estudantes da escola (no eixo y) em relação ao nível de aprendizagem (no eixo x). O título do gráfico é "Comparativo de índices de aprendizagem em Língua Portuguesa (Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo - PAEBES)". Os dados do gráfico estão explicados no texto abaixo. Fim da descrição.

Em matemática, aumentamos nossa nota em 44,3 pontos. Em 2016, 67,7% dos alunos estava abaixo do nível básico e reduzimos esse número para 13,8% em 2018. Além disso, o nível de proficiência subiu de 6,5%, em 2016, para 13,8% em 2018.  

Gráfico de barras verticais no plano cartesiano contendo a porcentagem de estudantes da escola (no eixo y) em relação ao nível de aprendizagem (no eixo x). O título do gráfico é "Comparativo de índices de aprendizagem em Matemática (Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo - PAEBES)". Os dados do gráfico estão explicados no texto abaixo. Fim da descrição.  

Apesar do projeto ter focado em língua portuguesa e matemática, crescemos também em geografia e história. Na disciplina de história (avaliada em anos pares), 26,7% dos alunos tinham aprendizado abaixo do básico em 2016. Após dois anos de projeto, nenhum aluno a’’presentava tal nível. Já em relação à proficiência em relação ao conteúdo, os números cresceram de 10% para 39,3%. 

Por fim, em Geografia (também só avaliada em anos pares) tínhamos 23,3% dos alunos abaixo do nível básico de aprendizado em 2016 e reduzimos esse número para 3,6% em 2018. Com relação à proficiência em relação aos conteúdos, crescemos de 6,7% para 32,1%. 

Com tais resultados, entendemos que o projeto contribuiu muito com o desenvolvimento das competências e habilidades previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), visto que os descritores do PAEBES estão em consonância com a base nacional, e que podemos comprovar por meio dos resultados o impacto na aprendizagem.  

Acreditamos na educação como fator de transformação social e trabalhamos para que nossas e nossos estudantes sejam cidadãos críticos, reflexivos, participativos e que contribuam para a construção e consolidação de uma sociedade mais democrática, justa e inclusiva, para que convivam e respeitem as diferenças.  


Juliana Rohsner foi uma das 10 vencedoras do Prêmio Educador Nota 10 de 2019 com o projeto “Gestando sonhos, alcançando metas: a gestão humanizada em busca de resultados”. 

Deixe um comentário