Educadoras da escola Everaldo de Souza Martins de Santarém, no Pará, relatam criação de material pedagógico acessível e participação de estudantes
Nós, educadoras da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Dr. Everaldo de Sousa Martins, na cidade de Santarém (PA), desenvolvemos o material pedagógico acessível “Muiraquitã” a partir de abril de 2021.
A escola possui um histórico de trabalho colaborativo da educadora do Atendimento Educacional Especializado (AEE) com professoras e professores de sala comum de diferentes disciplinas, facilitando a interdisciplinaridade e promovendo grande envolvimento de todo o quadro de profissionais da unidade escolar.
O projeto, chamado “Aprendendo com os encantos do Muiraquitã” e aplicado nas turmas de 5º ano do ensino fundamental dos turnos matutino e vespertino, revela-se de grande importância para a formação continuada dos profissionais que atuam com estudantes com e sem deficiência. Em virtude de a prática da docência ser imprescindível, o professor da sala comum deve sempre buscar fazer o diferencial em suas aulas.
Participar da formação Materiais pedagógicos acessíveis nos fez refletir que o educador tem como desafio aplicar as teorias e desenvolver estratégias eficazes para a aprendizagem de estudantes público-alvo da educação especial, bem como de alunas e alunos sem deficiência.
O curso veio contribuir com a prática pedagógica em um ano letivo atípico, por conta da pandemia da covid-19, proporcionando a criação de materiais inovadores, encontros de reflexão e aprendizagens coletivas.
Os resultados, percebidos em cada momento de execução e expressão dos alunos, evidenciam que o material permite aos estudantes a participação ativa, a importância do uso de tecnologias, da diversidade e da valorização da cultura local.
Estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) tiveram plena participação nas aulas e foram levantadas reflexões sobre as habilidades de cada aluno.
Começando as atividades
Nossa primeira atividade consistiu em mapear os saberes na inserção de projetos e experiências já realizadas na escola. Foi relatado, então, o Projeto Família e Escola: Tecendo Redes de Inclusão, idealizado pela professora Maiara Oliveira e realizado com alunos com deficiência, suas mães, pais ou responsáveis, e a parceria com professores do AEE das escolas da área da Nova República, bairro periférico da região.
Seguindo nossa trajetória na escola, identificamos na turma o desafio de atuar com três estudantes diagnosticados com TEA, para a socialização e o aprendizado. Essas crianças estavam em processo de alfabetização. Uma das alunas era bastante insegura, se sentia nervosa e tinha baixa autoestima.
Com o ensino acontecendo de forma remota, o acompanhamento foi dificultado, mas as barreiras pedagógicas foram identificadas nas aulas e o trabalho ocorreu de forma colaborativa entre gestão, professor da sala comum e professor do AEE.
Por essa razão, surge o material pedagógico acessível, com objetivo de desenvolver as habilidades necessárias para a aquisição de leitura, escrita e cálculos.
Concepção e Construção do material
Ao longo da formação e dos estudos do projeto, surgiram várias ideias de materiais, como jogo da memória, trilha e uma possível roleta regional. Entretanto, a orientação dos formadores foi a chave certa para afunilar o material.
Diante da complexa realidade de confecção do material em isolamento social, o grupo decidiu pela construção de um jogo pedagógico de perguntas e respostas que valorize a cultura de Santarém e Oeste do Pará, tendo como registro histórico o Muiraquitã e fazendo uso da tecnologia de áudio e uma régua de luz colorida.
Segundo Fonseca (1996, p.198) “Em nossos dias, o símbolo OFICIAL de Santarém é, além do hino e bandeira, o seu brasão (escudo), e o POPULAR é a figura de um muiraquitã de forma batraquiana, muito encontradiça nos monumentos de nossas praças”. O autor afirma que “os muiraquitãs são as famosas pedras verdes, moldadas (ou entalhadas?) a que a crendice popular atribui propriedades miraculosas”.
Todo o material foi construído de forma colaborativa, com participação da equipe escolar e também de moradores da região. Um artista plástico local, Klinger Braga, foi convidado para produzir o protótipo do Muiraquitã. Para dar as cores necessárias, convidamos o pintor Emerson Mafra.
Na gravação dos áudios, participou o grupo idealizador e contamos também com a professora de AEE Luiza Floriano. Um amigo da comunidade escolar, Josicley Reis, auxiliou na parte tecnológica e de informática, e Delaine Rodrigues e o auxiliar Cristiano Ribeiro também apoiaram a construção do projeto.
Partimos da ideia de trabalhar conteúdos de história, geografia, ciências, arte, matemática e temas transversais para a formulação das perguntas e desafios. Por meio de uma régua digital e sonora, é realizado um sorteio aleatório das seguintes faixas: Conhecendo nossa Cultura; Conectados com a Natureza; Eu e minha Cidade; Passeando pelo Município; Passa a Vez; e Sabores Regionais. Cada tema possui valores distintos para a somatória da pontuação, pois a equipe que tiver maior placar com as tarefas vence a partida.
O material foi pensado para a realização de forma presencial e foi muito produtivo, pois, devido à diminuição de casos de covid-19 na cidade, ocorreu o retorno gradual dos estudantes à escola.
Seguimos também a dinâmica de cada aluna e aluno construir com massa de biscuit o seu amuleto da sorte: o Muiraquitã em miniatura. Desse modo, valorizamos a participação dos educandos e trabalhamos autonomia, dando condições para que todos construam seu conhecimento sobre a cultura local.
+ Saiba como Muiraquitã se articula com a BNCC
+ Aprenda a construir o Muiraquitã
O grande dia da prática: desafios e possibilidades
Então, chegou o grande dia de pôr em prática toda a jornada percorrida. Entre os dias 10 e 16 de agosto de 2021, ocorreu a aplicação do material pedagógico acessível. A princípio, percebemos que as turmas se mostravam tímidas e curiosas quando visualizaram um gigante Muiraquitã.
Foi perguntado aos alunos: “vocês já viram esse personagem em algum lugar da cidade?”. Um aluno soltou: “sim, na orla da cidade!”. Esses foram momentos para quebrar a timidez que todos sentiam no momento.
No primeiro dia, foi apresentado o projeto explicando toda sua estrutura, comentando sobre a lenda do Muiraquitã e repassando as perguntas para o dia seguinte, que seria remoto, com a tarefa de pesquisar as respostas com os familiares em casa.
Para a aplicação do jogo, a turma foi dividida em duas equipes e um estudante foi selecionado para marcar e conferir a pontuação das equipes.
Para iniciar o jogo, um aluno competidor de cada equipe pega um Muiraquitã de argila com a numeração de primeiro e segundo para saber qual equipe começa jogando. O jogo começa e, ao apertar o botão, luzes são acionadas e a pergunta a ser respondida é reproduzida em áudio. Logo todas e todos entram na brincadeira.
Em seguida, após apresentar a equipe vencedora, todos os alunos se dirigem a uma mesa para a construção de seu Muiraquitã em miniatura, lembrança do projeto.
Nessa primeira experiência, alguns estudantes preferiram não participar, mas acreditamos que a socialização e a observação da dinâmica fizeram toda a diferença.
As estratégias mostraram-se amplamente eficientes e a cada aula era uma surpresa: alunos motivados, com muito aprendizado, entusiasmo, conquista e confiança.
Ao final de cada turno, o jogo também foi apresentado aos professores da escola. Todos ficaram animados com a proposta de material pedagógico acessível e também participaram do jogo. Seus relatos foram uma avaliação positiva para nosso trabalho.
Considerações Finais
O sucesso dessa iniciativa é atribuído primeiramente aos próprios estudantes, por serem protagonistas das atividades.
Paulatinamente, os resultados foram acontecendo quando a equipe idealizadora abraçou o projeto “Aprendendo com os encantos do Muiraquitã”. O contato e as discussões com os outros municípios participantes da formação também foram significativos, pois ouvir cada realidade contribuiu para o percurso formativo.
Todo o processo de desenvolvimento do projeto foi de suma importância para desenvolver o senso crítico de estudantes e da comunidade escolar, e fazer uso de tecnologias foi surpreendente.
O material possibilita o acesso ao conteúdo de forma dinâmica e lúdica, e seu uso pode ser adaptado para diferentes níveis de escolaridade. Nesse material, o áudio é uma ferramenta tecnológica relevante, que nos motivou muito. O material concreto também é apropriado ao trabalho tátil, e tudo isso soma para uma aprendizagem de qualidade do currículo.
A avaliação da aprendizagem nessa proposta teve como foco principal interagir com os estudantes, partilhar com eles a análise de suas produções e, com os erros, incentivá-los para o reconhecimento dos benefícios de sempre buscar melhorar a aprendizagem.
No término do processo de construção do material, as educadoras da Escola Dr. Everaldo de Sousa Martins e da Nossa Senhora de Fátima, também participante da formação Materiais Pedagógicos Acessíveis, compartilharam suas experiências de criação e utilização com todas as professoras do AEE de Santarém, fortalecendo a perspectiva inclusiva de aprendizado de todos os estudantes na sala comum com o uso de materiais pedagógicos acessíveis.
Conheça outros materiais pedagógicos acessíveis:
+ Material promove aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais
+ Com uso de tecnologia, educadoras criam jogo para aula de ciências
Este relato de experiência é fruto da participação das autoras na edição 2021 do Materiais pedagógicos acessíveis – formação em serviço para educadores envolvidos no processo de escolarização de estudantes público-alvo da educação especial em escolas comuns.
A edição de 2021 do projeto foi realizada pelo Instituto Rodrigo Mendes e o MudaLab, com parceria do Credit Suisse Hedging Griffo e apoio da AT&T, Abadhs, Fundação Grupo Volkswagen e Itaú Social, com objetivo de contribuir na construção de materiais pedagógicos acessíveis que auxiliem o processo de ensino-aprendizagem de estudantes com e sem deficiência.