Como as famílias podem atuar a favor de uma educação de qualidade

O cenário ideal de uma educação para todos, que respeite as singularidades, implica na troca de conhecimento e na boa relação entre escola e família

Envolver as famílias no planejamento e desenvolvimento das atividades escolares ajuda a construir escolas mais inclusivas para todos.

Com essa frase, se inicia o trecho sobre a família como elemento fundamental para transformar a prática, na seção dedicada aos conceitos de educação inclusiva do DIVERSA.

A seção aponta, ainda, que o cenário ideal é que as famílias participem do planejamento e do desenvolvimento das atividades escolares, por meio de um trabalho colaborativo. Dessa forma, é possibilitada uma troca de saberes sobre cada estudante para entender suas singularidades e oferecer oportunidades de verdadeira aprendizagem.

Apesar de ser descrito como parte fundamental da inclusão escolar, o diálogo entre as escolas e as famílias é benéfico para todos os participantes da comunidade escolar, não apenas para estudantes público-alvo da educação especial, uma vez que a inclusão diz respeito à plena participação de todas e todos, respeitando a diversidade presente em sala de aula e nos demais ambientes escolares.

Em 2014, Conrado Hübner Mendes, professor-doutor de direito constitucional, já falava sobre a questão em um artigo publicado no portal:

“Cada caso traz especificidades a serem percebidas, inspira novas práticas a serem testadas e replicadas, desperta resistências a serem diluídas construtivamente. Tendo a família como parceira, a instituição escolar realiza melhor aquelas especificidades e a inclusão pode funcionar de maneira mais efetiva.”

Mais recentemente, Eugênio Cunha, doutor em educação, psicopedagogo e mestre em tecnologia da educação, destacou que deve ser feita uma rede entre escola, familiares e profissionais que atendem os estudantes, uma vez que “a aprendizagem transcende o campo escolar, porque os mesmos mecanismos que estão presentes quando o sujeito aprende em sala de aula, estão presentes no cotidiano”.

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Protagonismo familiar nas decisões escolares

Nessa perspectiva, Sílvia Ester Orrú, professora-doutora em educação e coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Aprendizagem e Inclusão (LEPAI), afirma que “tanto a família como as pessoas que atuam como tutelares de uma criança, adolescente ou jovem menor de idade, devem ser convidadas e incentivadas pelas instituições escolares a participarem na elaboração de propostas escolares de responsabilidade social coletiva”.

Ela explica ainda que as propostas escolares não devem se resumir a descrições do processo de ensino dos conteúdos baseados na repetição: “A importância da participação das famílias na elaboração de propostas escolares não se limita apenas às famílias pensarem acerca do processo de ensino de seus próprios filhos, mas também de compreenderem que a escola é o lugar de toda diversidade de estudantes, com realidades socioeconômicas distintas, com múltiplas possibilidades e impossibilidades de acesso à educação”.

Adriana Toledo, que trabalha no setor de Atendimento Educacional Especializado (AEE) da Secretaria Municipal de Educação de Suzano, revela que a prioridade da secretaria é ter uma parceria de confiança e respeito com as famílias, realizando acolhimento e escuta ativa para haver uma troca: “Não é só a escola que tem a nos ensinar ou direcionar, a família tem muito a nos contar sobre o desenvolvimento das suas crianças”.

A educadora afirma que, partindo da realidade de cada família, uma aproximação positiva com a criança é possível, para se conectar com ela, conhecer suas preferências, hábitos e inseguranças e, assim, transformar as vivências em novos aprendizados.

Menino e menina, uniformizados e carregando mochila de rodinhas, aparecem de costas, andando em passarela com plantas e grama ao redor. Fim da descrição.
Foto: Carol Rivello. Fonte: arquivo pessoal.

Contudo, essa parceria não é tão comum e, muitas vezes, a presença dos familiares no ambiente escolar se resume aos encontros presenciais. Carol Rivello conta que é uma exceção sua relação próxima com a escola dos filhos, Alice e Antonio, e que esse diálogo se deve ao fato de ela mesma ter estudado na unidade quando pequena e por sua mãe ter trabalhado no local.

Vivi Paiva, educadora e criadora do perfil @inclusivamente no Instagram, também tem dois filhos, João Pedro e Maria Clara, e promoveu, por mais de sete anos, a formação e a capacitação de profissionais de educação que se diziam “não preparados” para ensinar a filha, que tem síndrome de down.

De acordo com Vivi, há uma certa resistência na presença das famílias por parte da escola: “Não enxergam que a escola é também a família, a qual a criança permanece durante boa parte da sua vida. A parceria entre família, escola e terapeutas é fundamental para o desenvolvimento de todas as crianças”. Atualmente, na escola da filha, o diálogo e a abertura que possui faz com que eles busquem juntos metodologias para que os estudantes sejam ativos no processo de ensino-aprendizagem.

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A relação entre escola e família no pós-pandemia

Durante a pandemia da covid-19, estudantes de todo o mundo precisaram contar com o apoio de seus familiares e responsáveis para que a educação não parasse com o fechamento das escolas. Essa parceria se mostrou relevante no ensino remoto. Entretanto, após o retorno das aulas presenciais, a relação escola-família não pode ser deixada de lado, principalmente na busca por uma educação para todas e todos.

Embora Sílvia Ester discorde que houve uma aproximação real das escolas com as famílias durante a pandemia, uma vez que os aparelhos tecnológicos permitem a comunicação, mas não o contato natural mais profundo do diálogo humano, ela afirma que a escuta e o diálogo devem continuar sendo considerados no retorno presencial para retomar um ambiente de aprendizados e de relação com os pares: “Ouvir, cultivar a empatia e a reciprocidade de atenção são ações importantes para manter os seres humanos próximos uns dos outros.”

A professora de AEE Adriana, declara que, assim como algumas famílias precisam de apoio diante as dificuldades apresentadas pelas suas crianças, os docentes também precisam com os estudantes, mas é exatamente a “riqueza de oportunidades” da casa e da escola que proporciona infinitas possibilidades de aprendizado:

“O ensinar não é e não deve ser um trabalho isolado, pois quando essa parceria acontece todos só tem a ganhar (criança, família e docente). A criança no desenvolvimento, a família sentindo-se mais confiante na evolução de sua criança e os docentes tendo base de onde partir e direcionar o ensino para o seu aluno.”

Carol Rivello reforça que não há métodos ou receitas prontas para que a relação entre todas as escolas e famílias dê certo, mas que é possível que os pais mantenham proximidade com a escola ajudando e participando de eventos escolares – como reuniões de volta às aulas, celebrações, apresentações ou outras oportunidades ou até mesmo se envolvendo com a educação dos filhos em casa.

“Durante os vários anos que já vivi como mãe de aluna com deficiência, percebi que as melhores parcerias nasceram onde os profissionais envolvidos respeitavam e celebravam nossas sugestões e relatos, onde havia um comprometimento real com o bem estar e evolução do estudante”, relata Carol.

Em espaço externo, menina e menino fantasiados e com máscara no rosto fazem pose para a foto. Cada um está com uma mochila de rodinhas ao seu lado. Fim da descrição.
Foto: Carol Rivello. Fonte: arquivo pessoal.

Como benefício dessa relação, a mãe de Antonio e Alice aponta a conquista da verdadeira educação de qualidade: “Quando professores e famílias se unem para apoiar o desempenho dos alunos, estes obtêm notas mais altas, ficam mais motivados, frequentam a escola com mais regularidade e por mais tempo, com menores taxas de evasão. O envolvimento da comunidade e das famílias no ensino é visto com frequência como elemento crucial para a construção de escolas de qualidade”.

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De que forma a família pode ser mais atuante na escola?

Vivi Paiva define a criança como “um universo novo a ser descoberto”, portanto, a família consegue dar informações importantes para que a escola trace objetivos embasados nas habilidades extracurriculares de cada estudante. “Não é escola em um lado e família do outro. São todos juntos, traçando ideias e estratégias que funcionem para aquela criança.”

Defendendo o protagonismo das famílias nas escolas, Sílvia Ester alega que essa ainda é uma oportunidade de compartilhamento de vivência e de compreensão sobre barreiras e dificuldades de aprendizagem, e complementa: “As pessoas são diferentes e por isso têm inteligências, capacidades, potenciais, dificuldades, demandas diferentes. Logo, é necessário compreender que nunca dará certo um único método de ensino para todos, uma mesma forma de avaliação rígida e inflexível, uma mesma maneira de tratar a todos”.

Para Carol Rivello, como a atual abordagem de ensino não considera as demandas individuais de cada aluna e aluno, as salas de aula, muitas vezes, não refletem uma realidade onde as sociedades são plurais. Dessa forma, encontrando dentro de seu potencial e disponibilidade a melhor forma de desempenhar esse papel, a participação das famílias apoia a personalização e a humanização das práticas adotadas.

Em espaço externo, mãe, pai e filhos, um menino e uma menina, sorriem para foto. Fim da descrição.
Foto: Vivi Paiva. Fonte: arquivo pessoal.

Além disso, ela sugere que mães, pais e responsáveis tenham conhecimento básico das leis distritais, estaduais e federais que regem a educação inclusiva: “Muitas vezes além de apoiar, os familiares precisam também estar preparados para solicitar o que seus filhos precisam e têm direito”.

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Quando falamos sobre como a família pode colaborar com a educação inclusiva, é importante ressaltar que a escola desempenha um papel fundamental em oportunizar que isso aconteça. Assim como o governo deve fornecer recursos como verba, tempo e desenvolvimento profissional para permitir que as escolas colaborem com as famílias.

De acordo com Carol, a capacitação e o empoderamento das famílias deve ser um objetivo de todos os programas educacionais, pois “quando a escola abandona o diálogo unilateral, que mantém os pais como espectadores passivos, e os encara respeitosamente como parceiros, o envolvimento da família torna-se cada vez mais próximo e próspero”.

Por fim, Sílvia Ester declara que é preciso o envolvimento das famílias de maneira empática, inclusiva e democrática, para que a comunidade escolar pense em conjunto os diferentes e possíveis modos de acolhimento e educação para todos os estudantes, “cultivando a amorosidade para que a educação esteja ao alcance dos que têm apoio familiar, bem como para aqueles menores que não têm esse privilégio”.

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