Como fazer da área externa um local de aprendizado e inclusão

Uma das vencedoras do Prêmio Educador Nota 10, a professora Nadine, de Blumenau (SC), criou estratégias para crianças explorarem o contato com a natureza e fazerem do espaço um campo de pesquisas  

Quatro professoras e dez crianças, entre meninas e meninos, estão em uma área externa da escola com muitas árvores ao fundo. Alguns estão com os braços abertos ou levantados. O chão está molhado e sete crianças usam capa de chuva. Fim da descrição.
Crianças brincam com poças formadas após a chuva. Crédito: Acervo pessoal/Nadine de Andrade

Ao assumir, no ano passado, o cargo de professora de apoio pedagógico no Centro de Educação Infantil Nazaré, em Blumenau (SC), Nadine de Andrade percebeu que a menina Anabel, que tem 2 anos e é uma pessoa com Síndrome de Down, interagia pouco com seus colegas de turma. “Ela gostava de ficar escondida embaixo da mesa e não brincava muito com as outras crianças.” Pensando em promover situações que ampliassem a convivência entre a turma, a docente teve a ideia de construir uma barraca na sala. “Isso já trouxe um ganho na interação. As crianças ficavam com ela brincando e levavam livros e bonecas lá para dentro”, comemora Nadine.   

A escola conta com uma área externa grande, com trilha, barranco, galinheiro e árvores frutíferas como amoreira e bananeira. Foi na trilha, por sugestão de outra educadora, que Nadine buscou gravetos para incrementar a barraca. “No local senti o cheiro diferente, [escutei] o canto dos pássaros e me provoquei sobre o motivo pelo qual nós estávamos levando elementos da natureza para o lado de dentro da sala, sendo que poderíamos trazer as crianças para fora e permitir que elas vivenciassem esse espaço que também é delas”, relembra a professora.

A área, porém, não era utilizada desde a época da pandemia e precisou ser reorganizada, em um processo que envolveu gestores e professores. “Fizemos isso com as crianças e para elas. Antes, o local estava abandonado, com trechos um pouco obstruídos pelos galhos no chão, por exemplo”, conta Nadine.     

6 crianças estão escalando um barranco. Fim da descrição
Crianças exploram o barranco na área externa da escola. Crédito: Acervo pessoal/Nadine de Andrade

Com o ambiente renovado, as professoras passaram a criar estratégias para promover atividades de exploração e pesquisas, compondo o projeto Do barro ao papel: a natureza como lugar de pertencimento e desenvolvimento, um dos três vencedores na categoria sustentabilidade da 25º edição do Prêmio Educador Nota 10, realizado pelo Instituto Somos e pela Fundação Victor Civita e que conta com o apoio do Instituto Rodrigo Mendes. As crianças brincaram de escalar e escorregar no barranco, colheram amoras, descobriram a sensação de passar a pena de uma galinha no rosto ou de mexer com o barro e perceberam qual a textura das árvores ou o barulho provocado ao pisar no fruto da caneleira. Também acompanharam contações de história embaixo das árvores. 

Muitas das atividades foram criadas a partir das experiências e vontades das crianças. Nadine conta, por exemplo, o caso de um menino que ficava isolado juntando folhas e galhos, enquanto os outros brincavam no barranco. “Cheguei perto dele e perguntei o que estava fazendo. Ele disse que era uma fogueira. Daí surgiu a ideia de, em outro momento, fazer uma fogueira com todas as crianças”, relata a professora. Depois, o grupo utilizou as cinzas para fazer tinta e, com ela, criar obras de arte. “O fundamental é ouvir o que as crianças têm para nos dizer. Quando o professor consegue fazer a mediação, sem impor nada, a criança adquire de fato um conhecimento”, afirma a educadora.

A professora Nadine de Andrade está sentada na grama enquanto lê um livro. Ela é uma mulher branca, com cabelos longos e veste uma blusa branca com calça jeans azul. Ao seu lado há um livro com capa verde e branca e o título na cor vermelha “Os figos são para quem passa”. Ao fundo, há uma parede com textura de folhas verdes e no chão algumas flores coloridas. Fim da descrição.
Professora Nadine escolhe livros para contação de histórias. Crédito: Acervo Pessoal/Nadine de Andrade.

Aprendizado para e com todos

Nadine explica que a proposta foi pensada, desde o início, para que toda a turma aprendesse, apesar de reconhecer que a provocação para o desenvolvimento dele partiu da situação de Anabel, que precisava avançar na socialização. Além de Anabel, o grupo incluía outras duas crianças com deficiência: João, com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e Evelin, com Síndrome de Down. “Muitas vezes há o costume de isolar a criança com deficiência que está na escola regular, deixando-a apenas sob os cuidados do professor que a está apoiando. O projeto da professora Nadine mostra que outro caminho é possível”, afirma Maria Paula Zurawski, especialista em educação infantil, professora no Instituto Vera Cruz e selecionadora do Prêmio Educador Nota 10.  

Outro ponto de destaque da iniciativa foi colocar o contato com a natureza no cotidiano das crianças, o que as ajuda a compreender a importância de respeitar a fauna e a flora. E isso vale para todas as turmas da escola, uma vez que a exploração da área externa se tornou, intencionalmente, parte do planejamento de todas as docentes. “Isso não acontece por acaso. É um trabalho muito bem feito pelas educadoras e que dialoga com as diretrizes da educação infantil”, diz Zurawski, lembrando que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que norteia a elaboração dos currículos de toda a educação básica, traz a necessidade de os professores promoverem esse tipo de vivência, mais explicitamente no campo de experiência Espaços, tempo, quantidades, relações e transformações. A Base também indica seis direitos de aprendizagem na educação infantil — brincar, conviver, participar, explorar, expressar e conhecer-se —, todos contemplados no projeto.    

Uma professora e 16 crianças estão na área externa da escola, sentadas no chão, formando um semicírculo ao redor de uma fogueira. Eles seguram palitos com marshmallow na ponta. Fim da descrição
Crianças brincam ao redor de fogueira. Depois, cinzas foram utilizadas para preparar tintas. Crédito: Acervo Pessoal/Nadine de Andrade

A questão da convivência, por exemplo, gerou aprendizado para todos. “As outras crianças sempre me viam auxiliando Anabel e, com o tempo, começaram a querer fazer isso também. Nós trabalhamos muito a questão do afeto. As crianças se ajudavam de acordo com as suas necessidades”, conta Nadine. Segundo ela, para Anabel, essas interações resultaram em ganho nas habilidades socioemocionais e evolução no desenvolvimento motor. “Quando começamos o ano letivo, ela não caminhava. Hoje ela já consegue fazer isso”, comemora a professora, pontuando que o trabalho foi realizado em conjunto com a terapeuta da menina. Durante os percursos na trilha, Nadine oferecia o corpo como apoio para Anabel, que aos poucos ia percorrendo os espaços. A educadora se mantinha atenta ao olhar da pequena, que também possuía autonomia para ir a lugares da trilha que seus amigos porventura ainda não tivessem explorado.  

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