O que vamos colher no futuro?

Proposta transdisciplinar oportuniza trabalho colaborativo para potencializar aprendizagem e desenvolvimento cognitivo

Sou professora de geografia da Escola Estadual Professor Jácomo Stávale, localizada no bairro Moinho Velho, zona norte da cidade de São Paulo (SP). A unidade conta com cerca de 1.500 estudantes, entre ensino médio e ensino fundamental II. 

Identifiquei durante as minhas aulas de geografia que a maneira como muitos dos estudantes entendiam a agricultura no Brasil envolvia noções equivocadas, como a ideia de um sistema agrário arcaico, pouco desenvolvido, ainda similar ao modelo existente nos séculos XIX e XX.  É compreensível que essa seja a percepção de adolescentes que vivem em regiões muito urbanizadas do nosso país, como é o caso da zona norte de São Paulo.

 

A educadora Mariana posa para foto com os cadernos de registro dos estudantes, que tem capas relacionadas à agricultura: uma plantação de milho, um espantalho e um trator. Fim da descrição.
Mariana com os cadernos de registro dos estudantes. Créditos: Roberto Setton

Para mudar essa percepção e proporcionar um aprendizado mais significativo aos estudantes, organizei um projeto com o objetivo de amadurecer o entendimento dos alunos e alunas sobre essa temática e, ao mesmo tempo, trabalhar autonomia, senso crítico e desenvolvimento cognitivo.  

O que vamos colher no futuro?

De forma colaborativa com outras professoras, organizamos o projeto transdisciplinar “Agricultura no Brasil: o que vamos colher no futuro?”, buscando garantir que os estudantes compreendessem as diferentes dimensões da agricultura no Brasil, reconhecendo as vantagens e desvantagens de cada modelo (como o agronegócio e a agricultura sustentável), bem como as consequências de sua aplicação. 

Participaram alunos de seis turmas de 9ª ano, cada uma com 35 estudantes, totalizando 210 participantesBuscando garantir maior engajamento e troca de ideias, organizamos as turmas em grupos colaborativos de acordo com as características de cada estudante. Um dos nossos objetivos era possibilitar aos alunos e às alunas protagonismo para se posicionar criticamente em relação à gestão pública do setor primário da economia. 

Transdisciplinaridade e questão-problema: agronegócio ou agricultura sustentável?

As aulas das disciplinas participantes (geografia, históriaciênciaslíngua portuguesa) foram organizadas a partir de uma mesma questão central: “Qual modelo agrário deveria receber mais incentivos do governo federal brasileiro nos próximos anos: o agronegócio ou a agricultura sustentável?”.  

Assim, consideramos o papel da agricultura desde a formação do país (em história); seu atual impacto para a economia, a sociedade e o meio ambiente (em geografia) e as diferentes técnicas envolvidas na produção agrária hoje, como as sementes modificadas (em ciências). Todo o estudo serviu de base para a produção de um artigo de opinião (em língua portuguesa), no qual o estudante pôde se posicionar sobre o tema desenvolvido ao longo do bimestre. 

Como o projeto foi aplicado?

Mas como isso se deu na prática em sala de aula? Ao longo da aplicação do projeto, os alunos realizaram diversas atividades que ajudaram a refletir sobre a questãoproblema. 

Inicialmente, apresentamos o projeto aos alunos com três propósitos: estabelecer uma primeira aproximação com o tema, verificar os conhecimentos prévios dos estudantes e organizar as demais atividades do bimestre.  

Feito isso, iniciamos a segunda etapa, aplicando atividades específicas para aprofundar aspectos da questãoproblema sob diferentes perspectivas. Dentre as atividades, analisamos folhas e sementes, realizamos a leitura de textos, mapas, gráficos e tabelas, além de discussões em grupos, pesquisa na internet e aulas expositivas. 

Os estudantes também construíram junto com seu grupo colaborativo um caderno de registros, no qual incluíram informações pertinentes para responder à questãoproblema. As capas dos cadernos foram customizadas nas aulas de artes, e ao final do projeto foram utilizados como instrumento avaliativo comum às disciplinas participantes.  

Em espaço arborizado, Mariana e seus estudantes posam para foto segurando seus cadernos de registros. Fim da descrição.

Conhecimento posto em prática

Além das atividades específicas desenvolvidas no âmbito das aulas, os alunos participaram de atividades transdisciplinares que incluíram visita técnica ao Museu da Imigração, realização de seminários em grupo e a produção do artigo de opinião.   

Os seminários foram apresentados em horários alternativos ao turno escolar, para que as quatro professoras envolvidas no projeto pudessem assistir e avaliar conjuntamente cada apresentação. As famílias foram convidadas a participar, acompanhando o trabalho dos alunos e aprendendo junto com as pesquisas desenvolvidas. 

Já o artigo de opinião foi desenvolvido nas aulas de língua portuguesa e os estudantes utilizaram os registros feitos em grupo para se posicionar e fundamentar seus argumentos. Finalizando, fizemos uma roda de conversa com os participantes para discutir os resultados do projeto. 

Também elaboramos um questionário virtual, no qual os alunos puderam opinar sobre cada etapa desenvolvida, ponderando em que medida as atividades foram relevantes para sua aprendizagem e formação. Por fim, convidamos os familiares dos estudantes para uma reunião, na qual os resultados do projeto foram apresentados. 

Em resumo, podemos dizer que o processo de ensino-aprendizagem se desdobrou em três frentes distintas nesse projeto: 

  1. A primeira envolveu trabalhar conhecimentos específicos com os grupos colaborativos de estudantes, sendo que cada aspecto foi aprofundado a partir de diferentes metodologias.  
  2. A segunda frente, também voltada aos grupos colaborativos, pautou-se em atividades pensadas em conjunto pelas professoras com o objetivo de mostrar pontos de confluência entre as diferentes disciplinas.  
  3. Já a terceira frente, diferentemente das anteriores, envolveu o processo interno e único de aprendizagem do indivíduo. Assim, cada estudante, a partir do que foi trabalhado, pôde refletir de forma autônoma, se posicionando sobre o tema com liberdade e conhecimento. 

O trabalho colaborativo como potencializador da aprendizagem

Ao longo do processo, os alunos foram organizados em grupos de trabalho colaborativo. O objetivo foi o de garantir conjuntos produtivos, nos quais os estudantes pudessem ajudar uns aos outros. Nos baseamos no conceito de Zona de Desenvolvimento Imediato de Vygotsky: os estudantes, quando realizam atividades de maneira colaborativa, potencializam a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo.  

Ao longo do processo os alunos foram avaliados em cada disciplina de maneira contínua, a partir de diferentes tipos de atividades. Parte do projeto foi desenvolvido on-line, com a ajuda de plataformas, ou nos poucos minutos entre aulas. Para as atividades avaliativas transdisciplinares, buscamos analisar os materiais conjuntamente, para que cada professora pudesse dar a sua contribuição.  

Leia mais relatos vencedores do Prêmio Educador Nota 10 de 2019:
+Projeto envolve famílias de estudantes e ensina matemática com relevância social para a comunidade
+Projeto revitaliza escola e aumenta índices de aprendizagem de estudantes 

Evidências das aprendizagens

A partir das atividades desenvolvidas ao longo do projeto, verificamos que os estudantes pouco a pouco foram se familiarizando mais com a temática, assimilando conceitos específicos e apresentando um vocabulário cada vez mais preciso ao tratar do tema.  

Eles puderam se expressar com liberdade, construindo argumentos com base nos conhecimentos que obtiveram nas várias disciplinas envolvidas, e analisaram um contexto complexo, lidando com aspectos econômico, social, cultural, histórico e tecnológico – que envolvem importantes competências previstas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). 

Na maioria dos artigos estava presente a articulação dos diferentes conteúdos trabalhados, o que nos indicou que o projeto foi bem-sucedido. Percebemos que a aprendizagem envolveu aspectos que estão além do conteúdo, como ética, autonomia, colaboração e curiosidade em aprender. Afinal, a partir da temática escolhida foi possível trabalhar os direitos humanos, o respeito ao meio ambiente e à vida em sociedade e as desigualdades sociais e econômicas no Brasil. 


Mariana Martins Lemes foi uma das 10 vencedoras do Prêmio Educador Nota 10 de 2019 com o projeto “Agricultura no Brasil: o que vamos colher no futuro?”. 

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