Projeto desenvolve conhecimentos textuais argumentativos e estimula senso de pertencimento comunitário em estudantes do ensino médio
Em 2019, eu era professora de Língua portuguesa do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) do município de Nova Cruz, que comemorava o centenário de emancipação política. Por conta disso, os educadores do campus decidiram trabalhar de forma conjunta para ampliar o conhecimento dos estudantes sobre o seu próprio território.
Ainda em 2018, realizei um questionário, utilizando as redes sociais, com as minhas futuras turmas do 3ª ano do ensino médio, para entender a percepção dos estudantes sobre a própria comunidade. A pergunta era simples: se você pudesse mensurar, em números, a relação afetiva que tem com o seu município, qual nota daria, onde 0 é nota a mínima e 10 máxima?
Meu objetivo era identificar, por meio do viés afetivo, a relação de pertencimento do estudante com a comunidade e assim criar hipóteses sobre esse vínculo.
Relação com a comunidade não era positiva
Cerca de 70% dos estudantes responderam à enquete, e confesso que não esperava resultados tão negativos: o número que simbolizava a relação com a comunidade para 43% dos estudantes foi de 5, e menos de 2% responderam com notas acima de 8.
Assim, identifiquei a primeira problemática da proposta, já que não seria possível desenvolver o protagonismo estudantil sem antes ressignificar o vínculo de pertencimento dos jovens com o local onde vivem.
Para legitimar uma nova e necessária representação simbólica dessa relação, propus um trabalho com um gênero textual capaz de revelar a voz de morador: o artigo de opinião. Assim nasceu o projeto Argument(ação): o empoderamento do protagonismo juvenil.
Despertando senso de pertencimento: ação e argumento
O projeto foi pensado como ação educacional destinada a reconstruir a identificação do jovem com o seu local de vivência, tornando-o fonte de iniciativa de investigação, discussão e atuação em torno de problemas sociais do município onde mora.
Participaram dessa proposta 115 estudantes do 3ª ano do ensino médio dos cursos integrados das áreas de administração, química e informática. Destes, dois estudantes possuíam altas habilidades/superdotação e uma aluna tinha deficiência visual.
Para ampliar os conteúdos aprendidos, desenvolvi a sequência didática tendo os seguintes objetivos específicos:
- Ampliar o conhecimento sobre o município em que vive;
- Desenvolver habilidades ligadas à leitura, à produção e aos recursos linguísticos de gêneros argumentativos para a promoção do protagonismo juvenil;
- Verificar a aplicabilidade das relações cotextuais e contextuais em produções textuais;
- Introduzir os estudos do gênero textual Artigo de Opinião e suas construções linguístico-discursivas relativamente estáveis;
- Avaliar a produção textual, evidenciando as inconsistências temáticas e/ou linguístico-discursivas para aplicação do processo de reescrita;
- Divulgar o conhecimento adquirido por meio de relatos em podcast.
Como dividi as aulas
A partir da definição dos objetivos de aprendizagem, passei para o desenvolvimento dos conteúdos trabalhados. Estabeleci três aspectos de desenvolvimento: multiletramento, produção textual escrita e análise linguística.
Todo o projeto esteve em sintonia com a ementa proposta pelo IFRN para o 3ª ano do curso integrado técnico dos cursos de administração, química e informática e teve como base o desenvolvimento do trabalho com gêneros textuais na perspectiva teórica do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD).
Partindo desses conceitos, apresentei aos estudantes a proposta. Cada um recebeu um cronograma do projeto, com os objetivos da proposta metodológica e avaliativa. Durante a exposição do projeto, solicitei que eles produzissem uma foto do município onde moram para revelar um problema social do local.
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Nas duas aulas seguintes, levei algumas reportagens que representavam denúncias de problemáticas sociais de várias partes do mundo. Pedi para que eles identificassem, oral e coletivamente, a temática do texto, bem como quais eram os posicionamentos deles sobre o problema e suas justificativas.
As turmas foram bem participativas, o que me auxiliou a identificar algumas dificuldades. Finalizei as aulas entregando a ficha de atividade que repetia a ação que fizemos com outras fotografias para avaliar individualmente como cada um estava em relação à turma.
Módulos de aprendizagem
Optei por dividir as atividades em sala em módulos de aprendizagem. Disponibilizei, via ambiente eletrônico da Instituição, o caderno de artigos de opinião produzido por estudantes do ensino médio nas Olimpíadas de Língua portuguesa 2016. O objetivo era estudar a organização do gênero textual a partir de cada início de módulo, analisando um texto-exemplo do caderno para fazer a leitura comentada.
Módulo 1 (três aulas) – Realizamos a leitura do texto Lixo ou benefício: Acorda, Marituba!, do estudante paraense Wilcles de Souza, com objetivo de utilizar as informações produzidas ao longo da aula dialogal para o processo de sistematização do conhecimento sobre as três ações discursivas focadas no módulo: fato, posicionamento e argumentação.
Módulo 2 (seis aulas) – Nesta unidade, realizamos a análise do texto “Um Grito de Socorro!”, da estudante Sandra Machado. O objetivo era distinguir posicionamento e argumentação e depois construir em conjunto com as turmas uma definição do que seria argumentar. Após essa construção, trouxe para a sala o conceito de argumentação de alguns teóricos e fizemos comparações entre nossas concepções e as definições acadêmicas. Por fim, fizemos uma atividade voltada para o reconhecimento e a produção de tipos argumentais.
Módulo 3 (três aulas) – lemos o texto “Laicidade? História ou desrespeito”, do estudante Jefferson de Oliveira. Para ampliar o repertório cultural sobre o município onde vivemos, realizamos pesquisas, utilizando a temática da foto produzida no início da sequência didática. Os estudantes também foram motivados a construir uma pergunta para ser utilizada em um jogo.
Módulo 4 (três aulas) – Realizamos uma atividade interativa em forma de jogo para a aplicação dos conhecimentos sobre o município e dos tipos argumentais. O jogo, intitulado argument(ação), foi construído com questionamentos produzidos pelos estudantes sobre os problemas denunciados na foto tirada em cada município. As perguntas também apresentavam possíveis alternativas ao problema e cabia aos demais estudantes argumentar com estratégias diversas se a sugestão era ou não viável para cada contexto. Depois dessa atividade, os alunos produziram um artigo de opinião sobre o tema abordado em sua foto.
Módulo 5 (três aulas) – Analisamos o texto “O caos na saúde pública”, do advogado potiguar Armando Negreiro, e o utilizamos para criar um modelo didático do gênero artigo de opinião. Posteriormente realizamos um processo de autoavaliação coletiva para identificar os principais problemas na produção da primeira versão do gênero.
Módulo 6 e 7 (três aulas) – Estudamos os operadores argumentativos nas orações coordenadas, e os estudantes foram motivados a reconstruir em sala de aula o artigo de opinião.
Módulo 8 – Planejamenos a divulgação do conhecimento produzido nos trabalhos por meio de relatos para a elaboração do podcast “Desxculpa aí”, evidenciando o protagonismo juvenil por meio da voz do morador.
Protagonismo e empoderamento
Todos os estudantes tiveram acesso ao conteúdo. Para a estudante com deficiência visual, foram criadas estratégias para a sua plena participação, como versões em braile das fichas teóricas e dos materiais utilizados para as atividades. Também utilizamos arquivos em formato “word” para a utilização do software de leitura.
Ao longo do trabalho, pude evidenciar que os estudantes tinham pouco conhecimento sobre determinados problemas sociais de suas comunidades e realizavam a produção de argumentação de senso comum em defesa de um posicionamento.
Com o trabalho final, observei um grande salto qualitativo no repertório enciclopédico sobre os recortes temáticos dos problemas sociais locais e sobre a construção de processos argumentais diversificados e com alto valor informacional.
Também foi possível observar a aproximação de identificação dos estudantes com o local onde vivem ao desenvolverem a voz social de moradores na descoberta de novos conhecimentos sobre suas cidades, fazendo-os atuar efetivamente como protagonistas juvenis de seus contextos.
O protagonismo estudantil também foi evidenciado pela elaboração do podcast. Os próprios estudantes sugeriram a criação do material, para proporcionar participação à aluna com deficiência visual, e trabalharam coletivamente para produzi-lo.
Patrícia Barreto é uma das 10 vencedoras do Prêmio Educador Nota 10 de 2019, ganhando o prêmio #Esseprojetoé10 por votação popular com o “Argument(ação): o empoderamento do protagonismo juvenil”