A Escola Municipal de Educação Básica (EMEB) Vicente de Carvalho, localizada no bairro Paulicéia em São Bernardo do Campo (SP), oferece educação infantil para 340 crianças de três a cinco anos. Dessas, oito recebem atendimento educacional especializado (AEE). Temos na unidade estudantes com deficiência intelectual, deficiência física, Síndrome de Down, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades/superdotação.
A proposta para a educação infantil em nosso município é o trabalho em ação colaborativa, que tem como objetivo envolver docentes, gestão escolar, equipe de orientação técnica, família e alunos na tomada de decisões. Desse modo, todos estabelecem objetivos comuns, o que favorece o surgimento de relações não hierarquizadas e baseadas em laços de confiança mútua e na corresponsabilidade pela condução das ações. Nessa perspectiva, o professor do AEE vai até a sala de aula e, junto com o docente regular e a coordenação pedagógica, elabora um Plano de Trabalho. O documento é revisto semestralmente.
Plano de trabalho inicial
No início de 2015, recebemos o Bruno. O garoto de cinco anos havia iniciado sua vida escolar aos 10 meses em uma creche da cidade, na qual era atendido em período integral. Ao chegar em nossa escola, ele apresentava diagnósticos de encefalopatia crônica não progressiva, transtorno do espectro autista (TEA), deficiência física e deficiência intelectual. O menino manteve o acompanhamento da equipe de orientação técnica (formada por psicólogos, fonoaudiólogos e fisioterapeutas) que o atendia na antiga unidade e passou a contar com o atendimento educacional especializado, realizado por mim, uma vez por semana.
Em sala de aula, junto com a professora regular e a auxiliar, passei a conhecê-lo. O garoto não falava, mas compreendia todas as comandas. Sentia muita dificuldade em cumprir regras e em estabelecer uma rotina e, para comunicar que era contrário a algo, se jogava no chão e chorava. Com base nessas observações, elaborei o seguinte Plano de Trabalho inicial:
• Objetivo com a família: sistematizar encontros com a família, no caso a mãe para apresentar a proposta, princípios e procedimentos que fundamentam e organizam o acompanhamento (AEE) em ação colaborativa; proceder esclarecimentos e atualizações sempre que solicitado ou necessário e refletir sobre a importância da organização da rotina em casa e constância e coerência na educação de seu filho.
• Objetivo com o aluno: que seja capaz de tolerar o tempo de esperar em momentos coletivos dentro e fora da sala; que consiga entender e acompanhar a rotina construída através de imagens; desenvolver tolerância frente a situações de conflito diante de mudança de rotina, momentos em que apresenta comportamentos de irritabilidade e agressividade e desenvolver maior autonomia em atividades da vida diária.
• Objetivo com o professor: levantar expectativas em relação ao acompanhamento; identificar as necessidades da prática pedagógica no que tange ao grupo considerando as particularidades e necessidades de Bruno; planejar os momentos de observação levantando previamente datas e pautas e realizar devolutivas promovendo a reflexão sobre os efeitos das sugestões apresentadas e que foram realizadas durante determinado período.
• Objetivos com a escola: colaborar com a emancipação da escola no atendimento à diversidade; articular a proposta do acompanhamento em ação colaborativa com o PPP da escola; promover a reflexão conjunta e o cumprimento dos encaminhamentos definidos para sustentação do trabalho proposto; colaborar nas discussões sobre atendimento à diversidade com toda equipe escolar, sempre que necessário e/ou solicitado e promover a articulação com os profissionais da equipe de orientação técnica, para aprofundar as discussões e definir conjuntamente encaminhamentos que pretendem ser mais assertivos.
Importância do trabalho coletivo
Com passar dos meses, percebi que o registro era superficial; sobressaia mais o contexto do que a criança em si. Bruno era muito capaz, inteligente, cheio de potencialidade e essas informações não estavam presentes no documento. Os objetivos estabelecidos não atendiam suas necessidades e estavam muito abertos. Se alguém tivesse interesse em ler o Plano de Trabalho sem minhas colocações orais, talvez não o entendesse.
Além disso, no segundo semestre, o garoto passou a contar com uma nova auxiliar. Com essa mudança, ele demorou um tempo para identificar e reconhecer uma referência maior em sala de aula e voltou a usar fraldas após termos conseguido fazê-lo usar o banheiro. Mais ou menos no mesmo período, fui selecionada pela equipe da secretaria de educação do município para participar de uma formação no Instituto Rodrigo Mendes (IRM) junto a professores de educação especial, sala regular e representantes de equipes de gestão. O objetivo era articular a teoria da educação inclusiva com as diretrizes das atuais políticas públicas e a realidade das escolas a partir da discussão de casos selecionados.
Durante essa formação, ficou evidente como deve ser o trabalho colaborativo na educação infantil, que só acontece em parceria. Era necessário construir, com todos os envolvidos, um novo Plano de Trabalho com foco nas singularidades do aluno, porém, considerando também o coletivo no qual ele estava inserido. Assim, tanto a docente regular quanto eu, professora do AEE, não nos sentiríamos desamparadas e contaríamos com intervenções constantes da coordenadora da escola.
Reformulação do documento
Esse movimento reflexivo de rever todas as etapas do registro, contando com a participação e a corresponsabilidade na atuação que cada profissional tem dentro da escola, possibilitou uma integração que favoreceu o desenvolvimento do aluno e sua efetiva participação no contexto escolar. Após reformularmos o Plano de Trabalho, os objetivos ficaram sendo:
• Objetivos com o aluno: socializar-se, com os amigos, professora e demais funcionários; participar de diferentes momentos nas atividades; tolerar o tempo de espera em momentos coletivos, como na construção de rotina, leitura, roda de conversa.
• Objetivos para o aluno: realizar diversos registros (fotos, vídeos, caderno de comunicação, diário de bordo, plano de trabalho, ficha R.A.E), ajudando assim a construção do portfólio; realizar quinzenalmente itinerância com o coordenador pedagógico e professor para o planejamento das ações colaborativas; orientar e acompanhar a auxiliar em educação; acompanhamento semanal da gestão escolar colaborando nas itinerâncias com a professora do AEE.
Mesmo sabendo o que é a ação colaborativa na educação infantil, não conseguia visualizá-la na prática, muito menos organizá-la em papel. Rever o caso junto ao grupo da escola e com os outros pares redirecionou meu caminhar. Necessitei rever, repensar, reorganizar e recomeçar. Agora, contudo, com mais segurança e objetividade.
Continuidade das ações
Em 2016, deixei a EMEB Vicente de Carvalho. A nova professora de AEE da unidade me procurou e trocamos informações sobre a continuidade do planejamento. Seu relato vem sendo positivo, apontando muitas conquistas e poucos retrocessos. Bruno voltou a usar o banheiro, necessitando apenas de acompanhamento. Ele acompanha a rotina por meio de imagens, sinaliza quando está com fome e participa das atividades propostas para a turma. Seu tempo de concentração aumentou e ele acompanha tranquilamente as rodas de história.
Todo esse trabalho é possível, porque não se finda na orientação semanal e/ou quinzenal do professor de AEE. Existe continuidade, sequência e objetivos traçados para e com o aluno. Todos puderam se apropriar desse trabalho e puderam pensar em uma dinâmica coletiva e, principalmente, inclusiva.
Projeto participante do DIVERSA presencial.