Escola se mobiliza para falar de preconceito a partir de conteúdos do currículo

Localizado em uma área central do município de Cianorte (PR), o Colégio Estadual Igléa Grollmann atende estudantes dos anos finais do ensino fundamental durante os períodos matutino e vespertino e do ensino médio nos períodos matutino e noturno. Cerca de mil crianças e adolescentes estão matriculados na unidade, que conta com uma equipe de 106 profissionais entre professores, membros da equipe gestora, profissionais de apoio, etc. Por se tratar de um ambiente diverso, procuramos estar sempre atentos a possíveis manifestações de bullying e preconceito. Desde 2012, atuo na escola como docente do atendimento educacional especializado (AEE).

No final de 2013 fomos informados que receberíamos dois alunos com deficiência para o próximo ano. Diante disso, realizamos várias reuniões para analisar o perfil das turmas nas quais iríamos inseri-los. Assim, em 2014, Maria Clara – que tem Síndrome de Down –, passou a frequentar uma classe do 9º ano, no período da manhã. Já Luan, que apresenta transtorno do espectro autista (TEA), foi matriculado em uma sala do 6º ano, no turno vespertino.

Inicialmente, nos preocupamos com um possível olhar preconceituoso que a comunidade escolar poderia lançar sobre essas pessoas. Decidimos intensificar as atividades de formação crítica e cidadã das crianças e adolescentes. Para isso, selecionamos conteúdos curriculares relacionados a temas como preconceito, etnocentrismo, segregação e bullying para desenvolver ações que os levassem a refletir sobre a diversidade. Nosso projeto político-pedagógico (PPP) se pauta na ideia de que os educadores devem exercer o papel de mediadores do processo de desenvolvimento humano, de modo que, mediante a apropriação de conteúdos escolares, os estudantes sejam capazes de refletir e analisar fenômenos do mundo, dos grupos sociais e de si mesmos.

Interdisciplinaridade para quebrar o preconceito

O projeto foi desenvolvido de forma coletiva entre professores e equipe gestora. Os objetivos eram:

• Estimular novas práticas atitudinais com o intuito de facilitar a convivência no contexto escolar;
• Aprender conceitos científicos sobre preconceito, discriminação, segregação e etnocentrismo e relacioná-los com atitudes cotidianas;
• Respeitar as diferenças;
• Compreender as consequências do bullying;
• Minimizar o preconceito e discriminação em nosso cotidiano;
• Desenvolver o senso crítico do aluno para que o mesmo se fortaleça como sujeito social.

Para a turma da Maria Clara, as atividades se basearam no material “Alterações cromossômicas do par 21 e o direito de ser e pertencer”. O conteúdo trabalha de forma interdisciplinar conceitos de história, sociologia e biologia com o intuito de quebrar paradigmas com relação a pessoas com Síndrome de Down. São abordados temas como conflitos culturais do extremo oriente nos séculos XII a XX, invasões bárbaras, evolucionismo, darwinismo social e genética.

Durante as aulas de história, foram propostas as seguintes discussões: por que os mongóis medievais eram considerados bárbaros? O que significam os conceitos de barbárie, civilização e preconceito? O que você entende pelos termos mongol e mongoloide? Por que esses termos foram utilizados para denominar a Síndrome de Down? Se apresentamos semelhanças e somos da mesma espécie biológica, por que somos geneticamente diferentes uns dos outros e “organizados” em diferentes “raças”?

Os tópicos levantados durante essas discussões foram abordados por outros docentes. Em geografia, explorou-se o espaço e o território da Mongólia. Em ciências, foram aprofundados tópicos sobre DNA com discussões sobre a Trissomia 21. Nas aulas de matemática, a educadora utilizou as estatísticas de pessoas com deficiência no Brasil para falar sobre tratamento da informação. Em língua portuguesa, os estudantes fizeram a leitura, interpretação e reescrita dos contos “A vida íntima de Laura” e “A vendedora de fósforos”, de Clarice Lispector. Por fim, para as atividades de educação física, os professores elaboraram jogos colaborativos e de socialização.

Como estratégia para aprofundar as reflexões sobre diversidade, realizamos ao longo do ano sessões de cinema seguidas de discussões sobre bullying. Foram apresentados quatro filmes: “O oitavo dia”, “Animais unidos jamais serão vencidos”, “Corrente do bem” e “Meu nome é Rádio”. Após as exibições, os alunos foram instigados a falar sobre as sensações de estarem no lugar dos protagonistas. Foi emocionante ouvi-los. A maioria relatou ter sofrido e também provocado sofrimento por preconceito.

Envolvendo professores e comunidade

Durante o desenvolvimento das atividades em sala de aula, os docentes receberam formação oferecida pela equipe gestora e professora do AEE. As discussões aconteceram durante as reuniões de planejamento e foram propostas para que todos pudessem repensar suas práticas pedagógicas a partir do estudo dos sujeitos que compõem o colégio. Nesses encontros, os educadores refletiram sobre os conceitos de segregação, integração e inclusão.

Como subsídio teórico, foi apresentado o texto “Sujeitos da escola” e a entrevista com Miguel Arroyo sobre pluralidade para o programa “Nós da Educação”, da TV Paulo Freire. Com base nisso, passamos a avaliar constantemente os pontos positivos e negativos de nossas ações. Os resultados foram muito positivos, pois foi possível perceber que os professores souberam construir um olhar diferenciado para cada uma das turmas durante a elaboração de seus planos de trabalho.

Na classe do 6º ano, formamos os chamados “educadores infanto-juvenis”. Durante o Dia internacional de conscientização sobre o autismo, a turma passou por outras classes apresentando o Luan e levando as informações sobre TEA que eles pesquisaram durante o mês. Ao final da atividade, os 270 estudantes do período da tarde responderam duas perguntas e obtivemos os seguintes resultados: 72% não tinham conhecimento prévio sobre o autismo e 69% desconheciam o fato de que havia um colega com esta particularidade no colégio.

Para envolver os familiares no projeto, realizamos uma aula prática de observação astronômica com binóculos e telescópios. O trabalho foi organizado pelo professor de química do ensino médio, que sugeriu a atividade após descobrir que Luan tinha muito interesse por astros e planetas. No dia da atividade, mais de 160 pessoas, entre pais, alunos, professores, direção e funcionários tiveram a oportunidade de observar Marte, Júpiter e a Lua.

Flexibilizações

Ao longo do ano, Maria Clara participou ativamente das atividades propostas. Ela pesquisou os conteúdos em seu caderno com a ajuda dos colegas e, quando necessário, contou com mais tempo para realizar as tarefas. Utilizamos como critérios de avaliação: a apropriação de conceitos, persistência, participação nos trabalhos em grupo e envolvimento. A adolescente realizou provas orais, escritas, desenhos e trabalhos de pesquisa.

Já o enfoque do trabalho com Luan, que não apresenta deficiência cognitiva, foi a interação social. Seus docentes exploraram atividades em equipe, como jogos, danças e confecção de materiais. Ele realiza as mesmas provas que os demais colegas, podendo solicitar auxílio da professora do AEE, que permanece na sala de aula, mas não ao seu lado.

O aluno tem entendido algumas metáforas e até as utiliza. Ao ser indagado após uma prova se a mesma estava fácil, ele respondeu que estava “mamão com açúcar”. Durante as aulas, ele brinca com os professores e depois diz: “é zoeira”. Tem brincado com alguns colegas de sala e, muitas vezes, propõe a brincadeira. Quando chegou à escola, ele se recusava a ir tomar água, demonstrando medo. Hoje, ele vai até o bebedouro sozinho, toma água e volta rapidamente.

Avaliação e resultados

Durante o desenvolvimento do projeto, a equipe gestora liderou o processo com muita competência e responsabilidade, unindo os educadores e demonstrando a todos profissionais do colégio a importância da mudança de paradigmas. As estratégias planejadas permitiram que os estudantes percebessem que as estruturas sociais modulam nossa atuação e que é possível intervir para minimizar limitações. Eles puderam contestar, reconstruir, descrever e interpretar as relações sociais e de poder e relacioná-las com o cotidiano.

Muitos se manifestaram e colocaram que eram alvos de preconceito e também preconceituosos. Foram destacadas algumas situações de agressão que são presenciadas nas escolas. Ao final das atividades, os alunos responderam duas perguntas:

• Qual atividade do projeto que mais gostou e por quê?
• Cite alguma passagem que você avalia como aprendizagem especial.

Com relação à primeira questão, parte citou os ensinamentos dos filmes, das ações realizadas em grupo e dos conteúdos científicos sobre o autismo e Síndrome de Down. Quanto às respostas da segunda pergunta, em quase todas as respostas os estudantes apontaram o convívio com a Maria Clara e o Luan.

Projeto vencedor do 1º Prêmio Paratodos de Inclusão Escolar.

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