Professoras municipais confeccionaram material pedagógico acessível para estudo da língua portuguesa e da Libras por estudantes do ciclo de alfabetização
Somos educadoras da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Prof. Fernando Nepomuceno Filho, localizada no município de Peruíbe (SP). Em 2020, a turma do 1º ano A do ensino fundamental era composta por 22 alunos. Dois têm deficiência: um com Transtorno do Espectro Autista (TEA); e o outro, deficiência auditiva.
A turma era bastante agitada, característica esperada para crianças de 6 anos. Alguns alunos chegam à escola, que atende apenas as séries iniciais, necessitando de um trabalho para o seu desenvolvimento psicomotor. Em geral, não estão alfabetizados e gostam muito de brincar.
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Identificando barreiras
Ao longo do ano letivo, identificamos uma barreira comunicacional entre o aluno com deficiência auditiva e a equipe escolar. Ele só se comunicava por Libras e os integrantes da equipe escolar não conheciam essa linguagem.
Agravando essa barreira, o período de isolamento por conta da pandemia da covid-19 trouxe novos desafios. A escola tem usado as redes sociais como principal canal de comunicação e muitas famílias não têm familiaridade ou mesmo acesso aos dispositivos necessários.
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Material pedagógico acessível como alternativa
Visando eliminar a barreira identificada, decidimos elaborar um material pedagógico acessível (MPA) para promover, de maneira lúdica, a construção de saberes das crianças dos diferentes anos e, em destaque, dos alunos dos 1ª anos.
A ideia era proporcionar o acesso à Libras e à língua portuguesa de maneira simultânea, além de promover o desenvolvimento das funções executivas como planejamento, organização, flexibilidade cognitiva.
Jogo da memória para o acesso à Libras
Para atender ao nosso objetivo, optamos pela construção de um jogo de memória com diferentes categorias semânticas, associadas a formas geométricas. As cartas contemplam a Língua portuguesa e Libras, visando aumentar o repertório vocabular da turma.
As categorias semânticas (animais, profissões e lugares de vivência) foram pensadas com base no que estava sendo trabalhado com a turma e em seus conhecimentos prévios.
Entre as competências a serem trabalhadas estavam: agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.
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Além disso, exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade. Isso para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.
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Desenvolvimento do material
Desde a ideia inicial até a concretização do jogo, houve muita articulação da equipe, aproveitando os conhecimentos e potencialidades de cada uma das educadoras, para executar as demandas que iam surgindo.
Somos uma equipe que conversa bastante, discute as opções e compartilha ideias. A cada descoberta, o grupo se tornava mais entusiasmado e se desenvolvia em conjunto. Os saberes trocados durante a formação Materiais Pedagógicos Acessíveis foram essenciais para composição do projeto.
Além disso, ao longo do desenvolvimento do recurso, pudemos utilizar uma das mais ricas estratégias didáticas que é a observação da interação das crianças, mesmo que tenha ocorrido de maneira remota. Por meio dessa análise, é possível perceber as potencialidades e fragilidades de cada um, de forma a direcionar os passos e promover avanços.
O desafio das aulas remotas
A criação do MPA e as reflexões no processo formativo ampliaram nossa visão sobre a necessidade da elaboração de propostas pedagógicas inclusivas e acessíveis a todas e todos.
Por conta do período de fechamento das escolas, buscamos aproximar os alunos do estudo da Libras adaptando todos os conteúdos e compartilhando via rede social. Enviamos vídeos de contação de história, experiências, culinária, construção de brinquedos com material reciclável e vídeos instrucionais.
Embora o MPA tenha sido construído para trabalhar presencialmente, explorando bastante as palavras contextualizadas e a Libras com a mediação da professora e intérprete, o grupo estabeleceu um cronograma de circulação do jogo na casa dos estudantes.
Disponibilizamos um guia das palavras com a tradução em Libras, para que os estudantes pudessem previamente ter contato para aprender e memorizar os sinais. Todas as orientações e acompanhamento sobre a aplicação do jogo foi realizada por meio do WhatsApp.
Aproximando a escola das famílias
Por conta do isolamento social, não houve como proporcionar uma participação mais ativa dos estudantes no processo de criação do jogo. Mas a maior parte das famílias se mostrou muito receptiva para aplicá-lo em casa.
O material foi enviado (higienizado) para a casa de cada aluno e vimos que isso também foi um meio de aproximar as famílias da escola. Elas apresentaram um retorno muito positivo sobre o projeto e auxiliaram de forma muito engajada na mediação com os estudantes.
As tecnologias e as aprendizagens
Este tem sido um momento muito difícil, mas de profundas reflexões que acreditamos ser positivas em todos os sentidos. Pudemos perceber que somos capazes de eliminar barreiras. Mesmo à distância, é possível construir um projeto com essa grandeza e riqueza.
A tecnologia ainda é um grande desafio para os educadores, mas é possível se desafiar a sair da zona de conforto. Ao longo de todo processo, percebemos o leque de possibilidades que temos à nossa disposição e o acionamos em prol de uma aprendizagem significativa.
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Embora tenhamos inúmeros entraves, podemos utilizar a tecnologia como aliada para possibilitar uma educação para todas e todos. Estamos certas de que esse período de transformações trará coisas boas para se lembrar.
Este relato de experiência é fruto da participação das autoras na edição 2020 do Materiais pedagógicos acessíveis – formação em serviço para educadores envolvidos no processo de escolarização de estudantes público-alvo da educação especial em escolas comuns.
A edição de 2020 do projeto foi realizada pelo Instituto Rodrigo Mendes e o MudaLab, com a parceria do Credit Suisse Hedging Griffo e do Instituto Península, e apoio da AT&T e Abadhs com objetivo de contribuir na construção de materiais pedagógicos acessíveis que auxiliem o processo de ensino-aprendizagem de estudantes com e sem deficiência.