Oferta de AEE nas escolas cresce lentamente, aponta Censo Escolar 2024

Apenas um em cada três estabelecimentos de ensino com matrículas de estudantes público-alvo da Educação Especial oferece atendimento educacional especializado. Saiba mais sobre esse e outros números da modalidade, apresentados nesta quarta (9/4)

Duas pessoas interagindo em uma mesa. Uma mão adulta, visível à esquerda, está segurando uma caneta e parece estar escrevendo em uma folha. À direita, uma criança está empilhando peças coloridas de formato variado, incluindo letras, números e formas geométricas, sobre uma base. As peças têm cores vibrantes. Fim da descrição.
Crédito Milkos/Depositphotos

Dados do Censo Escolar de 2024, divulgados ontem (9/4) pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apontam que apenas um em cada três estabelecimentos de ensino da Educação Básica que possuem matrículas de estudantes público-alvo da Educação Especial oferece atendimento educacional especializado (AEE). Embora tenha havido um aumento de 12,4% em relação ao ano anterior, esse crescimento foi menor do que o verificado na comparação entre 2023 e 2022: 14,1%. 

A análise da série histórica demonstra que a ampliação do número de creches e escolas que oferecem AEE não tem acompanhado o ritmo de crescimento das matrículas de estudantes público-alvo da Educação Especial. Nos últimos anos, a presença desses alunos na Educação Básica aumentou em 17,2%, 15,9% e 13,1%, respectivamente, nos anos de 2023, 2022 e 2021. 

Ao todo, o Brasil tinha mais de 179,2 mil estabelecimentos de ensino da Educação Básica em 2024. Desses, mais de 145,3 mil tinham pelo menos um estudante público-alvo da Educação Especial matriculado. Entre estes últimos, apenas 43,1mil ofertavam o AEE. 

Maria Laura Gomes, do Núcleo de Pesquisas do Instituto Rodrigo Mendes (IRM), avalia como positivo o crescimento de estabelecimentos que oferecem o AEE. Ao analisar esse cenário, ela lembra que não são todos os alunos público-alvo da Educação Especial que precisam desse serviço e que alguns são atendidos em centros especializados. Ao mesmo tempo, ela pondera que “os dados disponíveis não permitem verificar se todos aqueles que necessitam estão, de fato, acessando o AEE. Isso porque o país precisa aprimorar os mecanismos para monitorar a efetivação desse direito”.  

Segundo Maria, “o contexto atual, em que apenas um em cada três estabelecimentos com pelo menos uma matrícula da Educação Especial oferece esse atendimento, traz uma sinalização de que garantir essa oferta é um desafio para muitas redes de ensino”. 

Carla Mauch, coordenadora-geral da Mais Diferenças, concorda com essa análise. Ela sugere que um dos fatores que dificultam a ampliação é o pequeno número de professores do AEE, pouco mais de 59 mil, segundo o Censo Escolar de 2023 (leia reportagem em que especialista indica caminhos para reverter esse quadro). 

O pequeno percentual de 22,9% (2023) de escolas que têm sala de recursos multifuncionais (SRM) também é apontado como uma questão importante a ser enfrentada para ampliar a oferta do AEE. “Sabemos que talvez não precisemos ter esse espaço em todas as escolas, mas não chegar a 30% é preocupante.”

Presente na coletiva de imprensa de divulgação dos dados do Censo Escolar do Inep, o ministro da Educação, Camilo Santana, abordou o tema da inclusão escolar. Ele reiterou o compromisso do MEC com a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), que tem como uma de suas metas “garantir as salas de recursos nas escolas, [de modo] que, até 2026, nenhuma escola deixe de ter uma sala de recursos”. 

Em sua apresentação, Carlos Eduardo Moreno, diretor de estatísticas educacionais do Inep, chamou a atenção para a diversidade no tamanho das redes de ensino: 31,7% dos municípios brasileiros têm até cinco escolas, ao passo que 2,1% das cidades do país contam com mais de cem estabelecimentos de ensino. “Do ponto de vista da gestão, o processo é, de certa forma, facilitado.” 

Ao analisar essa variação de tamanho, Carla e Thaís Martins, coordenadora de Pesquisa e Advocacy da Mais Diferenças, argumentaram ser importante, principalmente para as redes de ensino pequenas, a busca pela diversificação da oferta do AEE, para além da lógica do contraturno, apostando em outras soluções, como o AEE itinerante e o colaborativo. Para isso, o MEC tem um papel importante de indução e apoio técnico para promover ações de cooperação entre municípios, de modo que eles possam se articular para pensar conjuntamente em uma política de educação inclusiva, por meio de arranjos ou consórcios. 

Censo Escolar 2024: inclusão segue tendência de crescimento 

Em valores absolutos, o número de estudantes público-alvo da Educação Especial chegou a 2.076.825. Desses, 1.923.692 estão em classes regulares. Ou seja, 92,6% dessas matrículas estão em escolas inclusivas. Em 2023, esse percentual era de 91,3%. O ministro da Educação celebrou “a continuidade do crescimento das matrículas da Educação Especial. Isso mostra que o Brasil está incluindo cada vez mais crianças e jovens na escola regular”.  

Ao analisar os números, Carla comemorou a ampliação de matrículas da Educação Especial no Ensino Médio, que chegou a mais de 262,2 mil em 2024. No ano anterior, esse número foi de 223,2 mil, de acordo com o Painel de Indicadores da Educação Especial do IRM.  

Segundo ela, esse crescimento reflete que o Brasil está avançando não apenas no acesso, mas também na permanência desses estudantes. Ao mesmo tempo, ela lembra que o afunilamento das matrículas de pessoas com deficiência, ao longo da Educação Básica e no acesso ao Ensino Superior, ainda se apresenta como um grande desafio.  

Thaís destacou o esforço do Inep em analisar a trajetória desigual dos estudantes ao longo das etapas de ensino a partir de diferentes recortes, como localidade, cor e renda. “Na apresentação, eles trouxeram várias análises em relação ao insucesso e à equidade, mas deixaram de fora a Educação Especial. Essa é uma sinalização política importante de que precisamos atuar para que os estudantes com deficiência sejam incluídos cada vez mais no debate sobre a permanência e a aprendizagem, que são direitos de todas as pessoas.”

O único indicador apresentado na coletiva que trouxe o recorte da modalidade da Educação Especial foi a taxa de distorção idade-série. Para todos os estudantes do 6º do Ensino Fundamental, o percentual de alunos com atraso escolar superior a dois anos foi de 15%. Entre as matrículas da Educação Especial, esse percentual chegou a 32%, atrás apenas da Educação Indígena, que registrou 37,6%. 

Para especialistas, estatísticas podem ser aperfeiçoadas  

Ao comentar os dados da Educação Especial, Camilo Santana chamou atenção para “o salto no número de estudantes com transtorno do espectro autista (TEA)”. Em sua apresentação, Moreno retomou o tema e classificou como “um evento estatístico muito relevante” o fato de as matrículas de alunos com TEA terem crescido de 636 mil para 900 mil em único ano. “A escola passou a identificar mais essa característica”, comentou. 

Carla Mauch reconhece os esforços e celebra a maior presença de estudantes público-alvo da Educação Especial em escolas inclusivas. Contudo, indica que a sociedade precisa debater as causas desse grande crescimento das matrículas de alunos com TEA. “Temos poucas evidências que expliquem esse aumento, algo que precisamos melhorar. Mas em nosso trabalho cotidiano, de forma empírica, entendemos que é necessário problematizar essa questão da medicalização e da patologização, em especial das infâncias.” 

As especialistas da Mais Diferença apontam outro ponto que pode ser aperfeiçoado nas estatísticas da modalidade. Elas indicam que o Inep precisa esclarecer e modificar os instrumentos de coleta de modo a explicitar como os estudantes com transtorno global do desenvolvimento (TGD) aparecem nas estatísticas. “Hoje, o Censo adota como categoria o transtorno do espectro autista (TEA). Mas onde estão, por exemplo, as pessoas com psicose infantil um transtorno desintegrativo da infância? Elas estão no limbo?”, questiona Carla. 

Maria Laura reconhece os avanços nas estatísticas da Educação Especial. Ao mesmo tempo, concorda que há muito a ser feito para que o país tenha os parâmetros necessários para que a sociedade possa fazer um controle social mais eficiente sobre a efetivação ou não dos direitos dos estudantes com deficiência. Incluir perguntas no Censo Escolar para que os gestores respondam se aquele aluno precisa ou não do AEE ou de um profissional de apoio escolar, por exemplo, ajudaria a compreender se os serviços e apoios disponíveis são suficientes para garantir o direito à educação inclusiva para todos. 

 

Este texto foi atualizado em 16/04/2025, às 12h14, para corrigir uma informação: o número de matrículas de estudantes público-alvo da Educação Especial no Ensino Médio em 2024 foi de 262,2 mil, e não 420 mil, como indicado inicialmente.

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