2024 começa com expectativa sobre avanço das ações para fortalecer a educação inclusiva

MEC terá de articular com municípios, estados e escolas para atingir metas previstas até 2026 em plano lançado em novembro do ano passado  

 

O ano se inicia com as redes de ensino de todo o país na expectativa para o detalhamento dos próximos passos após um novo impulso ter sido dado pelo governo federal para a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), criada em 2008 e estruturante para as ações de inclusão nas escolas de educação básica no Brasil. É o Plano de Afirmação e Fortalecimento, anunciado pelo presidente Lula e pelo Ministro da Educação, Camilo Santana, em 21 de novembro de 2023. A proposta prevê investimento de R$ 3 bilhões até 2026 e tem como foco quatro eixos: expansão do acesso, qualidade e permanência, produção de conhecimento e formação.  

Em entrevista ao DIVERSA, Décio Nascimento Guimarães, diretor de Políticas de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), do Ministério da Educação (MEC), afirmou que “o objetivo é retomar o que foi descontinuado nos últimos anos pelo governo federal, tanto na forma de investimento, quanto na ampliação do que está contido na PNEEPEI. O maior desafio é garantir direitos de acesso, permanência, participação e aprendizagem com qualidade e na urgência que a população precisa”.  

É um desafio grande. De acordo com o Painel da Educação Inclusiva, iniciativa do Instituto Rodrigo Mendes (IRM), em parceria com o Instituto Unibanco e com apoio do Centro Lemann, o país ainda tem 10,1% dos estudantes com deficiência matriculados em classes ou escolas especiais. Além disso, 55,7% dos professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE) não possuem formação continuada em educação especial. Entre os professores regentes, esse percentual chega a 94,2%. 

Segundo o diretor do MEC, o Plano de Afirmação e Fortalecimento nasce do “diálogo com a sociedade civil e movimentos sociais, com democracia”, sendo a Comissão Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (CNEEPEI) um espaço importante de participação. Fazem parte desse grupo a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), o Conselho de Secretários de Educação (Consed) e representantes da sociedade civil, dentre eles o IRM.  

Ao avaliar as medidas anunciadas pelo ministério, Maristela Guasselli, secretária municipal de Educação de Novo Hamburgo (RS) e presidente da Undime da região Sul e do Rio Grande do Sul, além de uma das titulares da CNEEPEI, indica que o plano anunciado não altera a rotina das escolas, pois é pautado por documentos e arcabouço legal já existentes, como a PNEEPEI, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a Constituição Federal e os planos nacionais, estaduais e municipais de Educação.  

A dirigente sustenta que é preciso comemorar, mas sem deixar de cobrar: “A Undime tem acompanhado o esforço do MEC em vários segmentos da Educação e sua busca pelo envolvimento das redes. Aguardamos que as propostas saiam do papel e que haja orientações sobre os próximos passos.”  

Aberson Carvalho, representante do Consed no evento de lançamento do plano e secretário de Educação, Cultura e Esportes do Acre, comentou, em entrevista ao DIVERSA: “No governo passado deixamos de ter os estudantes da educação especial como prioridade. Agora, vemos o interesse da Presidência da República para que seus direitos sejam garantidos. O Plano anunciado reafirma a política de 2008, que já é seguida em todo o país; fortalece as ações por meio de um pacto nacional e colabora para termos mais uniformidade nas redes, fazendo a articulação entre os entes”.  

A iniciativa, segundo Aberson, é bem-vinda para reafirmar o direito de todas as pessoas à educação inclusiva. Ele lembra que “setores conservadores reivindicavam a retirada dos estudantes público-alvo da educação especial da escola comum para frequentar apenas centros específicos”. Como reação (apoiada pelo IRM) a esse movimento, ocorreu, em 2023, a revogação do Decreto 10.502, de 2020, que propunha a segregação das pessoas com deficiência das escolas. “Nosso entendimento é de que, se o estudante precisa de apoio, é na escola comum que isso deve ser garantido. O atendimento nos centros especializados deve ser complementar”, defende o secretário.  

As metas e os próximos passos 

O Plano de Apoio e Fortalecimento da PNEEPEI prevê investimento de mais de R$ 3 bilhões até 2026, para que as seguintes metas sejam alcançadas nesse período:  

  • Ampliação de 1,3 milhão para mais de 2 milhões de matrículas do público-alvo da educação especial em classes comuns (número que deve representar 100% das matrículas; em 2022, esse percentual era de 89,9% na educação básica)   
  • Ampliação para 169 mil matrículas do público-alvo da educação especial na educação infantil em instituições públicas regulares 
  • Oferta de Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) em 72% das escolas  
  • Entrega de 1,5 mil ônibus escolares acessíveis  
  • Criação de 27 observatórios de monitoramento   
  • Lançamento de 6 editais para pesquisadores com deficiência 
  • Formação inicial e continuada em educação especial na perspectiva da educação inclusiva para:  
    • 1,25 milhão de professores de classes comuns  
    • 48,7 mil professores de AEE  
    • 106,6 mil gestores escolares 
    • 24 mil estudantes de graduação, 240 mil bolsistas do Programa Interinstitucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) e Residência Pedagógica, envolvendo 37,5 mil preceptores  
    • 21 mil estudantes de mestrado profissional. 

Décio Guimarães explica como as metas serão cumpridas: “O cronograma de implementação das ações e a divisão dos recursos financeiros ao longo dos anos será anunciado gradativamente, conforme as votações e a distribuição orçamentária”. 

Para o gestor, o próximo passo é discutir as especificidades de cada ação. “Por exemplo, vamos refletir com os representantes das regiões e verificar o melhor formato para a formação continuada, se presencial, à distância ou semipresencial, e qual o conjunto de saberes prioritários para abordar. Afinal, a formação oferecida na região metropolitana de São Paulo pode precisar ser diferente daquela na região das águas, em Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Sabemos o que e quanto será destinado ao plano, mas o diálogo vai ser essencial para vermos como fazer, já que a pluralidade e o tamanho do país são gigantescos”.  

Embora tenha sido lançado na segunda quinzena de novembro, Décio informa que o Plano de Fortalecimento já estava em andamento ao longo de 2023. “Em seis meses, oferecemos cerca de 22 mil vagas de formação continuada aos profissionais da Educação, com atualizações e especializações. Isso ainda é pouco se comparado ao que vamos alcançar até 2026, mas é quase 50% do que foi oferecido em oito anos”. E complementa: “Para 2024, municípios e estados podem esperar uma política de formação potente e forte, que dialogue com as especificidades de ensino-aprendizagem. Para o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) Sala de Recursos Multifuncionais, serão disponibilizadas novas adesões no primeiro trimestre”. 

Em relação ao PDDE Sala de Recursos Multifuncionais, Décio diz que, em 2023, foram investidos R$ 237 milhões, que atenderam quase 12 mil escolas. Já os observatórios de monitoramento em cada estado e no Distrito Federal serão destinados a pesquisadores de universidades e institutos federais para realizarem o acompanhamento quantitativo e qualitativo da Política. Ele indica também que os editais para pessoas com deficiência vêm reparar uma injustiça histórica, fazendo que sejam acessíveis e contemplem as especificidades de todos. 

Perspectiva intersetorial para as políticas de inclusão 

Dias depois de anunciado o Plano de Fortalecimento da PNEEPEI, o governo federal, por meio do Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), também lançou o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência Novo Viver Sem Limite, instituído pelo Decreto 11.793, de 23 de novembro de 2023. A iniciativa prevê ações coordenadas por vários ministérios, entre eles o próprio MEC. 

A Política está estruturada em quatro eixos: gestão e participação social; enfrentamento do capacitismo e da violência contra as pessoas com deficiência; acessibilidade e tecnologia assistiva; e promoção do direito à educação, à assistência social, à saúde e aos demais direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. Ao contrário do novo programa anunciado pelo MDHC, o lançamento do Plano de Afirmação e Fortalecimento da PNEEPEI não foi acompanhado por assinatura de um decreto ou outra normativa.  

Há ações comuns nos dois anúncios do governo federal. É o que demonstra a publicação que detalha os objetivos e metas do Novo Viver Sem Limite. Exemplos dessas repetições são os editais de fomento à pesquisa para pesquisadores com deficiência, aquisição de 1,5 mil ônibus escolares acessíveis, a criação de 27 observatórios de monitoramento da política em parceria com universidades federais e ampliação de 38 mil escolas com SRM adquiridas com recursos do PDDE. 

Décio explica que as duas políticas têm em comum o foco na pessoa com deficiência. “O Viver sem Limite 2 é uma forma intersetorial e transversal de garantir os direitos das pessoas com deficiência”.  

Confira a seguir algumas ações do Novo Viver Sem Limites voltadas para a inclusão na educação básica: 

  • Fornecimento de dispositivos e equipamentos de tecnologia assistiva para o atendimento de 95 mil crianças com deficiência
  • Formação de 8.250 professores de salas comuns na “Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” 
  • Ampliação de 700 vagas no âmbito do Parfor na rede de mestrado profissional em educação inclusiva para todos os estados e o Distrito Federal 
  • Capacitação para residentes do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) e Residência Pedagógica (Parfor) 
  • Formação de 3,5 mil profissionais na educação bilíngue de surdos (Língua Brasileira de Sinais) até 2024 
  • Formação de 63 mil professores e 106 mil gestores em educação especial na perspectiva inclusiva pela Rede Nacional de Formação (Renafor) 
  • Suporte financeiro adicional a escolas para atendimento a estudantes com deficiência no PDDE 
  • Programa Benefício de Prestação Continuada (BPC) na Escola com 425 mil matrículas de pessoas beneficiárias na rede regular de ensino 

Enquanto isso, o trabalho não para 

Maristela, da Undime, e Aberson, do Consed, concordam que o foco do governo federal é acertado, mas que as redes estaduais e municipais não interromperam seu trabalho até então. “Mesmo sem priorização do governo federal nos últimos anos, municípios e estados têm aumentado o acesso e a qualidade na inclusão dos estudantes, fortalecendo o acompanhamento dos cuidadores”, diz Aberson. Maristela complementa: “Os estudantes público-alvo da educação especial já estão nas escolas, a legislação determina que esse direito seja garantido e os pais das crianças e jovens buscam essa vaga”.  

O gestor do MEC diz que já existe um consenso de que a PNEEPEI é o caminho. O desafio é articular com estados, municípios, escolas, universidades, movimentos sociais e associações do sistema de justiça para todos trabalharem juntos. “A Secadi faz uma coordenação com participação dos setores da sociedade, uma articulação desses agentes, porque existe uma interdependência entre todos. Ao assumir o que estava descontinuado, temos de implementar, organizar, fazer um planejamento com participação e efetivar as ações”.  

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