O ensino médio usualmente é focado na preparação acadêmica para o ingresso dos estudantes em universidades. Para atingir esse objetivo, o currículo se tornou denso e conteudista. Da mesma forma, o tempo para reflexões mais amplas sobre as grandes mudanças que acontecerão após essa fase da vida ficou escasso. Mais raro ainda é alcançar na discussão a diversidade das alunas e alunos, inclusive os que são público-alvo da educação especial.
Devido à definição curricular do Novo Ensino Médio, com a obrigatoriedade do componente Projeto de Vida (PV), ressalta-se um avanço na temática da transição para a vida adulta, o que trouxe a reflexão sobre algumas conexões entre o PV e o Plano Individual de Transição (PIT).
Os avanços para uma educação inclusiva
Ao longo das duas últimas décadas, o Brasil avançou na legislação referente aos direitos das pessoas com deficiência. Assim, o direito à educação seguiu essa evolução, com uma legislação e documentos orientativos para que as escolas implementem uma educação inclusiva na prática.
Como parte da legislação, há o artigo IV do Decreto 7.611/2011, que dispõe sobre a educação especial e determina que o Atendimento Educacional Especializado (AEE) deve “assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis, etapas e modalidades de ensino”.
Ou seja, para além de oferecer as condições necessárias para as aprendizagens durante o ensino básico, é também papel da escola proporcionar a transição para a vida adulta. Um dos meios para tal, no que se refere aos adolescentes com deficiência, é a elaboração do PIT, instrumento derivado do Plano Educacional Individualizado (PEI).
Esse instrumento deve considerar as motivações e desejos de cada estudante, incluindo competências gerais, específicas ou individuais já adquiridas e a adquirir, pensando no planejamento de futuros estudos e possibilidades de trabalho (Fânzeres; Cruz-Santos; Santos, 2019).
O Plano Individual de Transição dialoga com o conceito de Projeto de Vida, que traz possibilidades para o futuro, mesmo com as imprevisibilidades do contexto socioeconômico. Segundo Durau e Correia, o projeto de vida é importante também pelo que pode oferecer no presente, em termos de capacidade criativa diante da vida e da oferta de um horizonte existencial.
Além de favorecer um plano de carreira e um Projeto de Vida, o PIT também realiza uma ponte entre a escola e o mercado de trabalho, auxilia a formação profissional, potencializa a autonomia, e melhora a qualidade de vida dos estudantes (Carvalho e Fernandes, 2018).
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Análise prática de transição
Para o entendimento do processo de transição, entrevistamos dois estudantes formados em 2022. Eles frequentaram a mesma escola desde os anos iniciais do ensino fundamental e foram diagnosticados com a mesma especificidade no 8º ano.
Foram duas entrevistas individuais, uma em novembro de 2022 e outra em março de 2023, para compreensão dos sentimentos em relação ao momento de transição e as expectativas do projeto de vida após a conclusão do ensino médio.
Em 2022, ambos demonstraram perspectiva de ingressar numa universidade. Em março deste ano, um estava cursando o ensino superior e o outro optou em não realizar nenhuma atividade acadêmica até julho.
Entende-se que o Plano Individual de Transição pode ser uma ferramenta poderosa para ajudar os estudantes nesse processo. A principal reflexão aqui apresentada é a possibilidade de compreender o PIT como a extensão do Plano Educacional Individualizado.
A importância da relação entre os documentos
Podemos dizer que, na medida em que a educação inclusiva vai se estabelecendo de fato e se enraizando no cotidiano escolar, a necessidade da evolução no PEI e a construção da transição individual dos estudantes aconteça organicamente. Por sua vez, a transição individual pode ser entendida como um Projeto de Vida, que também é parte obrigatória do currículo escolar brasileiro.
Diante disso, podemos considerar que o meio pelo qual a expressão das potencialidades se dá é a elaboração das projeções de vida de cada um. É uma oportunidade de diálogo entre os objetivos de cada documento, fazendo com que a escola cumpra seu papel de orientar os caminhos dos estudantes. Colocar essa tarefa em prática demanda de todos os membros da equipe escolar uma compreensão e formação para além dos componentes curriculares. Nesse sentido, essa discussão se torna ainda mais relevante.
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Referências
BRASIL. Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7611.htm Acesso em: 7 Dez de 2022.
CARVALHO, A. C.; FERNANDES, E. M. Plano Individual de Transição para Vida Adulta para Pessoas com Deficiência Intelectual. In: Anais do V Colóquio Internacional Educação, Cidadania e Exclusão. Niterói, 2018. Disponível em: https://editorarealize.com.br/editora/anais/ceduce/2018/TRABALHO_EV111_MD1_SA10_ID1208_27052018163006.pdf. Acesso em: 20 de maio de 2023.
DURAU, José Odair; CORREIA, Vanessa Araújo. Projeto de vida para jovens: um itinerário metodológico de esperança. Edições Loyola, 2020.
FÂNZERES, L.; CRUZ-SANTOS, A.; SANTOS S. Questionário de Transição para a Vida Adulta dos Alunos com Necessidades Educativas Especiais – Percursos de Formação no Sistema Educativo Português: Construção e Validação. Rev. Bras. Ed. Esp., v.26, n.3, p.481-494, Jul.-Set., 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbee/a/4Gh3FgPsXvVHBCct7ZP35sJ/?lang=pt . Acesso em 20 de maio de 2023.
Ana Paula Bellizia é mestra em educação, psicóloga, psicodramatista, especialista em inclusão escolar e diversidade e orientadora educacional.
Marta de Oliveira Gonçalves é doutora em psicologia da educação pela PUC/SP, professora do Instituto Singularidades, psicóloga, especialista em psicopedagogia e neurociência na escola.
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