Em artigo publicado no DIVERSA, foram apresentados os marcos normativos que norteiam o funcionamento das Salas de Recursos Multifuncionais nas redes de ensino do Brasil.
A implementação dessas salas no país teve início em 2007 e convergiu com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (PNEEPI), de 2008. Atualmente, há cerca de 37 mil salas de recursos, multifuncionais ou não, segundo dados do Censo Escolar 2020 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)/Ministério da Educação (MEC). Isso representa 20,4% do total de escolas em atividade (181.279).
As Salas de Recursos Multifuncionais são os espaços mais difundidos para a realização do serviço de Atendimento Educacional Especializado (AEE). O atendimento é assegurado pelo Art. 208 da Constituição Federal, e hoje destina-se a estudantes público-alvo da Educação Especial (pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação). Desse modo, todas as escolas devem ofertar o AEE, preferencialmente em Salas de Recursos Multifuncionais.
Historicamente, as salas representam um avanço na tentativa de garantir que todos os estudantes tenham acesso à educação de qualidade na escola comum, pois o AEE tem como objetivo complementar e apoiar o ensino da sala de aula.
A multifuncionalidade é um fator essencial por garantir que as salas não serão preparadas por tipos de deficiência, fazendo com que se impere a visão social da deficiência, que foca nas potencialidades do indivíduo e não em seus impedimentos.
Estudos acadêmicos e políticas educacionais
Este artigo apresenta evidências da produção acadêmica sobre Salas de Recursos Multifuncionais. Entendemos que a produção de estudos é um dos resultados de políticas públicas educacionais. Ela é um dos principais meios para se fazer análise crítica, acompanhamento de políticas e mensuração de impactos.
Anos após as primeiras políticas de planejamento e implementação das Salas de Recursos em nível nacional, é possível indagar: qual é a frequência de estudos sobre esse tema? Onde são produzidos? Em qual nível de titulação?
Respostas a essas questões oferecem um panorama atual da produção acadêmica, também chamado de “mapa de evidências”.
Evidências da produção acadêmica
O Núcleo de Pesquisa e Tecnologias do Instituto Rodrigo Mendes atualmente conduz uma pesquisa sobre Salas de Recursos da rede estadual situadas no município de Campinas (SP). Ela é realizada em parceria com a Fundação Federação das Entidades Assistenciais de Campinas (FEAC).
Apresentamos a seguir alguns resultados alcançados até o momento, referentes à produção acadêmica stricto sensu (teses de doutorado e dissertações de mestrado) sobre Salas de Recursos Multifuncionais. Os dados foram extraídos do Catálogo de teses e dissertações da Capes.
Teses e dissertações sobre Salas de Recursos Multifuncionais por ano nível de titulação, 1994 a 2020
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Descrição do gráfico: O gráfico em formato de linhas apresenta eixo vertical de quantidade de teses e dissertações sobre salas de recursos e eixo horizontal de tempo em anos. O eixo vertical tem variações de 0, 10, 20, 30, 40 e 50, números relativos à quantidade absoluta de publicações. Já o eixo horizontal tem variações de cinco em cinco anos, começando em 1990 e terminando em 2020. Na legenda do gráfico, há três itens: linha com círculo verde claro representa dissertações de mestrado; linha com círculo roxo representa teses de doutorado; linha com círculo laranja representa dissertações de mestrado profissionalizante.
As marcações em verde claro apontam que as dissertações de mestrado sobre salas de recursos tiveram início em 1994, com uma dissertação. Na sequência: uma dissertação em todos os anos de 1995 a 2000; duas em 2001; três em 2002; quatro em 2003; três em 2004; seis em 2005; quatro em 2006; oito em 2007; dez em 2008; nove em 2009; 15 em 2010; 17 em 2011; 17 em 2012; 45 em 2013; 47 em 2014; 38 em 2015; 44 em 2016; 39 em 2017; 18 em 2018; 31 em 2019; 23 em 2020.
Marcações em roxo apontam que houve duas teses de doutorado em 2001; uma em 2003; uma em 2005; uma em 2007; duas em 2009; uma em 2010; três em 2011; oito em 2012; sete em 2013; doze em 2014; sete em 2015; quinze em 2016; dez em 2017; três em 2018; quatro em 2019; três em 2020.
As marcações em laranja apontam que: houve duas dissertações de mestrado profissionalizante em 2010; uma em 2013; duas em 2014; nove em 2015; 13 em 2016; nove em 2017; 12 em 2018; 21 em 2019;
Na horizontal, há uma linha tracejada indicando a média de produção de teses e dissertações ao longo dos 26 anos mapeados. O resultado mostra que a média é de 11 trabalhos por ano. Fim da descrição.
Gráfico: Instituto Rodrigo Mendes. Fonte: CAPES, 2021.
Análise dos dados
A partir de critérios de seleção, foram identificadas 387 dissertações de mestrado, 80 teses de doutorado e 69 dissertações de mestrado profissionalizante, produzidas no período de 1994 a 2020. Os resultados obtidos indicam que:
• Há uma concentração de trabalhos na grande área das Ciências Humanas e, mais especificamente, na área da Educação. Ou seja, estudantes de pós-graduação em Educação são os mais interessados em realizar pesquisas sobre o tema.
• A maior parte dos trabalhos foi produzida no período entre 2012 e 2017. Isso refletiu, em grande medida, políticas educacionais como o Decreto nº 7.611/11, que dispõe sobre a modalidade Educação Especial e o AEE.
• O ano de 2014 foi o que mais registrou trabalhos sobre o tema. Também foi o ano que registrou o maior volume de recursos destinado ao fomento à pesquisa nos últimos vinte anos.
• As instituições que mais produzem sobre o tema são a Universidade Federal de São Carlos (UFscar) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Destacam-se também a Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (UNESP) – Campus Marília, a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Estadual de Maringá (UEM).
• Há uma concentração regional dessa produção. Até hoje, a maior parte dos trabalhos foi produzida na região Sudeste 41,2%, seguida pelas regiões Sul (25,3%), Nordeste (13%), Centro-Oeste (12,8%) e Norte (7,6%).
Uma característica comum desses trabalhos é o estudo de caso por município, por escola ou por ciclo escolar.
Subsídios para a ação
Ao detalhar a produção acadêmica sobre salas de recursos, foi possível constatar a sua contemporaneidade com diversas políticas públicas, conduzidas principalmente pelo governo federal. Ao mesmo tempo, essa produção vem fornecendo subsídios para reavaliar e aprimorar o impacto de tais políticas.
No contexto de transformação digital em escolas, o investimento na criação e manutenção das Salas de Recursos deve ser contínuo. É fundamental haver planejamento para a garantia de ferramentas de comunicação e acessibilidade, jogos educativos e ambientes de aprendizagem adaptativos. Da mesma forma é crucial que sejam oportunizados momentos de planejamento colaborativo entre o professor de AEE, que trabalha normalmente nas salas de recursos, com os professores regentes das turmas.
Isso cria condições para que os educadores trabalhem com múltiplos métodos de apresentação dos conteúdos curriculares, de mediação da aprendizagem e envolvimento dos alunos.
A participação de educadores e da comunidade nos Conselhos Escolares também é fundamental, pois é nesse momento que ocorre a discussão sobre o uso do suporte financeiro nas salas de recursos.
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Karolyne Ferreira é pesquisadora assistente do Instituto Rodrigo Mendes. Bacharel e licenciada em Geografia e mestre em ciências pela Universidade de São Paulo (USP).
Gustavo Taniguti é pesquisador do Instituto Rodrigo Mendes. Possui mestrado e doutorado em sociologia, realizou estágios de pesquisa nos Estados Unidos e na França e foi professor do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG).
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artigo ótimo.