Estudo em Campinas aponta mudanças necessárias à educação inclusiva

Construir ambientes escolares inclusivos é um compromisso coletivo. Para que possamos realizá-lo cada vez mais, é importante que o poder público e a sociedade civil identifiquem e superem barreiras do sistema de ensino (físicas, orçamentárias, de gestão ou atitudinais) que ainda impedem o convívio de todas e todos em condição de igualdade.

A produção de conhecimento pode nos auxiliar nessa tarefa. Evidências produzidas por estudos podem basear propostas de ações futuras que fortaleçam a inclusão escolar.

Um exemplo internacional é a pesquisa Teaching and Learning International Survey (TALIS), produzida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Entre outros aspectos, a TALIS informa a percepção de educadores e diretores de 48 países sobre aspectos fundamentais de seu cotidiano profissional, como a diversidade no ambiente escolar.

Por sua vez, ao expressar opiniões, atitudes e satisfação das educadoras e dos educadores, estudos voltados a temas específicos podem traduzir alguns dos desafios que existem localmente. Exemplos são a demanda por formação continuada em educação inclusiva e a necessidade de eliminar barreiras atitudinais em relação às pessoas com deficiência.

Identificando desafios locais: o caso de Campinas (SP)

A pesquisa sobre salas de recursos da rede estadual de ensino de Campinas (SP), é conduzida pelo Instituto Rodrigo Mendes (IRM), em parceria com a Fundação Federação das Entidades Assistenciais de Campinas (FEAC). Os dados obtidos indicam que, apesar de todas as conquistas obtidas nos últimos 15 anos, das evidências mostrarem que estudantes aprendem mais em ambientes inclusivos, do expressivo aumento do número de estudantes matriculados nas escolas inclusivas e da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência determinar claramente que o melhor modelo de ensino a ser seguido é o das escolas comuns, 61,4% de professoras e professores de classes comuns concordam (total ou parcialmente) que estudantes público-alvo da Educação Especial aprendem melhor nas escolas especializadas. Entre os gestores, o percentual é de 49% e, entre professores de Atendimento Educacional Especializado (AEE), o percentual é de 33%.

Opinião dos educadores e gestores da rede estadual de ensino de Campinas sobre se os estudantes com deficiência aprendem melhor nas escolas especializadas 

[amcharts id=”chart-5″]

Gráfico: Instituto Rodrigo Mendes. Fonte: Pesquisa “Salas de Recursos: um estudo do município de Campinas”

Descrição do gráfico: O gráfico em formato de barras empilhadas na vertical apresenta eixo vertical com números que representam porcentagem e o eixo horizontal com as categorias que participaram da pesquisa. O eixo vertical apresenta os números em porcentagem, com variações de dez em dez porcento, iniciando no zero indo até cem. Já o eixo horizontal tem a primeira barra para gestor, a segunda para professor de Atendimento Educacional Especializado (AEE) e a terceira para professor de sala comum. Na legenda do gráfico, há quatro itens: vermelho claro representa quem respondeu discordo parcialmente; vermelho escuro representa quem respondeu discordo totalmente; verde claro representa quem respondeu concordo parcialmente; vermelho escuro representa quem respondeu discordo totalmente.

A primeira barra com o resultado da pesquisa feita entre os gestores das escolas aponta que: 9,5% discorda totalmente; 41,3% discorda parcialmente; 46% concorda parcialmente e 3,2% concorda totalmente.

Na segunda barra com o resultado da pesquisa feita entre os professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE) aponta que: 27,6% discorda totalmente; 39,7% discorda parcialmente; 32,8% concorda parcialmente e 0% concorda totalmente.

Na terceira barra com o resultado da pesquisa feita entre professores de sala comum aponta que: 14,1% discorda totalmente; 24,4% discorda parcialmente; 44,4% concorda parcialmente e 17% concorda totalmente. Fim da descrição.

Leia mais

+ Escola aposta na formação dos funcionários para ampliar cultura de inclusão

Em relação à realização de cursos de formação continuada em educação inclusiva, 51,9% de professoras e professores de classes comuns disseram ter interesse em participar caso fosse ofertado pela escola ou diretoria de ensino. Entre as professoras e professores de AEE, o percentual é de 36,2%. Entre gestores, o percentual é de 39,7%.

Esses dados foram produzidos a partir de questionário aplicado a 268 profissionais das 175 escolas estaduais do município. Destas, 56 dispõem de sala de recursos. Segundo o Censo Escolar 2020, há cerca de 2.500 estudantes público-alvo da Educação Especial matriculados na rede estadual de Campinas.

Em resumo, a opinião de que estudantes público-alvo da Educação Especial aprendem melhor em escolas especiais indica a existência de barreiras atitudinais. Uma hipótese que pode ser formulada é que boa parte desse pensamento advém da falta de informação no tema, somada à carência de estruturas preparadas para receber os estudantes.

Assim, a formação continuada de educadores e gestores escolares tem alto potencial para alterar essa mentalidade e fornecer o ferramental necessário para práticas inclusivas nas salas de aula. Os educadores não podem ser responsabilizados exclusivamente pelos problemas relacionados à inclusão. É necessário que lhe sejam dadas condições para realizar o seu trabalho na melhor medida possível acolhendo as potencialidades de todos os estudantes.

Superação de barreiras por meio da valorização das diferenças

As barreiras atitudinais enfrentadas por estudantes público-alvo da Educação Especial decorrem, principalmente, do modelo médico de compreensão da deficiência. Nessa concepção, já ultrapassada, a deficiência é vista unicamente com base em características individuais de ordem clínica, atribuídas à pessoa, desconsiderando qualquer interferência de fatores externos. É uma abordagem normalizadora, que rotula os indivíduos como inaptos e ignora as estruturas sociais que impedem sua participação na sociedade.

 

Estudantes e educadoras estão sentados em roda na sala de aula durante atividade com o material pedagógico acessível fogão musical. Fim da descrição.
Foto: Paulo Fehlauer. Fonte: Instituto Rodrigo Mendes

A superação das barreiras atitudinais pode ser auxiliada por cursos de formação continuada em educação inclusiva. Neles, é sugerida a utilização do modelo social da deficiência. Esse modelo compreende que a deficiência está na interação da pessoa com algum impedimento com as barreiras sociais que lhe são impostas. No que diz respeito às unidades de ensino, seria sua responsabilidade se transformar para garantir o acesso, a permanência e a aprendizagem de todos.

Conforme mostrou um artigo publicado no DIVERSA, por muito tempo se pensou que a educação das pessoas com deficiência deveria ocorrer de forma separada, isto é, fora do sistema educacional comum. Esse paradigma segregador e discriminatório de ensino foi progressivamente substituído pelo paradigma da inclusão.

Deve-se ressaltar que, no Brasil, existem marcos legais que asseguram a matrícula de todas as crianças, adolescentes e jovens, sem exceção, na classe comum. Quando necessário, estudantes podem ser acompanhados por serviços de apoios especializados. Esses marcos são a Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência (2006), a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) e a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) (2015).

Construindo ambientes inclusivos

Recentemente, ao comentar o Relatório de Monitoramento da Educação Global (GEM) de 2020, Audrey Azoulay, diretora-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), afirmou que a educação inclusiva deve ser um direito “não negociável” para todas as crianças.

Sob essa perspectiva, as diferenças humanas em sala de aula devem ser vistas como a força impulsionadora da escola. Há ganhos de aprendizagem em ambientes heterogêneos. Isso ocorre porque, em ambientes inclusivos, estudantes e educadores podem desenvolver ao máximo seu potencial.

Para tanto, é preciso que todos os atores envolvidos no processo de ensino e aprendizagem e no território escolar sejam engajados na transformação. Tanto as políticas públicas e seus gestores, os projetos político-pedagógicos (PPP) e gestores educacionais, educadores regentes e de AEE e suas metodologias e materiais, estudantes, suas famílias e a comunidade ao redor da escola têm um papel fundamental na construção de ambientes inclusivos, acolhedores e que provam uma educação equitativa de qualidade.

As escolas inclusivas são resultado de um processo que implica a transformação da cultura, das práticas e das políticas vigentes na escola e nos sistemas de ensino. Implica, portanto, a superação de barreiras que impossibilitam o aprendizado de todas e de todos os estudantes. Nos ambientes escolares inclusivos, estão pressupostos a igualdade de oportunidades e a valorização das diferenças humanas.

Leia mais

+ Salas de Recursos Multifuncionais: marcos normativos
+ Atendimento educacional especializado (AEE): pressupostos e desafios


Karolyne Ferreira é pesquisadora assistente do Instituto Rodrigo Mendes. Bacharel e licenciada em Geografia e mestre em ciências pela Universidade de São Paulo (USP).  

Luiza Corrêa é coordenadora de advocacy do Instituto Rodrigo Mendes. Possui mestrado e doutorado em direito pela Universidade de São Paulo (USP) e é especialista em desenho instrucional pelo SENAC.   

Gustavo Taniguti é coordenador de pesquisas do Instituto Rodrigo Mendes. Possui mestrado e doutorado em sociologia, realizou estágios de pesquisa nos Estados Unidos e na França e foi professor do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG).   

©️ Instituto Rodrigo Mendes. Licença Creative Commons BY-NC-ND 2.5. A cópia, distribuição e transmissão dessa obra são livres, sob as seguintes condições: você deve creditar a obra como autoria de Karolyne Ferreira, Luiza Corrêa e Gustavo Taniguti e licenciamento pelo Instituto Rodrigo Mendes e DIVERSA. 

Deixe um comentário