Estratégias pedagógicas acessíveis para o ensino de física

É comum ouvir de estudantes de licenciatura e docentes que “a física é uma ciência muito visual” (VERASZTO, 2018). A definição de fenômeno pode justificar tal fato. Segundo Bello (2006), fenômeno – phainomenon – tem sua origem etimológica na língua grega e significa “aquilo que se mostra”. 

O objeto mostrado, entretanto, sempre é observado por um sujeito, que o percebe segundo seus interesses. Esse argumento pode explicar o fato de a identidade visual aproximar videntes entorno de representações conceituais e experimentos físicos observados visualmente, além de também justificar, em partes, a exclusão de estudantes com deficiência visual de ambientes de ensino (CAMARGO, 2016), pois um fenômeno físico sempre será definido socialmente segundo a relação entre objeto e interesse social de sujeitos em percebê-lo. 

Em um acompanhamento a licenciandos em física em estágio supervisionado, eles foram desafiados a planejarem e lecionarem para uma sala de aula que continha 35 alunos videntes e 2 estudantes cegos (CAMARGO, 2012). Os licenciandos se envolveram com a situação educacional por meio da ideia da especificidade. A princípio, eles não perceberam que existem elementos do material instrucional que devem e precisam ser considerados comuns entre estudantes com e sem deficiência visual.

Saiba mais 

+ Criatividade a favor de uma educação inclusiva de qualidade
+ Dia do químico: confira como tornar a disciplina inclusiva

Pode ser utilizado o “modelo quarenta mais um” (CAMARGO, 2012) para entender a situação acima exposta. Segundo esse modelo, o “quarenta” diz respeito à média de alunos videntes de uma classe, o um ao estudante com deficiência visual, e a soma à ideia de que esse último não pertence à aula, como se o docente tivesse um trabalho adicional. 

O modelo explica o seguinte problema do professor de física: quando ele fica sabendo que terá um discente cego ou com baixa visão em sua classe, avalia que terá que construir dois materiais, dois experimentos ou preparar duas aulas.

Experimentos multissensoriais

Considerando as dificuldades destacadas, é possível propor alternativas parciais para superá-las e contribuir para a inclusão de estudantes cegos ou com baixa visão em aulas de física. Confira, na sequência, duas maquetes e um experimento multissensorial (SOLER, 1999).

Representação das linhas de força de um campo elétrico de um portador pontual de carga elétrica positiva. A maquete contém escrito em sua base, em tinta e braile: representação das linhas de campo elétrico de uma carga pontual positiva.
Figura 1. Fonte: arquivo pessoal.

 

Representação das linhas de força de um campo elétrico de um portador pontual de carga elétrica negativa. A maquete contém escrito em sua base, em tinta e braile: representação das linhas de campo elétrico de uma carga pontual negativa.  
Figura 2. Fonte: arquivo pessoal.

As maquetes 1 e 2 descrevem, respectivamente, os portadores esféricos de carga elétrica positiva (figura 1) e negativa (figura 2) e as linhas de força dos campos elétricos por eles gerados.

(…) o campo elétrico é uma ideia abstrata. Um corpo carregado eletricamente altera a região em que ele se encontra, mas não é possível ver essa alteração, o que tornaria mais fácil entender como ocorre interação elétrica entre corpos carregados. Por essa razão, os físicos utilizam o conceito de linhas de campo ou linhas de força, criado por Faraday (1791- 1867) que é a forma de dar a uma ideia abstrata uma configuração concreta.
GASPAR, 2009 a, PG 35

 Esfregue uma bexiga em seus cabelos e em seguida a aproxime de fragmentos de papel. Note que os pedaços de papel grudarão na bexiga devido ao processo de eletrização iniciado pelo atrito.  Nesse momento, a bexiga ficou carregada negativamente, ou seja, com mais elétrons do que prótons.   

Todo corpo é formado de átomos. O átomo é constituído por partículas menores: os prótons, que possuem carga elétrica positiva; os elétrons, com carga elétrica negativa; e os nêutrons, partículas neutras.

(…) A ideia do átomo como constituinte elementar da matéria tornou-se definitivamente aceita desde o início do século XX. E, com ela, a convicção de que a eletricidade é uma propriedade de partículas elementares que compõe o átomo: os elétrons, partículas que contém a carga elementar, negativa, dispostas em camadas que se assemelham a nuvens envolvendo o núcleo do átomo e os prótons, partículas de carga elétrica positiva, localizadas no núcleo.
GASPAR, 2009 b, PG 8

Um conceito físico muito importante representado pelas maquetes 1 e 2 é o de linhas de força do campo elétrico. Ambas as maquetes são multissensoriais, uma vez que permitem observações táteis e visuais das representações de suas componentes: linhas de força (direção e sentido), esfera que simboliza o portador de carga e sinais de mais ou menos que indicam a carga elétrica do portador. 

Leia também
+ Estudantes do ensino médio criam kit para ensinar física a colega cego
+ Projeto “Óptica com ciência” propõe formar estudantes investigadores 

 As cores são importantes para que estudantes videntes ou com baixa visão identifiquem as características conceituais descritas. Em outras palavras, em atividades de ensino que contenham estudantes cegos, com baixa visão e videntes, será possível a realização de observações táteis e visuais ou somente tátil.  

As maquetes acima descritas foram impressas em impressora 3D. Contudo, também podem ser construídas com esfera de isopor, palitos de churrasco, papelão e cola. Elas ainda contêm dizeres em tinta e em braile, para que todos os estudantes possam acessar informações conceituais. 

Outro exemplo de material pedagógico acessível é o experimento “lançamento oblíquo” (figura 3). Esse fenômeno é descrito de forma multissensorial, pois se mostra ao observador por meio da visão e do tato.

Parábolas de jatos d´água com ângulos 100 e 800.
Figura 3. Fonte: arquivo pessoal.

A observação tátil se dará por toques sucessivos nos jatos d’agua. O material permite ao estudante acessar as parábolas d’agua, comparar as distâncias horizontais, concluir que ambas são as mesmas para ângulos complementares, comparar as alturas máximas de cada curva e verificar que o alcance horizontal será máximo quando o ângulo de lançamento for de 45º etc. 

A presença do aluno com deficiência visual em sala de aula comum é condição necessária, mas não suficiente para sua inclusão escolar. Além da presença, o material didático, os processos de avaliação, a comunicação entre docente e discentes e a metodologia de ensino devem se transformar para permitir a participação efetiva dos estudantes cegos ou com baixa visão.  

No livro “Educar para transformar o mundo”, organizado por Sílvia Ester Orrú e Enrico Bocciolesi, há uma proposta de metodologia de ensino de física comum entre alunos com e sem deficiência visual.

Educação inclusiva de fato 

O emprego de maquetes e experimentos tátil-visuais junto a estudantes cegos, com baixa visão e estudantes videntes proporciona condições de inclusão no ensino de física. E é pela participação efetiva do estudante nos processos de ensino e aprendizagem que se avalia sua inclusão. 

É central que a perspectiva inclusiva descrita seja trabalhada junto à docentes e futuros professores de física. Assim, poderão reconhecer nas relações sociais da sala de aula elementos da dialética identidade/diferença entre alunas e alunos com e sem deficiência visual. 

Docentes percebem identidade entre os alunos mencionados, aproximando-os por meio da atividade de ensino, composta pelo método e pelos materiais, que apresenta o fenômeno ou sua representação de forma multissensorial. Em outras palavras, o processo formativo com os materiais multissensoriais e as discussões poderão se dar para que seus participantes reconheçam que, em sala de aula, alunos não são constituídos pelas relações polares de identidade ou diferença, e sim por uma dinâmica dialética de aproximação.


Referências 

BELLO, A. A. Introdução à fenomenologia. Bauru, São Paulo: Edusc, 2006. 

CAMARGO, E.P. Metodologia de ensino de física inclusiva: O comum e o específico entre alunos com e sem deficiência visual. In: Educar para transformar o mundo:  inovação e diferença por uma educação de todos e para todos.  Orrú, Sílvia Ester; Bocciolesi, Enrico (ORG). 1ed. Campinas –SP: Librum Editora, 2019 

CAMARGO, E.P.  Inclusão e necessidade especial: compreendendo identidade e diferença por meio do ensino de física e da deficiência visual.   São Paulo: Editora Livraria da Física, 2016. p. 256.  

CAMARGO, E.P.  Saberes docentes para a inclusão do aluno com deficiência visual em aulas de física: 1° ed. São Paulo: UNESP Editora, 274 p. 2012. 

GASPAR, A. Campo Elétrico. In: Física III: Eletromagnetismo e física moderna. São Paulo, 2 ed, Ática, 2009 a, 352p. 

GASPAR, A. Introdução à eletricidade. In: Física III: Eletromagnetismo e física moderna. São Paulo, 2 ed, Ática, 2009 b, 352p. 

SOLER, M. A. Didáctica multisensorial de las ciencias. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 1999. 

VERASZTO, E. V.  Conceitualização em ciências: um estudo com alunos de licenciaturas em Física, Química e Biologia. Relatório de pós-doutorado, UNESP, 2018.


Eder Pires de Camargo é doutor pela Faculdade de Educação da UNICAMP. É mestre e licenciado em Física pela UNESP de Bauru. É Professor do Departamento de Física e Química da UNESP de Ilha Solteira.
E-mail: eder.camargo@unesp.br 

  

Mário Pinto Carneiro Junior é licenciado em Matemática pela UFMS. É mestre pelo PROFMAT. Trabalha como Assistente de Suporte Acadêmico II, pelo Departamento de Física e Química da UNESP de Ilha Solteira.
E-mail: mario.carneiro@unesp.br


Este artigo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Instituto Rodrigo Mendes.

©️ Instituto Rodrigo Mendes. Licença Creative Commons BY-NC-ND 2.5. A cópia, distribuição e transmissão dessa obra são livres, sob as seguintes condições: você deve creditar a obra ao seu autor, sendo licenciada por Instituto Rodrigo Mendes e DIVERSA. 

2 Comentários

Deixe um comentário