
Em primeiro de maio foi comemorado o Dia do Trabalho, ou Dia do Trabalhador. Nessa data, a reflexão sobre a participação das pessoas com deficiência no mercado de trabalho sempre vem à tona, uma vez que essa população não tem oportunidades de conseguir um emprego em situação de igualdade com as demais pessoas, seja por falta de acessibilidade, acesso à formação ou ensino superior, ou por preconceito.
A legislação brasileira, conforme a Lei Nº 8.213/91, afirma que as empresas devem empregar de 2% a 5% pessoas com deficiência, variando conforme a quantidade total de funcionários do quadro. Contudo, dados de 2019 disponibilizados na publicação “Pessoas com deficiência e as desigualdades sociais no Brasil”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que a cada dez pessoas com deficiência que buscavam emprego, sete estavam desempregadas.
“Infelizmente, as pessoas com deficiência acabam tendo grandes dificuldades ao longo da vida, impactando negativamente os processos de formação escolar e capacitação para o trabalho. O segredo da inclusão é a capacitação!”, afirma Cid Torquato, CEO do ICOM Libras e advogado.
Uma vez que a escola comum deve ser um espaço de desenvolvimento de habilidades, potencialidades e de respeito à diversidade, a equipe do DIVERSA conversou com pessoas com deficiência para saber como a educação inclusiva apoia a entrada desse grupo no mercado de trabalho.
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Os entrevistados foram a professora, pesquisadora e autora dos livros “Favorecendo a Inclusão Pelos Caminhos do Coração”, “Práticas de aprendizagem integradoras e inclusivas” e “O voo da águia – Uma autobiografia”, Maria Dolores Alves; o psicólogo e jornalista Emílio Figueira, autor dos livros “As Pessoas Com Deficiência na História do Brasil” e “Psicologia e Inclusão – Atuações psicológicas em pessoas com deficiência”; e Cid Torquato.
Confira as entrevistas na íntegra:
- Conte um pouco sobre sua experiência em relação ao mercado de trabalho.
Maria Dolores: A minha experiência em relação ao mercado de trabalho foi bastante frustrante. Quando terminei a graduação, fiz alguns processos seletivos para entrar no mercado de trabalho, todavia alguns não me aceitavam por conta da minha limitação física e outros não me aceitavam por formação além do que o mercado tinha vagas de oferta. Havia vagas para telefonista e atendente, e eu já tinha formação superior e pós-graduação.
Depois entrei em concursos públicos e passei em vários. Em alguns tive experiências bem negativas, em que não queriam me aceitar por conta da minha deficiência, em outros tive que solicitar judicialmente, solicitar apoio do Ministério Público, porque as escolas não estavam acessíveis.
Hoje eu trabalho em uma universidade federal, mas também necessitei de apoio para que os devidos ajustes e adequações fossem feitos na arquitetura da instituição e até mesmo no modo como tratam as pessoas com deficiência.
Cid: Depois que quebrei o pescoço e fiquei tetraplégico, trabalhei oito anos na Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, mais quatro anos na Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo e, agora, estou como CEO do ICOM Libras.
Acabei não precisando passar por processos de seleção, já que minhas contratações se deram a partir de convites, mas acompanho o drama de muitas pessoas com deficiência que, infelizmente, não conseguem entrar no mercado de trabalho.
- Em alguma etapa de sua vida escolar, seja no ensino fundamental, médio ou no ensino superior, você teve alguma orientação profissional?
Emílio: Eu estudei a mais de quarenta anos atrás. Naquela época existiam vários cursos profissionalizantes. Por volta dos doze, treze anos, a gente já começava aprender um ofício. Em sua maioria trabalhos manuais. No que hoje é chamado de ensino médio, a gente se formava em contabilidade, magistério, por exemplo. Existiam várias profissões ensinadas por institutos por correspondências, o quais foram os percussores do que hoje chamamos de ensino a distância. Havia até o curso de jornalismo técnico, no qual me formei, em 1983, e iniciei minha vida profissional.
No passado, a formação acadêmica universitária era algo restrito a poucas pessoas. E, quem conseguia, fazia quatro ou cinco anos de uma faculdade e, em cima deles, a pessoa desenvolvia toda a sua carreira. Nem sequer discutíamos mercado de trabalho. Diferente de hoje, que as pessoas se formam e já entram em um constante círculo de aperfeiçoamento, reciclagens.
- Qual a importância da inclusão escolar considerando, posteriormente, a inserção da pessoa com deficiência nas empresas?
Emílio: A inclusão escolar é fundamental para promover a igualdade de oportunidades para pessoas com deficiência, permitindo que elas adquiram as habilidades e conhecimentos necessários para se tornarem membros produtivos da sociedade. Quando essas pessoas se entrelaçam no mercado de trabalho, a inclusão se torna ainda mais importante, pois as empresas podem se beneficiar de uma força de trabalho compartilhada, que traz diferentes perspectivas e habilidades. Mais do que um imperativo ético e legal, essa inclusão no ambiente de trabalho constrói o relacionamento entre todos de forma natural, pode melhorar a autoestima e a qualidade de vida das pessoas com ou sem deficiência, além de contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.
Maria Dolores: Normalmente a pessoa que passa pela inclusão escolar já tem consciência maior de seus direitos, já teve um primeiro impacto com o mundo, de ser aceito ou enfrentar as condições de acesso, o capacitismo, e todas as questões, então normalmente essa pessoa já tem uma inserção social considerável e, quando for para a empresa, já vai ter consciência de ser deveres e direitos, e das condições que vai enfrentar. É muito importante que as escolas possam ofertar mais conhecimentos para quando as pessoas com deficiência entrarem no mercado de trabalho.
Cid: Precisamos evoluir com a educação inclusiva. Ainda falta muita capacitação de professores, além dos recursos tecnológicos assistivos fundamentais para garantir a plena participação de todos. As pessoas com deficiência não podem ter déficits de aprendizagem, o que ocorre hoje em grande medida. A educação inclusiva é o principal caminho para a equidade.
- De que forma a igualdade de oportunidades pode ser trabalhada na escola?
Emílio: Valorizar a diversidade é um dos pontos-chave para promover a igualdade de oportunidades na escola. Isso implica em reconhecer a existência de diferentes culturas, etnias, origens sociais e individuais, e em promover atividades que incentivam a compreensão e o respeito pelas diferenças. Dessa forma é possível criar um ambiente mais inclusivo e acolhedor para todos os alunos, independentemente de suas características pessoais.
A valorização da diversidade pode ser trabalhada por meio de atividades que promovem o diálogo e o debate, a valorização de diferentes culturas e histórias, a celebração de datas comemorativas de diferentes etnias e a promoção de projetos de inclusão e diversidade. É importante que a escola se comprometa com essa tarefa.
Maria Dolores: A igualdade de oportunidades pode ser trabalhada na escola exatamente esclarecendo às pessoas com deficiência, à sociedade e à comunidade escolar no geral dos direitos das pessoas com deficiência. Deve ser ofertado a ela todos os recursos e aparatos necessários que ela tem direito para que, igualitariamente, possa entrar no mercado de trabalho e cumprir com suas tarefas com o máximo de qualidade possível.
O mais interessante é que não basta ter leis e cotas se não houver consciência. Aquela pessoa é um ser como outro da sociedade, que pode contribuir tanto quanto ou melhor. É um dever social como humano trazer todas as pessoas para todos os espaços.
- Qual a principal barreira para que pessoas com deficiência consigam um emprego? Como essa barreira pode ser eliminada?
Emílio: Muitas empresas ainda têm preconceitos em relação às pessoas com deficiência, acreditando que elas são menos capazes ou menos produtivas do que outras pessoas. Ou muitas empresas não estão preparadas para receber e acomodar as necessidades específicas dessas pessoas, o que pode afetar a sua acessibilidade e inclusão no ambiente de trabalho.
Para eliminar essa barreira, é fundamental que as empresas se conscientizem da importância da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Basicamente isso pode ser feito por meio de campanhas de conscientização, treinamentos para gerentes e equipes de recursos humanos, além da implementação de políticas inclusivas. A empresa pode, por exemplo, oferecer a instalação de rampas de acesso, elevadores, ou a contratação de intérpretes de Libras para pessoas surdas.
Outra forma de eliminar essa barreira é por meio de políticas públicas que incentivam a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, como a oferta de incentivos fiscais para empresas que contratem pessoas com deficiência. Em outra frente disso, é importante que o Estado apoie programas de formação e capacitação profissional para essas pessoas, a fim de ampliar suas possibilidades de inserção no mercado de trabalho.
- Qual a sua opinião em relação à lei de cotas na contratação?
Cid: A Lei de Cotas é fundamental no processo de inclusão laboral das pessoas com deficiência. Temos que intensificar a fiscalização e punição de quem não a cumpre, mas, ainda mais importante, como já mencionado, é conscientizarmos as pessoas com deficiência sobre a grande necessidade de se capacitarem, se possível, ainda mais que seus colegas sem deficiência.
Emílio: Essa lei é um passo importante para a promoção da inclusão e da igualdade de oportunidades no mercado de trabalho. Isso garante que as pessoas com deficiência tenham a oportunidade de competir em igualdade de condições por vagas no mercado de trabalho. A partir disso, a lei de cotas tem resultados positivos.
Segundo dados do Ministério da Economia, entre 2012 e 2020, o número de trabalhadores com deficiência contratados por meio da lei de cotas cresceu 161%. Em 2020, foram contratadas mais de 70 mil pessoas com deficiência por meio dessa lei.
Ela não só promove a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, mas também traz benefícios para as empresas. Diversos estudos mostram que a diversidade no ambiente de trabalho contribui para a inovação, a criatividade e a resolução de problemas de forma mais eficaz. Empresas que investem em inclusão tendem a ter uma imagem positiva perante a sociedade e atraem clientes e investidores que valorizam a diversidade.
- Você acredita que a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) tem sido suficiente para garantir a inclusão no mercado de trabalho?
Cid: Para que a LBI tenha impacto real é necessário que ela seja regulamentada. Sem a regulamentação, a LBI é letra “dormente”. O direito está lá, mas não é possível materializá-lo. Essa é uma das grandes prioridades em termos de movimento político das pessoas com deficiência no Brasil. A regulamentação representará um enorme avanço para que todos os direitos das pessoas com deficiência sejam de fato exercidos.
Emílio: Embora a Lei Brasileira de Inclusão seja um marco importante para garantir a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, acredito que ainda há muito a ser feito para que essa inclusão seja plena e efetiva. É necessário trabalhar não apenas na implementação da lei, mas também em ações inclusivas na sociedade como um todo, para que a convivência natural entre todos seja promovida.
Entre as políticas públicas que precisam ser aprimoradas ou integradas para que o cenário mude, destaco a necessidade de investimentos em educação inclusiva de qualidade desde a infância, garantindo a formação de pessoas capacitadas para atuar em empresas inclusivas. É fundamental o estímulo à formação profissional de pessoas com deficiência e a criação de políticas públicas de incentivo à contratação dessas pessoas. É fundamental que haja um monitoramento rigoroso do cumprimento da lei de cotas por parte das empresas.
Acredito que é preciso trabalhar na conscientização e sensibilização da sociedade como um todo, para que a inclusão de pessoas com deficiência seja vista como uma responsabilidade de todos, e não apenas das empresas ou do Estado. No entanto, é importante lembrar que as pessoas com deficiência não devem ser vistas apenas como uma forma de cumprir cotas ou obter benefícios fiscais, mas sim como profissionais protegidos e competentes.
As empresas devem promover a inclusão de forma efetiva, oferecendo às pessoas com deficiência oportunidades de competirem de iguais por iguais. Por fim, é importante destacar que as pessoas com deficiência têm as mesmas responsabilidades que as demais pessoas no ambiente de trabalho, e devem ser tratadas com respeito e segurança. A inclusão no mercado de trabalho não deve ser vista como uma forma de caridade, mas sim como uma forma de promover a justiça social e a igualdade de oportunidades para todos.
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