Criar estratégias para que todas as crianças da Escola Municipal Professora Adelina Fernandes, em Natal (RN), aprendessem e jogassem xadrez parecia uma tarefa impossível para nossa equipe de educadores. Mas com a participação da unidade no curso de educação física inclusiva Portas Abertas, do Instituto Rodrigo Mendes, criamos a segurança necessária para nos arriscarmos nessa iniciativa. Assim, ao longo da formação, desenvolvemos um projeto de jogos de tabuleiro com as turmas de 4º e 5º ano da escola, no qual estudantes com e sem deficiência participaram juntos das atividades propostas.
O vídeo está disponível com recursos de acessibilidade em Libras e audiodescrição.
Localizada na zona norte da cidade, em um bairro de classe baixa, a unidade atendia cerca de 815 alunos do ensino fundamental na época do projeto. Desse total, 18 faziam parte do público-alvo da educação especial e recebiam atendimento educacional especializado (AEE) com o professor da sala de recursos multifuncionais (SRM). Transtorno do espectro autista (TEA), Síndrome de Down e deficiências intelectual e física eram as especificidades presentes no ambiente escolar.
Devido à complexidade das regras, a maioria de nossos estudantes desconhecia o xadrez. E apresentá-los diretamente ao jogo, revelando logo de início os movimentos de peças como o bispo e cavalo poderia desanimá-los. Por isso, optamos por uma estratégia de estimular o raciocínio lógico dos alunos em progressão, usando atividades pré-enxadrísticas como jogo da velha, jogo da vida e outros jogos de tabuleiro que funcionaram como facilitadores do processo de aprendizagem. O planejamento das atividades aconteceu durante reuniões semanais realizadas entre nós, os representantes da escola no Portas Abertas: os professores de educação física e do AEE e a coordenadora pedagógica.
Os jogos de tabuleiro
A primeira atividade de tabuleiro realizada foi o jogo da velha. Em duplas, as crianças desenharam a estrutura básica e preencheram alternadamente os espaços até completarem uma linha, coluna ou diagonal. Depois, a brincadeira foi ampliada e passou a acontecer sobre a mesa, com figuras recortadas de cartolina.
Versões gigantes das atividades foram usadas como estratégia para adicionar ludicidade e não limitar o projeto ao espaço da sala de aula. O jogo da velha, por exemplo, também foi praticado no chão da quadra. Em uma primeira tentativa, montamos o esquema com bambolês no chão e usamos dez garrafas PET parcialmente cheias de água para que o vento não as derrubasse. Como alguns estudantes demonstraram dificuldades com os arcos, optamos por montar as linhas horizontais e verticais com fita crepe. O desafio extra foi adicionar a corrida como elemento da brincadeira: com as garrafas afastadas da estrutura, as duplas deveriam correr até as peças para colocá-las nos espaços.
Em seguida, praticamos o jogo da vida. Para simular o tabuleiro, dispusemos placas de EVA pela quadra, formando uma trilha. Em algumas dessas “casas”, colamos folhas de papel com instruções como “avance uma casa” e “volte ao início”. Na prática da brincadeira, os alunos arremessavam um dado gigante (criado a partir de uma caixa de papelão embrulhada) e andavam o respectivo número de casas, respeitando as orientações que encontravam no caminho.
Xadrez: dos peões ao xeque-mate
Por fim, chegamos ao xadrez. Nossa primeira ação foi desenvolver uma aula teórica, onde apresentamos a história do jogo, seu objetivo e suas peças. O professor de educação física usou um quadro magnético para mostrar o tabuleiro. Para aprender o movimento do cavalo, o mais complicado, as crianças foram estimuladas a encontrar desenhos, números e letras nas fileiras, colunas e diagonais do quadro, até que conseguissem visualizar o “L”.
Em seguida, os estudantes realizaram as primeiras partidas, usando apenas os peões. Vencia quem conseguisse levar uma de suas peças até a última linha do lado oposto. Na versão também com as torres, o objetivo era capturar os peões do adversário. Bispos, cavalos, rainha e rei foram sendo acrescentados aos poucos, até que o jogo ficasse completo. Para não desmotivar quem aprendia mais rápido, o desafio extra foi o jogo com quatro jogadores. Em virtude do grau de dificuldade, essa versão do xadrez teve as regras flexibilizadas – ao invés de vencer quem desse o primeiro xeque-mate, bastava ameaçar o rei.
Na versão do xadrez gigante montado na quadra, os estudantes tiveram outra perspectiva dos movimentos. Sobre um tabuleiro feito de napa, eles caminhavam pelas casas. Cada criança “interpretava” uma das peças.
Resultados e continuidade
Luís, nosso aluno com Síndrome de Down, saiu-se muito bem nos jogos de tabuleiro e desenvolveu bons conhecimentos sobre o xadrez. As aulas teóricas despertaram nele um forte interesse por assuntos relacionados à Idade Média, como castelos, batalhas e a lenda dos cavaleiros da Távola Redonda. Segundo seu pai, em casa, o garoto demonstrou muita empolgação com o que acontecia na escola.
As turmas adoraram as atividades e ficavam entusiasmadas quando o professor de educação física chegava com os tabuleiros. Os próprios estudantes ensinavam os movimentos e regras uns aos outros, com muita paciência, e jogavam juntos, em esquema de rodízio. Nossa pretensão é expandir a iniciativa para as outras classes nos próximos anos.
Projeto participante do curso Portas Abertas para a inclusão 2015 Site externoSite externoSite externoSite externoSite externo. Esta experiência faz parte da Coletânea de práticas 2015 Site externoSite externoSite externoSite externo.