Com jogos desportivos e lúdicos, educadores mostram inclusão na prática e inspiram seus colegas

Encorajar nossos professores a adotarem estratégias educacionais inovadoras dando o exemplo na prática. Esse foi um dos objetivos do projeto de jogos desportivos e lúdicos desenvolvido na Escola Municipal Nova do Bairro da Paz, em Salvador (BA). Durante nossa participação no curso Portas abertas para a inclusão 2015, do Instituto Rodrigo Mendes (IRM), constatamos que os educadores da unidade se apoiavam no discurso da falta de capacitação e não buscavam meios para incluir os estudantes com deficiência. Mas ao realizarmos aulas simples, sem recursos mirabolantes, e nas quais todas crianças participaram juntas, mostramos à nossa equipe docente que a principal barreira para a inclusão escolar está nas atitudes e que bastam pequenos ajustes para criar atividades para todos.

O vídeo está disponível com recursos de acessibilidade em Libras e audiodescrição.

A Escola Municipal Nova do Bairro da Paz está localizada uma comunidade de baixa renda da capital baiana. Os moradores, em sua maioria, realizam trabalhos informais como ambulantes, feirantes, empregadas domésticas, pedreiros etc. e têm baixo nível de escolaridade. Na época de realização do projeto, a unidade oferecia educação infantil, ensino fundamental I e educação de jovens e adultos (EJA) para cerca de 1.000 alunos.

Ao realizar os jogos desportivos e lúdicos com os estudantes, tínhamos como proposta desenvolver as habilidades motoras, a noção espacial e a percepção do próprio corpo. Além disso, as atividades favoreceram a interação e a internalização de regras. Sete turmas do 1º ao 3º ano participaram do projeto, em um total de 179 crianças. Dessas, 12 possuíam alguma deficiência.

 

Mapeamento e formação

Nosso primeiro passo foi entrevistar professores da sala de aula regular e familiares para traçar o perfil dos alunos com deficiência, mapear suas necessidades educacionais e planejar atividades que os levassem a superar suas dificuldades. Identificamos entre as classes de 1º ano um garoto com transtorno do espectro autista (TEA) e deficiência intelectual que enfrentava barreiras para a interação social e compreensão de instruções. Outros dois meninos com deficiência intelectual tinham dificuldades de atenção. No 2º ano, uma estudante com Síndrome de Down e outro com Síndrome de Prader-Willi demonstravam ter dificuldades de coordenação motora. Por fim, uma garota com microcefalia enfrentava um grande bloqueio para interagir.

Em uma segunda etapa, criamos um encontro formativo com todos os educadores da escola. Eles foram apresentados ao projeto de jogos desportivos e lúdicos e participaram de uma oficina sensorial que os sensibilizou para a questão da inclusão escolar. Vendados, eles identificaram objetos por meio do tato e os descreveram para que os demais, também vendados, pudessem adivinhar. Durante a discussão promovida após a atividade, os docentes perceberam a importância de criar ambientes que favoreçam a comunicação quando um dos sentidos está ausente.

Ao término do encontro, definimos que iríamos criar brincadeiras mais inclusivas para a festa junina da escola. No dia da festividade, então, realizamos a “pescaria da inclusão” em atenção a uma de nossas crianças que é cega e tem autismo. Na atividade, os alunos entravam em uma piscina de bolas de olhos vendados e tentavam localizar entre diversos bichos de pelúcia aqueles que eram peixes. Na sala de recursos multifuncionais (SRM), o atendimento educacional especializado (AEE) trabalhou antecipadamente com a exploração tátil dos animais de brinquedo. Todos demonstraram grande interesse pela brincadeira.

 

Os jogos desportivos e lúdicos 

Por fim, realizamos os jogos desportivos e lúdicos, que receberam esse nome por envolverem de forma recreativa elementos relacionados aos esportes. Promovemos também atividades sensoriais, que trabalharam fundamentos como ritmo, percepção do espaço, equilíbrio etc. Foram praticadas os seguintes jogos:

Revezamento com bexigas
Tipo: desportivo e lúdico
Descrição: divididos em duas filas, os alunos corriam até um determinado ponto, onde se sentavam sobre as bexigas que carregavam até que estourassem. Depois, eles retornavam a sua fileira, dando vez ao próximo.

Revezamento com jornal
Tipo: desportivo e lúdico
Descrição: em duas filas, os estudantes colocavam um jornal na região do tórax, corriam até uma marcação e retornavam. O desafio era sustentar a folha sem segurá-la com as mãos, mas com o atrito do vento contra o corpo.

Escravos de Jó
Tipo: sensorial
Descrição: as crianças sentavam-se em círculo no chão, segurando uma bexiga cada. Então, cantarolavam a música da brincadeira “Escravos de Jó” e passavam a bexiga para o colega ao lado, conforme o ritmo da cantiga.

Ponte de jornal
Tipo: desportivo e lúdico
Descrição: divididos em duas filas, os alunos recebiam dois jornais cada. Eles deviam, então, atravessar o pátio, pisando um pé de cada vez sobre um dos papéis.

Pato-ganso com bola
Tipo: desportivo e lúdico
Descrição: um estudante caminhava ao redor dos demais, que estavam sentados em círculo no pátio e de olhos fechados. Ele, então, escolhia alguém da roda e colocava a bola atrás. O escolhido deveria pegar a bola e correr atrás do colega para acertá-lo antes que se sentasse no lugar vazio. Para aumentar o grau de dificuldade, colocamos uma segunda bola na brincadeira. O desafio era seguir o jogador certo.

Passeio na escuridão
Tipo: sensorial
Descrição: as crianças foram divididas em duplas. Uma delas ficava vendada e o outra não. Elas deveriam realizar um determinado percurso juntas. Depois, trocavam os papéis. Ao término fizemos uma roda de conversa sobre a experiência.

Iniciação ao basquete
Tipo: desportivo e lúdico
Descrição: nessa atividade de iniciação ao basquetebol, os alunos deslocavam-se pela quadra batendo a bola no chão e trocando passes entre si. Em um segundo momento, eles formavam um círculo de pé. O jogador com a bola lançava-a para cima e chamava um colega, que deveria correr até o centro para agarrá-la.

Iniciação ao voleibol
Tipo: desportivo e lúdico
Descrição: posicionados sobre marcações no chão, os estudantes de um mesmo time trocavam passes entre si e jogavam a bola sobre a rede em direção à quadra adversária. Todos jogadores de uma mesma equipe deveriam participar da jogada antes do arremesso. Era permitido segurar a bola com as duas mãos antes do passe e não somente tocá-la.

 

Avaliação das ações

Na atividade “ponte de jornal”, muitas crianças começaram a puxar as folhas com os pés. Quando isso acontecia, a brincadeira era interrompida para relembrar a regra. Decidimos, também, repeti-la de forma mais simples, pois os alunos estavam se cansando muito. Já na conversa após o “passeio na escuridão”, eles relataram terem sentido medo de cair, de esbarrar em algum obstáculo ou se machucar e reconheceram a importância de ajudar pessoas que não enxergam. Por fim, percebemos que na iniciação ao basquete realizada em uma das turmas de 3º ano, os estudantes chamavam sempre os mesmos colegas, pois não sabiam o nome de todos. Estabelecemos, então, a regra de que não poderiam repetir um mesmo amigo. Assim, eles passaram a se esforçar para incluir os demais.

Durante todo o projeto, educação física e atendimento educacional especializado (AEE) trabalharam juntos. No início de cada aula, o professor da disciplina discutia a proposta do dia com as crianças incluía suas sugestões nas atividades, pois elas se envolviam mais nos jogos quando contribuíam para sua construção. Nas primeiras aulas, um dos estudantes com autismo corria aleatoriamente em vez de participar das brincadeiras. Seus colegas, ao perceberem que gostava de bola, encontraram uma forma de inseri-la nos jogos, o que o motivou.

Avaliamos que a experiência foi muito positiva. Foi possível atingir o objetivo, ainda que parcialmente. Alguns professores passaram a buscar o AEE para planejar as possibilidades de intervenção em sala de aula. Outros, contudo, ainda se mostram reticentes com relação à proposta de trabalho conjunto. Acreditamos que seria necessário realizar mais encontros de formação com os educadores, envolvendo também estudantes, familiares e funcionários. Nossa intenção é dar continuidade à iniciativa, inserindo-a no projeto político-pedagógico (PPP) da escola.

 

Projeto participante do curso Portas abertas para a inclusão 2015. Esta experiência faz parte da Coletânea de práticas 2015.

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