Como desenvolvi a alfabetização de estudantes com projeto antibullying

Com estímulo à autoestima, educadora desenvolve respeito às diferenças, estreita laços e facilita aprendizagem de estudantes

Recém-chegada na Escola Municipal Carlos Drummond de Andrade, em Duque de Caxias (RJ), em 2019, logo fui avisada de que uma das turmas de 3º ano do ensino fundamental havia ficado sem professor por um bom tempo. A sala tinha sido formada com todos os estudantes que não haviam tido um bom rendimento nos anos anteriores, com a intenção de fazer um trabalho diferenciado com eles.

Identificando barreiras à aprendizagem

No primeiro contato com eles, observei muita agressividade, tanto verbal quanto corporal, entre os estudantes. A minha chegada foi indiferente, parecia que não havia nenhuma adulta na sala e os mesmos hábitos de antes permaneciam.

Ao longo dos dias, observei que muitos apresentavam baixa autoestima, tanto pela aparência física, quanto por não dominarem ainda a leitura e a escrita. Além disso, também havia ausência de afeto entre os colegas e com a família. Ou seja, dificuldades socioemocionais e problemas na aprendizagem.

Partindo desse cenário, notei que era preciso uma intervenção pedagógica, que resolvesse os três problemas maiores que estavam em minhas mãos: barreiras na alfabetização, com foco primordial na escrita; agressividade (bullying); e baixa autoestima.

Projeto antibullying

Foi pensando nisso que idealizei o projeto “Laços entre nós”, em consonância com as habilidades de leitura e escrita, com as 5 competências socioemocionais antibullying propostas pela Base nacional comum curricular (BNCC): autoconsciência, autogestão, consciência social, habilidades de relacionamento e tomada de decisão responsável.

O projeto ainda estava em sintonia com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4, da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), e com a proposta de Educação para o século 21 pela UNESCO e o ensino integral. Tanto para melhorar as condições de leitura e escrita dos alunos, quanto para melhorar a convivência entre todos, estreitando os laços de amizade e desatando os nós que o bullying estava causando entre eles.

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Em sala de aula, sete estudantes juntam as mãos no centro de uma roda. Dois estão com pulseiras VIP verdes no pulso, enquanto os outros usam pulseiras VIP amarelas. Fim da descrição.

Alfabetização, criação de laços e desenvolvimento da autoestima

O projeto “Laço entre nós” visa estimular o respeito às diversas diferenças existentes entre todas e todos, favorecendo o aumento da autoestima e a empatia entre eles, com vistas ao aperfeiçoamento da leitura e escrita e à inserção e utilização de novas tecnologias em sala de aula.

Além deste objetivo geral, também tem como objetivos específicos os seguintes pontos:

• Intervir na realidade por meio de ações coletivas;

• Contribuir para o processo de alfabetização, por meio da leitura e escrita, com ênfase na inserção da gramática, da produção individual e revisão coletiva entre os estudantes e na utilização de novas tecnologias;

• Abordar a gramática de forma contextualizada, como fator essencial para que a aprendizagem faça sentido aos estudantes;

• Contribuir para o senso de pertencimento, ao respeito ao diferente, à compreensão democrática e à coragem de discordar, respeitando sempre as outras opiniões;

• Desenvolver maior senso crítico e autonomia;

• Promover o protagonismo e a dialogicidade entre os alunos, sensibilizando-os para a ética e pensamento crítico;

• Promover o engajamento familiar e a valorização das relações humanas;

• Questionar a visão de mundo criada pela mídia e pela globalização.

Como estruturei as etapas do projeto

O projeto foi desenvolvido entre os meses de junho a dezembro de 2019 e foi dividido nas etapas abaixo:

• 1ª etapa: dinâmica com os responsáveis

Teve como objetivo estreitar os laços entre estudantes e familiares. Para isso, em reunião presencial foi realizada uma dinâmica com os familiares, que tiveram que adivinhar a letra do seu filho nos cartões expostos. Nos cartões, cada estudante respondeu, por meio de palavras e desenhos, o que seu familiar tinha de melhor.

• 2ª etapa: sessão de filme

Assistimos ao filme Toy Story 4, que aborda a importância da valorização pessoal, da empatia e da amizade. Ao final do filme, foi aberto um bate-papo e os estudantes puderam expressar verbalmente o que eles gostaram, perceberam e aprenderam com a atividade.

• 3ª etapa: cadeira do elogio

Foi criada uma roda com os estudantes, com uma cadeira disponível no centro. O aluno que se sentasse na cadeira recebia elogios dos colegas. A finalidade desta dinâmica é criar a cultura do elogio entre os estudantes da classe.

• 4ª etapa: por dentro e por fora

Foi montado um painel coletivo com fotos dos estudantes e espaços para colocar elogios elaborados pelos colegas de classe, por meio de fichas. Nessa fase, houve a inserção de gramática com o uso de adjetivos. A produção escrita individual e a revisão coletiva foram primordiais na execução dessa etapa.

5ª etapa: criação do Caderno dos elogios

Nesta etapa, os alunos começaram a elaborar frases com elogios para os amigos da turma, de outras classes e para funcionários, por meio de um caderno que circula pelas mãos de todas e todos.

• 6ª etapa: eu sou VIP

Inspiradas nas Brag bracelets, as pulseiras VIPs motivacionais foram criadas para os estudantes com a finalidade de enaltecer e destacar o melhor de cada aluno, em forma de incentivos.

• 7ª etapa: gênero textual de bilhete

Criamos um carinhódromo, um meio de comunicação que utiliza bilhetinhos/cartas afetuosas entre os alunos da turma. Desta vez, os familiares responderam à pergunta: “O que meu/minha filho(a) tem de melhor?” A inserção da família nesta etapa contribuiu muito para estreitar ainda mais os laços.

• 8ª etapa: piquenique literário

Foi discutida a importância da autovalorização e do respeito às diferenças por meio dos livros: “Feio ou bonito” e “Flicts”, ambos de Ziraldo, e “Menina bonita do laço de fita”, de Ana Maria Machado.

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Estudantes fazem piquenique no centro da sala de aula. Em volta de toalha no chão, salgadinhos, pipoca, refrigerante e livros. Todos olham a professora, que está com chapéu de pirata de cartolina, segurando um livro. Fim da descrição.

• 9ª etapa: gênero textual de gibi

Foi feita a criação de história em quadrinhos com diálogos construídos em dupla, incluindo a temática do projeto e criação do cartaz “E quem disse que essa turma não está no gibi?”.

Em sala de aula, aluna aponta o celular para acessar QR Code de painel criado no projeto. Fim da descição.• 10ª etapa: gênero digital

No quesito digital, foi feita a releitura dos diálogos dos quadrinhos por meio de fotos com filtro de Cartoon. Também foram utilizadas novas tecnologias, como o QR Code, para desenvolver essa etapa. Primeiro construímos o QR Code em sala, com o superpoder de cada herói. Em seguida, realizamos a leitura de todos os códigos expostos em cartaz com o tema: “O bullying é um vilão e precisamos combatê-lo. Para exterminá-lo você precisa de superpoderes como empatia, amizade, amor, carinho, respeito… Qual é o seu superpoder? Todo mundo pode ser um super-herói ou super-heroína”.

Construindo uma cultura de valorização da diversidade

A observação comportamental foi o instrumento mais adequado para avaliar se os nós causados pelo bullying, pela baixa autoestima, e pela falta de afetividade se transformaram em laços de amizade e respeito.

Após todas as etapas concluídas, percebi que os estudantes que apresentavam vergonha de tirar uma simples foto, não tinham mais nenhuma atitude que denunciasse qualquer tipo de problema com a autoimagem.

Observei também uma visível mudança no relacionamento entre os alunos, que antes beirava a agressividade e que deu lugar ao respeito, ao carinho e à empatia.

O engajamento da família no processo de desenvolvimento integral dos estudantes aumentou consideravelmente, a ponto de impactar positivamente na aprendizagem e na afetividade dos mesmos, e apresentou um expressivo progresso durante o semestre.

Oportunizando a aprendizagem de todos

Os alunos com deficiência intelectual, que fazem Atendimento Educacional Especializado (AEE), participaram de todos os processos do projeto. Inicialmente, eles não estabeleciam vínculo entre a fala e a escrita. Já no final do processo, começaram a identificar o valor sonoro utilizando vogais para representar as sílabas das palavras. 

Além disso, estudantes que inicialmente só dominavam a leitura, passaram a ser fluentes na escrita de forma natural, pois a leitura e a escrita passaram a fazer parte do cotidiano da sala, indissociavelmente.

A revisão textual, realizada em duplas, desde as formações de palavras até os textos propriamente ditos, também contribuiu para o sucesso do projeto. O erro não passou a ser visto mais como um obstáculo e sim como uma oportunidade de aprender.

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