Projeto que utiliza materiais pedagógicos impressos em 3D facilita a aprendizagem dos conteúdos curriculares por todos os estudantes
Sou professor e colaborador do Laboratório Maker do Centro Universitário São Judas Tadeu (Unimonte) e pesquisador na Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Desenvolvi projeto de modelagem em 3D para construção de materiais pedagógicos acessíveis com o objetivo de melhorar a aprendizagem de estudantes da educação básica e superior.
Com a modelagem em 3D, já reproduzi mapas, gráficos, sistemas do corpo humano, animais e monumentos históricos para que os alunos possam compreender os conteúdos do currículo de forma mais acessível e participativa.
De onde veio a inspiração?
O projeto começou a ser gestado há aproximadamente dois anos, quando recebi o desafio de ajudar a implementar o laboratório maker na Sociedade Educacional de Santa Catarina (UNISOCIESC), em Joinville. Uma professora do curso de Educação Física que ministrava a disciplina de anatomia me procurou.
Com dificuldades para ensinar a matéria para uma aluna com deficiência visual, ela apontou a situação ao laboratório com intuito de construir recursos que possibilitam a todos os estudantes acompanhamento das aulas. Ou seja, um material universal e inclusivo.
Os métodos convencionais se baseiam numa linguagem visual. Na disciplina de anatomia, por exemplo, o estudo sobre os sistemas do corpo humano ocorre majoritariamente pela utilização de imagens impressas ou projetadas. Isso impõe barreiras ao aprendizado de alunos com deficiência visual.
Assim, o desafio era encontrar alternativas pedagógicas que possibilitassem o aprendizado da educanda. Aliando a realidade do laboratório ao que me foi proposto, criei junto com a professora placas em 3D para adequar o conteúdo e proporcionar melhor aproveitamento da disciplina para a aluna.
Imaginado para romper uma barreira específica, o uso dos materiais em 3D possibilitou uma experiência mais satisfatória para o aprendizado de todos. Isso porque o recurso permitiu aos alunos interagir com o objeto, o que tornou a aula, que antes era apresentada totalmente em slides, mais interativa e estimulante.
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Experiência com estudantes em município paulista
A partir daí, comecei a fazer experiências na rede pública de ensino. Iniciei no Centro de Atenção à Inclusão Social (CAIS), em um município da grande São Paulo. O CAIS presta suporte pedagógico especializado para a rede municipal de ensino e implementa as diretrizes políticas da Educação Inclusiva. Para isso, oferece formação continuada de professores e cursos direcionados aos familiares dos estudantes e outros profissionais, além de atendimento aos alunos e à comunidade.
No CAIS, realizei atividades sobre linguagem digital para o uso e a implementação da modelagem 3D nas práticas pedagógicas. Para isso, utilizei a minha impressora pessoal, já que o município não contava com uma.
Os professores da rede municipal que identificavam alguma dificuldade no processo de ensino-aprendizagem acionam o CAIS, que oferece apoio pedagógico para a escola e projeta alternativas para o aprendizado. Dessa forma, alguns materiais pedagógicos foram desenvolvidos para a rede de ensino com o uso do 3D. A seguir um exemplo de material criado para a alfabetização de crianças com apoio do braile.
Além desta atuação na rede pública municipal, já apoiei professores na rede pública estadual e em instituições especializadas de apoio a pessoas com deficiência visual.
Consolidação do projeto e início da formação de professores
Por conta dessas experiências positivas, em 2018 decidi inscrever a iniciativa no Laboratório de Inovação Cidadã (LABIC), da Secretaria Geral Ibero-americana (SEGIB). O projeto ficou entre os 10 selecionados e recebi a oportunidade de trabalhar por 20 dias com mais 7 colegas da Argentina, Colômbia e México em uma escola em Rosário, na Argentina.
Lá, formamos professoras em linguagem digital, para que se familiarizassem e se empoderassem do universo da modelagem 3D e pudessem utilizar o recurso com os estudantes. Ensinamos como realizar pesquisa de modelos digitais e também o funcionamento do processo de impressão dos arquivos.
O diferencial foi o contato com os alunos. Nós realizamos uma criação conjunta: os professores levavam os materiais produzidos para a sala de aula e pediam para que eles avaliassem.
Assim, conseguimos identificar se o recurso era acessível ou não ouvindo dos próprios estudantes. Para os que possuem deficiência visual, por exemplo, é interessante que o material possua diferentes relevos e texturas, como contrastes do tipo liso/áspero e fino/espesso, que permitem distinções adequadas.
Foi lá que a criação de materiais pedagógicos acessíveis a partir da tecnologia 3D e da metodologia desenvolvida começou a ganhar corpo. Desenvolvemos recurso para o ensino do aparelho reprodutor feminino, com as sugestões dos estudantes.
Para que a utilização da tecnologia fosse possível, criei campanhas de crowdfunding (vaquinha virtual) para financiar a compra de duas impressoras 3D. Uma delas foi para Rosário, na Argentina; a segunda, para Valparaíso, no Chile.
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Quem tem acesso aos materiais produzidos?
O projeto disponibiliza gratuitamente em plataforma digital aberta para download os arquivos de todos os materiais produzidos. Percebemos que, além da limitação ao acesso a impressoras 3D, a ausência de modelos digitais de recursos científicos é um grande entrave ao uso dessa tecnologia. Realizar a modelagem dos materiais demanda um bom tempo: para modelar uma bacia sanitária, por exemplo, são necessárias pelo menos 10 horas de trabalho árduo.
Por conta disso, buscamos proporcionar apoio pedagógico para que qualquer professor ou familiar de estudante possa, a partir de um arquivo de modelo em 3D disponibilizado na internet, realizar a impressão do material. A autonomia para utilizar o recurso, conforme a realidade de cada sala e de cada aluno, é um dos princípios do projeto.
Posso levar os materiais pedagógicos para casa, professor?
A utilização da tecnologia 3D tem uma grande vantagem em relação aos materiais pedagógicos artesanais. Estes são simples, frágeis e pouco replicáveis em sua maioria. A criança não pode levá-lo para casa porque o material é da escola e não apresenta nenhuma portabilidade.
Já com o recurso da modelagem, tudo que é criado pode ser compartilhado e replicado entre familiares, docentes e estudantes. Isso possibilita a cada estudante ter o seu próprio material.
Atualmente, o acesso a impressoras 3D tem ficado mais fácil. Já existem laboratórios makers públicos, como em São Paulo e Curitiba, e algumas Universidades oferecem o recurso. E, embora a maioria das prefeituras ainda não possua tal tecnologia de modo democrático, há grande chance do 3D se disseminar nos próximos anos devido ao baixo custo dos componentes da impressora 3D e montagem pouco complexa.
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