Painel de Indicadores da Educação Especial é atualizado com dados do Censo Escolar 2023

País chega a 91,3% das matrículas da modalidade em escolas inclusivas. Mas números indicam que alguns desafios permanecem, como a formação continuada de professores e a acessibilidade nas escolas

Grupo de crianças está em quadra escolar enquanto joga hockey. Elas estão divididas em dois times, no qual um usa colete rosa e outro verde. Todos seguram cabos de vassoura, utilizada para ser o taco do jogo. Em destaque, uma menina e um menino disputam a posse do disco. Fim da descrição.
Estudantes participam de atividade em escola de Brasília (DF). Crédito: Pat Albuquerque

Está disponível a terceira atualização do Painel de Indicadores da Educação Especial do Instituto Rodrigo Mendes (IRM), agora com as informações mais recentes do último Censo Escolar, de 2023, disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). De acordo com os dados, o país mantém a tendência de crescimento das matrículas de estudantes público-alvo da educação especial. Os números indicam também a manutenção dos desafios na formação docente e na acessibilidade das escolas brasileiras. 

No ano passado, o número de matrículas na educação especial chegou a 1,8 milhão, representando 3,7% das matrículas da educação básica. Há 15 anos, essa proporção era menor: apenas 1,2%, totalizando aproximadamente 640 mil matrículas.  

Em 2009, 60,5% dos estudantes da educação especial estavam em classes comuns. Em 2023, esse número alcançou 91,3%. O aumento (30,8 pontos percentuais em 15 anos) representa um avanço significativo rumo à inclusão escolar. No entanto, ainda há 154 mil crianças e jovens segregados em classes especiais ou em escolas especializadas. 

Gráfico sobre a Proporção de matrículas da educação especial no Brasil. Os dados são apresentados em gráfico de barras na cor laranja, começando percentual entre 2009 e 2023. A proporção de matrículas da educação especial no Brasil era de: 1,2% em 2009; 1,4% em 2010; 1,5% em 2011; 1,6% em 2012; 1,7% em 2013; 1,8% em 2014; 1,9% em 2015; 2,0% em 2016; 2,2% em 2017; 2,4% em 2018; 2,6% em 2019; 2,8% em 2020; 2,9% em 2021; 3,2% em 2022; 3,7% em 2023. No rodapé da imagem, há o texto “Fonte: Painel de Indicadores da Educação Especial do IRM”. Fim da descrição. 

“Esse cenário evidencia que, embora os avanços sejam notáveis, o desafio de alcançar 100% de inclusão é considerável. A transformação necessária para incluir todos os estudantes exige repensar o papel das escolas, que precisam investir na diversificação das estratégias pedagógicas e na incorporação de princípios de acessibilidade por meio do trabalho multidisciplinar e colaborativo. Assim será possível acolher todos os perfis e perseguir altas expectativas para cada um”, comenta Karolyne Ferreira, especialista de advocacy do IRM.  

Cândida Beatriz Alves, professora adjunta do Departamento de Teoria e Fundamentos da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) e integrante da Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial complementa pontuando serem necessárias mudanças em todo o sistema de ensino, das escolas às formações, da infraestrutura às práticas pedagógicas. “Um sistema mais inclusivo beneficia a todos os estudantes, porque é uma transformação que visa valorizar a diversidade e enriquecer o currículo.”   

Francisca Geny Lustosa, pedagoga, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenadora do Grupo Pro-Inclusão na mesma instituição, concorda que há muitos desafios, como a ampliação da oferta do profissional de apoio, de professores do atendimento educacional especializado (AEE) e de políticas formativas. Mas reforça ser importante celebrar. “Só temos desafios a enfrentar porque conseguimos esse avanço no número de matrículas. Uma evolução significativa e considerável ao longo desses 15 anos.”   

Para Karolyne, também é essencial acompanhar as políticas públicas da área. “É importante celebrar o avanço no número de matrículas, pois um ambiente diverso é bom para todos. Entretanto, precisamos ficar atentos para que as políticas públicas impulsionem a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (PNEEPEI), principalmente no sentido de melhorar as condições de permanência, garantindo ensino e aprendizagem de qualidade”, reforça. 

Em novembro do ano passado, o Ministério da Educação (MEC) anunciou o Plano de Afirmação e Fortalecimento da PNEEPEI. Na época, foi previsto um investimento de R$ 3 bilhões até 2026 para a implementação de ações em quatro eixos: expansão do acesso; qualidade e permanência; produção de conhecimento e formação. 

+ Leia também: Censo Escolar 2023: país mantém crescimento de matrículas em escolas inclusivas 

Desafios ainda presentes  

Como esperado, os números de 2023 reafirmam algumas das barreiras que o país precisa superar. Uma delas é a ampliação da formação continuada, essencial para todo educador se manter atualizado e ter acesso a um espaço para aperfeiçoar as práticas pedagógicas. Em 2012, apenas 4,2% dos professores regentes da educação básica possuíam formação continuada específica de 80 horas, certificada pelo MEC, em educação especial. Em 2023, esse patamar subiu para 6,1%. 

Já em relação aos docentes que atuam no AEE o percentual caiu de 49,2% para 42,1% no mesmo período. É importante lembrar que para atuar como professor do AEE, além de formação que o habilite para o exercício do magistério, é preciso ter especialização em educação especial.  

Francisca Geny avalia que, nos últimos anos, a variação no número de professores do AEE com formação continuada demonstra certa estabilidade no indicador e lembra que muitos profissionais se aposentaram. “A gente sabe que esses primeiros professores são fruto das conquistas do lançamento da PNEEPEI de 2008, resultado das primeiras ações de formação do MEC, e já vemos um movimento de renovação.” 

Gráfico com o percentual de professores regentes com formação continuada sobre educação especial no Brasil. Os dados são apresentados em gráfico de barras, com cada ano comparando o percentual de professores com e sem formação. As barras que representam os educadores sem formação estão na cor roxa e com formação na cor laranja. Em 2012, 95,8% dos professores não tinham formação continuada em educação especial, enquanto 4,2% tinham formação. Em 2013 eram 95,6% sem formação e 4,4% com; em 2014 eram 95,6% sem formação e 4,4% com; já em 2015 eram 95,7% sem formação e 4,3% com; no ano de 2016, 95,4% não tinham formação e 4,6% já passaram por alguma formação no tema; em 2017, 95,2% não passaram por formação continuada, enquanto 4,8% já tinham; no ano de 2018 eram 95% dos educadores sem formação e 5% com; em 2019 eram 94,8% professores sem formação e 5,2% com formação; no ano de 2020 eram 94,5% sem formação e 5,5% com formação continuada em educação especial; em 2021 o total era de 94,3% dos professores que nunca tiveram formação continuada em educação especial, contra 5,7% com formação; no ano de 2022 eram 94,2% sem formação e 5,8% com formação; em por fim, em 2023, 93,9% dos educadores não tinham formação continuada no tema e 6,1% tinham. No rodapé da imagem, há o texto “Fonte: Painel de Indicadores da Educação Especial do IRM”. Fim da descrição.

Para André Lázaro, diretor de políticas públicas da Fundação Santillana, a questão da formação é complexa, porque a discussão não se limita ao número de professores com capacitação em educação especial. É preciso levar em conta seu propósito e qualidade. “Enquanto sociedade, devemos nos perguntar: queremos uma educação instrucional e conteudista ou uma educação formadora [que pensa o desenvolvimento integral da criança ou jovem]? Na formação instrucional, não há espaço, por exemplo, para debater capacitismo, racismo, bullying, desigualdade e pobreza, nem como esses temas influenciam a trajetória escolar dos estudantes”, analisa o diretor, que atuou como professor na educação básica e no ensino superior.  

Essa educação centrada no conteúdo influencia uma visão capacitista, que não enxerga e nem trabalha para explorar o potencial das pessoas com deficiência. Segundo André, isso se reflete em indicadores como taxa de repetência, evasão e distorção idade-série, que tem nos estudantes com deficiência uma média maior do que entre os demais alunos.  

“O sistema educacional deveria incorporar a educação especial e antirracista como temas organizadores da formação docente para podermos construir uma educação inclusiva. Mas ainda estamos aquém do desafio que nos propusemos a enfrentar”, completa. 

Francisca Geny, da UFC, segue um raciocínio semelhante ao enfatizar ser essencial o foco na capacitação do professor regente, e não apenas na do especialista, que é o professor do AEE. “Temos de dar um grande passo na escola, e isso acontece a partir da formação dos professores de sala de aula comum. Então, todos os esforços e iniciativas políticos e de políticas formativas devem se organizar nesse sentido. Esse é um fator muito importante.” 

Segundo ela, é fundamental que essas ações sejam pautadas considerando o conhecimento produzido pelas pesquisas, no que há de melhor em relação às estratégias formativas. “Os métodos tradicionais e arcaicos de formação de professores não dão conta das necessidades que os educadores têm hoje em dia. Há uma demanda cada vez maior para que os docentes reflitam sobre a própria prática pedagógica e passem a utilizar metodologias reflexivas, trocando e compartilhando experiências exitosas com seus pares, de modo que possam efetivamente ser produtores de mudanças dentro da escola.”

Acessibilidade: a busca por uma abordagem integrada 

Segundo o Painel, a infraestrutura e a acessibilidade das escolas seguem exigindo atenção. Em 2023, uma em cada quatro escolas não possuía nenhum recurso de acessibilidade no Brasil. Dentre as instituições de ensino que possuíam algum recurso, os mais presentes eram rampas (54,7%) e banheiros adaptados (52,8%). Por outro lado, os recursos com menor disponibilidade eram sinais sonoros (2,4%), sinais táteis (4,4%) e elevadores (4,4%).  

“Vale lembrar que uma escola acessível não é definida apenas pela presença de um ou mais recursos isolados. A verdadeira acessibilidade envolve uma abordagem integrada, que garante que todos os recursos necessários estejam disponíveis e sejam utilizados de forma eficaz e coordenada. Esse cenário, portanto, pode ser mais desafiador do que os números iniciais indicam quando analisamos a acessibilidade em sua totalidade. Ele sugere a necessidade de esforços contínuos e abrangentes para promover uma educação realmente inclusiva”, pondera Maria Gomes, especialista do Núcleo de Pesquisas e Tecnologias do IRM. 

Cândida reforça a demanda por investimentos contínuos e prioritários e por ações que vão além de fornecer recursos para as instituições de ensino. “É preciso pensar também que, a depender do recurso de acessibilidade, ele vai exigir uma formação da equipe escolar. Não adianta, por exemplo, enviar uma impressora em braile para uma escola e não ter ninguém que consiga manuseá-la. É, portanto, um conjunto de ações que devem ser orquestradas: programas de apoio contínuo por parte dos governos e, nas escolas, uma boa gestão para administrar esses recursos e investimentos”, diz a pesquisadora.    

Outro destaque do Painel é o crescimento do número de professores do AEE, que passou de 30,6 mil em 2012 para 59,7 mil em 2023, um aumento de quase 95%.  

Ao analisar a série histórica, Geny ressalta a importância política e pedagógica que os professores do AEE alcançaram nos últimos anos. “Sua presença [na escola] é um fator mobilizador da inclusão. Ele é o professor especialista dentro da unidade, que contribui colaborativamente para promover uma cultura inclusiva e construir práticas alinhadas a ela.” A pesquisadora reforça que essa perspectiva colaborativa, baseada no reconhecimento dos saberes de cada profissional e na articulação entre os docentes e a gestão escolar, tem ganhado força nas ações formativas no país. 

+ Leia também: Pesquisa aponta dez dos principais desafios para a oferta do AEE no Brasil 

Também ocorreu uma ampliação da presença de professores regentes com deficiência: de 8.185 em 2022 para 8.552 em 2023. Ao analisar a lentidão desse crescimento, André Lázaro lembra que esse problema está associado às desigualdades no acesso ao ensino superior, que também afetam outros segmentos da sociedade. “Podemos fazer um paralelo com a necessária ampliação da presença de professores negros nas universidades. A entrada de ambos os grupos [pessoas negras e com deficiência] na educação básica é grande, mas o mesmo não ocorre no nível seguinte”, critica. 

“Isso tem a ver com uma resistência cultural de não reconhecer o outro como capaz. Ainda estamos presos a padrões de normalidade que são excludentes. Faz parte da educação que oferecemos. A sociedade pede que sejamos mais inclusivos, haja vista a força dos movimentos negros, LGBT+ e das pessoas com deficiência pela garantia de direitos. Mas dentro da escola, continua a segmentação e a exclusão. A escola não enfrenta os preconceitos contra todos esses grupos e continua culpabilizando o estudante por sua trajetória escolar. Superar esse quadro é um desafio coletivo”, avalia André. 

+ Leia também: Professores com deficiência: aprendizados de uma presença que faz diferença na escola 

Sobre o Painel 

Lançado em dezembro de 2022 e disponível na versão online com acesso livre e gratuito, o Painel tem como objetivo contribuir com a democratização do acesso a dados de qualidade e seguros sobre o universo da educação de pessoas com deficiência, transtorno do espectro do autismo (TEA) e altas habilidades/superdotação. A ferramenta é uma iniciativa do IRM em parceria com o Instituto Unibanco e com o apoio do Todos Pela Educação, do Centro Lemann e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Os dados estão disponíveis em três dimensões: 

Estudantes: por sexo, raça, localidade, tipo de rede, faixa etária, etapa de ensino e tipos de deficiência e de classe.  

Professores: número de regentes e do AEE, docentes com formação continuada em educação especial, com deficiência e por tipo de deficiência; número de profissionais de apoio escolar, intérprete de Libras e guias-intérpretes. 

Escolas: com matrículas de estudantes público-alvo da educação especial, com recursos de acessibilidade e com matrículas nas salas de recursos multifuncionais (SRM); infraestrutura disponível, como biblioteca/sala de leitura, internet e laboratórios de ciências e informática. 

Os dados podem ser consultados de acordo com os números do Brasil e de regiões, estados, Distrito Federal e municípios. Além disso, é possível acompanhar a evolução dos indicadores ano a ano ao longo da série histórica disponível: desde 2007 para os dados de professores e desde 2009 para estudantes e escolas.   

 

 

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