Censo Escolar 2023: país mantém crescimento de matrículas em escolas inclusivas

Maior presença de alunos com deficiência em classes comuns indica a confiança das famílias na educação inclusiva, avalia André Lázaro

Em uma quadra, crianças jogam vôlei sentadas. No centro, próximo à rede, está um garoto cadeirante e, em volta, outros oito estudantes. Fim da descrição.
Grupo de jovens joga vôlei em escola de Belford Roxo (RJ). Crédito: Pat Albuquerque

Os resultados do Censo Escolar 2023, divulgados nesta quinta-feira (22) pelo Ministério da Educação (MEC), apontam para o aumento das matrículas na educação especial, principalmente nas classes comuns. Mas, em contrapartida, revelam a persistência de desafios, como a distorção idade-série.    

Do lado das boas notícias, os dados coletados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que as matrículas na educação especial em toda a educação básica — da educação infantil ao ensino médio — seguem crescendo. Em cinco anos, o aumento foi de 41,6%, saltando de 1,25 milhão em 2019 para 1,77 milhão em 2023. Como comparação, em 2010, havia cerca de 702 mil matrículas na educação especial.  

Outro aspecto é que, em 2023, a grande maioria dos estudantes público-alvo da educação especial na educação básica, 91%, estudava em classes comuns o que também representa um aumento em relação a cinco anos atrás, quando essa taxa era de 87,2%.  

“Do ponto de vista social, o aumento das matrículas representa uma ampliação da confiança das famílias das pessoas com deficiência na educação inclusiva, e isso é muito importante para construir as políticas adequadas”, analisa André Lázaro, diretor de Políticas Públicas da Fundação Santillana.   

Esse avanço também é visto com bons olhos por Ernesto Faria, diretor da organização Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede). “É logico que o aumento das matrículas na educação especial não é necessariamente suficiente para assegurar a inclusão efetiva com a qualidade que desejamos. Mas o entendimento de que os estudantes com deficiência têm de estar na classe comum é um passo importante, mesmo que existam problemas de infraestrutura e que faltem profissionais nas escolas capazes de assegurar a inclusão”, analisa. 

Há muito a ser feito. A expectativa para mais avanços passa pela atuação do poder público. Reconhecendo que são muitos os desafios para garantir uma educação de qualidade para todas as pessoas, o Ministério da Educação lançou, em novembro do ano passado, o Plano de Afirmação e Fortalecimento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI). A proposta prevê investimento de R$ 3 bilhões até 2026 e tem como foco quatro eixos: expansão do acesso; qualidade e permanência; produção de conhecimento e formação.    

País está mais próximo de cumprir meta do PNE 

Em 2023, segundo dados do Inep, o país alcançou o patamar de 95% das matrículas da população de quatro a 17 anos em classes comuns, aproximando-se ainda mais da Meta 4 do Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê, até 2024, a universalização do acesso à educação básica e ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) para as pessoas nessa faixa etária “com deficiência, Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD) e altas habilidades ou superdotação, preferencialmente em classes comuns”.   

Segundo o Censo Escolar, porém, há discrepância entre as etapas da educação básica para a faixa etária de quatro a 17 anos: 96,6% na educação infantil, 92,3% no ensino fundamental e 99,5% no ensino médio. Na Educação de Jovens e Adultos (EJA), modalidade fundamental para garantir o direito à educação de pessoas adultas que foram excluídas da escola regular, a taxa de inclusão é de apenas 57,6%. 

Em relação aos estados, também há variações conforme a etapa. Na educação infantil, a taxa de inclusão (matrículas em classe comum) varia de 100% (em Sergipe, Alagoas, Rio Grande do Norte, Piauí, Pará, Roraima e Pernambuco) a 78% (no Paraná). 

No ensino fundamental, quatro estados possuem taxa de inclusão de 100% (Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Alagoas e Roraima). Novamente, a menor taxa encontra-se no Paraná: 73,1%.  

Já no ensino médio, a taxa de inclusão oscila pouco, abarcando quase a totalidade dos matriculados: 100% em 15 unidades da federação (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Alagoas, Pernambuco, Piauí, Maranhão, Tocantins, Amapá, Roraima, Amazonas, Acre, Rondônia, Pará e Rio Grande do Norte) a 98,4% (em Sergipe). 

O acesso ao AEE permaneceu praticamente estável nos últimos cinco anos: de 2019 a 2023, a porcentagem de estudantes com acesso ao serviço passou de 40% para 42%.  

Perfildos alunos com deficiência 

Do total de matrículas na educação especial na educação básica, 53,7% são de estudantes com deficiência intelectual (952.904). Em seguida, estão os estudantes com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), com 636.202 matrículas. 

Na sequência, estão pessoas com deficiência física (163.790), deficiência múltipla (88.885), baixa visão (86.867), deficiência auditiva (41.491), altas habilidades/superdotação (38.019), surdez (20.008), cegueira (7.321) e surdocegueira (693). 

Nesse cenário, chama a atenção o crescimento das matrículas de pessoas com TEA: 48% em apenas um ano passaram de 429.521 em 2022 para 636.202 em 2023.  As matrículas de estudantes com deficiência intelectual, por sua vez, aumentaram 4,2% no mesmo período de 914.467 para 942.904. 

Menos matrículas em classes especiais 

Outro dado que reforça que a educação inclusiva está avançando é a diminuição da presença do público-alvo da educação especial em classes especiais ou exclusivas. Em 2019, elas eram responsáveis por 7,3% das matrículas e, em 2023, por 5%, o que significa 96.446 estudantes de quatro a 17 anos.  

Essa é uma tendência observada desde 2011, mas chama a atenção a diferença de comportamento da curva conforme a etapa de ensino, analisa André Lazaro. Na educação infantil (creche e pré-escola), de 2011 a 2023, há expressiva redução das matrículas em classes especiais: eram 23 mil naquele ano e agora são 9 mil. No ensino fundamental, a queda foi de 131 mil para 85 mil. Já no ensino médio, há uma estabilidade do número em torno de mil matrículas em classes especiais desde 2011.  

“A política de educação inclusiva está tendo mais adesão por parte de famílias mais jovens, cujos filhos já ingressam em classes comuns. Também há esforço do poder público em ampliar a oferta, pressionado pelos compromissos com comunidades e pelo Ministério Público”, afirma André Lázaro.   

Reprovação e distorção idade-série 

Os dados do Censo indicam que, de fato, os estudantes público-alvo da educação especial estão entre os que mais sofrem as consequências de processos de exclusão inerentes ao sistema educacional, como sinalizam as taxas de repetência e, principalmente, a de evasão.  

Para estudantes da educação especial, a taxa de repetência foi de 2,8% no ensino fundamental e de 3,7% no ensino médio, enquanto, na média geral, esses números ficaram em 2,3% no ensino fundamental e 3,9% no ensino médio. A de evasão, para o público da educação especial, foi de 4,9% no fundamental e 6,2% no ensino médio.A média geral foi de 3% no ensino fundamental e 5,9% no ensino médio.  

Outro dado relevante nesse cenário é a distorção idade-série no 6º ano do ensino fundamental (quando um estudante está pelo menos dois anos defasado em relação à série esperada para a idade). Na educação especial, essa taxa é de 36,4%, enquanto a média nacional é de 15,8%.  

Um dado que reforça esse questionamento é o de queda das matrículas ao longo do ensino fundamental e do ensino médio. Segundo o Censo Escolar, das 1.771.430 matrículas na educação especial computadas em 2023, a maior concentração está nos anos iniciais do ensino fundamental: 616.394.  

Nos anos finais do fundamental, o número de estudantes cai para 497.836, e, na passagem para o ensino médio, ocorre mais uma redução, chegando a 223.258 estudantes, o que representa uma perda de 55,1% das matrículas em relação à etapa anterior.  

O número de matrículas no ensino médio é menor do que nas etapas anteriores da educação básica como um todo, mas a diferença é menos acentuada do que na educação especial, situando-se na faixa de 34,4% (11,6 milhões de matrículas nos anos finais contra 7,6 milhões no ensino médio).  

Para André, esses dados são um sinal de alerta: “É preciso analisar o atendimento pedagógico que essas crianças e jovens recebem, que experiências vivem e como as instituições atendem a seus direitos”. Ele chama a atenção, por exemplo, para as avaliações: “Que parâmetros são usados nas avaliações dessas crianças e jovens?”, questiona. 

O diretor do Iede argumenta na mesma direção, de que é preciso pensar o ambiente que as escolas criam para os estudantes público-alvo da educação especial. “Qual o intuito da reprovação de um estudante da educação especial? Faz sentido repetir a mesma série várias vezes? Qual é a estratégia pedagógica? Ou é apenas uma decisão tomada com base na baixa expectativa que o professor tem em relação a esse aluno?”, pergunta Ernesto. “É preciso ter sempre em mente os malefícios que a reprovação pode causar para a pessoa no futuro.” 

Ernesto também reflete sobre a evasão, outro fator que gera distorção idade-série. Para ele, é preciso lembrar que muitas vezes o estudante deixa a escola por motivos de saúde ou porque a família não tem condições de mantê-lo na escola. Então, um caminho possível para lidar com isso seria a criação de uma rede de suporte para esses alunos, que envolva a escola, a comunidade e outras áreas, como saúde e assistência. 

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