Livro didático: educadores explicam importância do material na educação

No Dia Nacional do Livro Didático, Circe Bittencourt e André Bento analisam uso do material e reforçam a necessidade de conteúdos sobre diversidade

A história da educação no Brasil anda lado a lado com a do livro didático. Por muito tempo, ele foi, e ainda é, uma importante ferramenta de auxílio ao processo de ensino-aprendizagem. Há registros da circulação desses materiais ainda no século 19, antes mesmo de existir no país uma formação em pedagogia.

Até então, os conhecimentos, habilidades e conteúdos organizados pelo que hoje é conhecido como currículo escolar, só definido a partir de 1920, eram baseados nos livros escolares.

“Esses livros eram o currículo”, explica Circe Bittencourt, doutora em história social e pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Ela avalia que a história do livro didático está muito intrínseca nas práticas pedagógicas. O material não é uma dependência do educador, em que ele não queira planejar sozinho, mas afirma que “é impossível que o professor dê aula sem alguma referência. O livro didático é uma referência”.

Desde seu surgimento, o material é usado como um apoio para o planejamento das aulas e para facilitar a compreensão de conteúdos escolares pelos estudantes, uma vez que utiliza de diferentes linguagens e situações-problema para tornar acessíveis termos técnicos das disciplinas.

Livro didático no Brasil

Por volta de 1847, os livros didáticos produzidos no país já exerciam seu papel na aprendizagem e na política educacional. Os primeiros exemplares eram utilizados principalmente por alunos militares.

Quase cem anos depois, em 1937, foi criado o Instituto Nacional do Livro e, no ano seguinte, foi instituída a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), estabelecendo a primeira política de legislação e controle de produção e circulação do material no país.

Foi somente em 1939 que o governo federal então promulgou o decreto-lei nº 1.190, criando o curso de pedagogia na Universidade do Brasil, dentro da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.

Imagem focada em livros didáticos empilhados. O que está por cima está aberto, com marcações amarelas em frases do texto. Fim da descrição.

Universalização do livro didático

Embora o livro didático seja um instrumento imprescindível para as aulas, até a consolidação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), em 1995, o material era pago. E nem todo estudante possuía condições financeiras para sua aquisição. Dessa forma, era frequente que alunos fossem excluídos do processo de aprendizagem por não terem acesso ao material.

Com a criação do programa nacional, foi iniciada a universalização da distribuição do livro didático para estudantes e professores das escolas públicas de educação básica, como também de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas, sem fins lucrativos, e conveniadas com o poder público.

Desde 1997, o PNLD é de responsabilidade do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Outro grande marco do programa foi a ampliação, a partir de 2001, do atendimento a estudantes com deficiência visual presentes no ensino regular das escolas públicas, com obras em braile.

Atualmente, estudantes com deficiência também contam com livros em libras, caractere ampliado e na versão MecDaisy (tecnologia que permite a adaptação para texto, áudio ou imagem de conteúdos de livros, artigos etc).

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Instrumento apoiador do ensino

Além de os livros serem distribuídos gratuitamente e apresentarem recursos de acessibilidade, a metodologia de ensino praticada pelo educador também é fundamental para garantir que todos os estudantes participem plenamente do processo de aprendizagem que é auxiliado pelo material didático. É o que analisa André Lúcio Bento, doutor em linguística e especialista em história e cultura afro-brasileira e africana:

“É preciso que o livro didático seja utilizado na perspectiva da interação, e não da comunicação, sob pena de o estudante ser considerado apenas destinatário de uma gama imensa de conteúdos.”

A pesquisadora Circe complementa que o livro deve ser parte integrante do método e um facilitador da aprendizagem, mas a aula não deve se resumir a ele:

“Os professores precisam entender que o livro didático é uma ferramenta, um instrumento de trabalho do educador e do aluno. Ele não pode ser a aula, porque não é para isso que foi feito. É o livro didático que sintetiza determinado conteúdo dentro de um tempo de aula e, por isso, é muito importante na organização e na sistematização do conhecimento escolar de todas as disciplinas.”

Ela explica, ainda, que um bom livro didático é aquele que está sempre atualizado com a realidade dos estudantes e fornece a possibilidade de o aluno entender o conteúdo estudado e desenvolver reflexões em função do tema. A educadora reforça a necessidade de os materiais abordarem questões sociais presentes na realidade dos estudantes, como a diversidade.

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Representatividade de questões sociais

Circe defende em suas pesquisas que os livros didáticos passem a ser produzidos por uma equipe multidisciplinar e orientados pela interdisciplinaridade. Isso para que haja uma relação entre os conceitos técnicos e as aplicações do aprendizado, o que facilitaria e estimularia a aprendizagem dos estudantes.

Já para André, para que os conteúdos contemplem uma realidade mais próxima às práticas sociais dos estudantes, a produção dos livros distribuídos pelo PNLD precisa ser descentralizada. O que envolve que todo material didático considere as diferenças de ordem étnica, social, etária, geográfica, histórica ou de gênero.

O educador afirma que a diversidade é central para os processos de ensino e aprendizagem. Para ele, todo material didático deve considerar a diversidade e, sobretudo, propor discussões para que as diferenças sejam respeitadas e valorizadas na escola e em toda a sociedade

“A heterogeneidade é o que nos move rumo ao novo. É no contato com as diferenças que reside a riqueza das aprendizagens. Fora disso, o que se tem é mera instrução. Por isso, se não houver diversidade, não é educação em sentido amplo”.

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