Assista a bate-papo sobre autismo e educação inclusiva

Na semana em que se comemora o Dia mundial de conscientização sobre o autismo, o DIVERSA conversou sobre educação inclusiva e transtorno do espectro autista (TEA) com Marise Bastos. A convidada é especialista em tratamento e escolarização de crianças com TEA pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). Durante o bate-papo, Marise falou sobre a importância do convívio na escola comum, deu dicas para a elaboração de estratégias pedagógicas e respondeu a dúvidas de educadores e familiares sobre a participação e aprendizagem desses estudantes.

Assista à conversa na íntegra:

Este vídeo conta com legendas em português (ativadas na barra do player)
Abaixo, resumimos os principais pontos abordados no bate-papo.

O convívio na escola regular

Nos últimos 20 anos, as histórias bem-sucedidas de inclusão de alunos com autismo em classes comuns multiplicaram-se – e isso beneficia a todos. De acordo com a especialista, quanto mais cedo essas crianças forem apresentadas a esse convívio, maiores são as chances de suas questões de aflição em relação ao mundo cederem. “É muito importante que os pais enxerguem a escola regular como uma oportunidade. Ela é uma ferramenta terapêutica para esses estudantes. É escola regular sim!”, afirmou.

Estratégias para incluir

Uma das perguntas mais frequentes entre educadores de alunos com TEA é: “como trabalhar se não somos especializados no transtorno?”. A ideia de que é necessário “especializar-se”, apesar de comum, é equivocada. “Professores são professores”, destacou Marise. E dentro de seu papel pedagógico, cabe ao docente reconhecer as dificuldades dessas crianças sem achar que elas precisam ser “consertadas”. A especialista exemplificou: “há docentes que tentam neutralizar possíveis interesses desse estudante quando, na verdade, a estratégia mais eficaz seria identificá-los e valorizá-los para desenvolver estratégias pedagógicas mais atraentes e cativantes para ele”.

A interdisciplinaridade também foi discutida durante o bate-papo. Para Marise, todas as áreas do conhecimento devem trabalhar juntas e de modo articulado, considerando os interesses e características de cada aluno – com ou sem autismo. Com esse diálogo, os professores ampliam as chances de engajar a criança com o que está sendo trabalhado em sala de aula. Estabelecer espaços de diálogo para fomentar o trabalho colaborativo, nesse sentido, é essencial, lembrou a especialista. “O estudante não é do professor, é da escola”.

Autismo não é deficiência intelectual

Conforme Marise explicou, alguns alunos com TEA podem se comportar de uma maneira em que parecem ter dificuldades nas aprendizagens. E isso, em geral, é confundido com deficiência intelectual – mas não é. Essas crianças têm outras formas de se organizar e se expressar e, para algumas, o processo de aprendizagem pode ser mais difícil, sobretudo quando as diferenças não são levadas em conta no desenvolvimento de estratégias pedagógicas. “Tem a ver com o princípio da educabilidade: todas aprendem e o processo de aprendizagem é singular. Mas se essas crianças ficarem fechadas dentro de casa, se não saírem para o mundo, serão privadas de oportunidades de aprendizagem e, portanto, de desenvolvimento intelectual. As aprendizagens tem a ver com o laço com o outro”, destacou.

Estudantes que não oralizam

Quando um aluno com autismo não oraliza, o professores se angustiam, porque eles não têm um retorno. A especialista lembrou que essa criança pode até não falar, mas ela ouve e se comunica. Por isso, não deve se interpretar o silêncio como uma evidência de que ela não está entendendo. “É muito importante que o educador continue falando com essa criança, independentemente de obter ou não resposta. E que também incentive os colegas a falar com ela. Isso oportuniza sua participação e cria possibilidades para que ela construa sua própria fala”, aconselhou.

De acordo com Marise, se esse estudante não oraliza, não é por problemas no aparelho fonador ou no processamento cerebral. “Eles não falam por outros motivos, que podem estar relacionados com o interesse no outro ou até mesmo com a percepção de si. Trata-se de aspectos que precisam ser trabalhados, construídos. E a escola pode contribuir muito nesse sentido”.

Alfabetização

Antes de se preocupar com a alfabetização, ela recomenda que os professores busquem instigar a curiosidade dos alunos com TEA em relação ao outro e ao ambiente. Isso porque enquanto eles não perceberem quem é o outro, eles não perceberão a si mesmos. A especialista reconheceu que, em muitos casos, a alfabetização antecede a oralização – e essa possibilidade deve ser levada em conta. “Se o educador parte do pressuposto de que, porque o estudante não fala ele não vai escrever, ele realmente não vai escrever nunca. Mas se o professor tem uma perspectiva da educabilidade, ele pode, sim, alfabetizar-se.”

Leia também:
+ Escrita e alfabetização de crianças com transtorno do espectro autista (TEA).

Acompanhamento terapêutico

Com relação à presença de um acompanhante terapêutico para crianças com autismo dentro de sala de aula, Marise afirmou que isso pode ser uma barreira à inclusão na escola. Para ela, na maioria das vezes, essa presença atrapalha o professor a exercer seu próprio papel docente, até porque o estudante tende a tomar como referência aquele que está ao seu lado. Por isso, muitas escolas, inclusive particulares, já substituíram os acompanhantes terapêuticos por auxiliares itinerantes, que circulam entre mais salas ajudando os alunos que precisam de apoio, mas mantendo o educador regente como referência.

Diagnóstico

Sobre o diagnóstico precoce, antes dos três anos de idade, a especialista afirmou que é possível identificar o risco, mas não afirmar que uma criança tem autismo. “Se por um lado é importante identificar o risco precocemente, por outro, é preciso considerar as mudanças que ocorrem nos anos iniciais da infância e os sérios prejuízos decorrentes de um diagnóstico equivocado”. Ela adverte: diagnosticar precocemente pode ter efeitos bastante prejudiciais.

2 Comentários

  • Olá Talyta. Mostramos seu comentário para a Marise e ela nos pediu para postar a resposta que segue abaixo:

    “Olá Talyta, agradeço suas observações, pois abrem uma oportunidade de seguirmos discutindo uma temática q é mesmo complexa. Vc tem razão em apontar q cada caso é um caso e que o AT pode ser necessário em algumas circunstâncias. O importante é q esse profissional ñ perca de vista q seu trabalho deve ter como norte a inclusão escolar da cça, ou seja, q o aluno possa ter o professor e o grupo classe como referências, o que implica q o AT deve trabalhar com o objetivo de se retirar da cena escolar.

    Há casos em q a família ou a escola sentem-se intranquilos no início da escolarização destas crianças e o AT pode viabilizar q a comunidade escolar sinta-se encorajada e potente para tomar essa criança como aluno da escola.
    A questão que costuma gerar impasses é qdo o AT apresenta-se como aquele q tudo sabe sobre essa cça (o “especialista” em autismo)o que inibe e inviabiliza q os educadores possam construir estratégias de trabalho próprias e singulares para seu aluno.

    Tenho acompanhado o trabalho de algumas equipes escolares q prescindem de um AT dentro da escola, justamente por entenderem q o processo de inclusão desses alunos passa pela construção de um saber próprio dos educadores envolvidos no processo e em permanente diálogo com as equipes de tratamento.
    Muitas equipes escolares avaliam q ter dentro da escola um profissional q é pago pelas famílias traz problemas e gera desconforto para professores e alunos.

    Vale lembrar q a legislação atual proíbe q as escolas solicitem das famílias um acompanhante pago por elas, uma vez que todo suporte necessário à inclusão do aluno deve ser providenciado pela instituição escolar q ñ poderá repassar esse custo à família.

    Nesse sentido, várias escolas estão optando por ter esses profissionais de apoio fazendo parte de suas equipes oportunizando, assim, um acompanhamento singular a todos os alunos q necessitem e ampliando a troca de saberes entre os profissionais da equipe escolar.”

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