Introdução
Depois de anos de atuação do CADEE — uma instituição referência em educação especial na cidade de Maracanaú — a Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva forçou a cidade a repensar sua forma de ver a escolarização dos estudantes com deficiência. Tanto a Secretaria de Educação quanto a Escola Municipal José Dantas Sobrinho buscam construir um novo paradigma, que garanta a acessibilidade arquitetônica e pedagógica para receber esses alunos. Entre as soluções que encontraram estão disponibilização do atendimento educacional especializado (AEE) para dar apoio aos professores do turno da noite e a parceria com as famílias que buscam garantir os direitos de seus filhos. Mas ainda restam desafios que só serão suplantados à medida em que os diversos atores da comunidade escolar consigam ampliar seus laços de parceria.
Uma cidade jovem, uma Secretaria de Educação com experiência
Maracanaú é uma cidade que, em 2013, fez 30 anos. Emancipada do município de Maranguape, no Ceará, sua população cresceu rapidamente, tornando-se cerca de dez vezes maior nesse período e alcançando cerca de 215 mil habitantes.
O crescimento da cidade deveu-se à instalação de polos industriais, que atraíram diversos trabalhadores para o distrito. A cidade é a segunda mais rica do estado, em virtude da arrecadação de impostos.
Nessa jovem cidade, o Secretário de Educação se chama Marcelo Farias. Entre 1993 e 2013 só não esteve no comando da Secretaria Municipal de Educação (SME) por dois anos. Foram quatro diferentes prefeitos que o nomearam para essa função. No final de 2012, o novo prefeito eleito da cidade o convidou para continuar na pasta por mais quatro anos.
A Secretaria de Educação utiliza recursos de diversos programas, como o Programa alfabetização na idade certa (PAIC), do governo estadual, e o Programa mais educação, do Governo Federal. Também tem programas em parceria com entidades não governamentais, como o Gestão para o sucesso escolar, que forma diretores das unidades de ensino. No campo do ensino especial inclusivo, há 26 salas de recursos multifuncionais (SRMs) em atividade na cidade, que atendem aos três turnos.
A prefeitura montou ainda diversos equipamentos de apoio à educação. O Centro de Línguas de Maracanaú, por exemplo, oferece cursos de inglês, espanhol e Língua Brasileira de Sinais (Libras) para professores e estudantes da rede. Muitos desses equipamentos são iniciativas intersetoriais:
- Com a Secretaria de Saúde: NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família, PSE – Programa Saúde na Escola, NEUROFOR – Neurologia Fortaleza, CAPS – Centro de Apoio Psicossocial de Maracanaú;
- Com a Secretaria de Assistência Social e Cidadania: CRAS – Centro de Referência de Assistência Social, CREAS – Centro de Referência Especializado da Assistência Social;
- Com a Secretaria de Ciência, Tecnologia, Trabalho, Emprego e Empreendedorismo: Sistema Nacional de Emprego de Maracanaú.
Um dos equipamentos criados pela prefeitura, e que tinha atuação intersetorial, era voltado especificamente para a educação de pessoas com deficiência: o Centro de Apoio e Desenvolvimento de Educação Especial – CADEE.
A história do CADEE
Mistura-se com a história da cidade a trajetória do Centro de apoio e desenvolvimento de educação especial (CADEE). Essa instituição surgiu em 1990 a partir do movimento de pais de pessoas com deficiência e da ação de organizações não governamentais ligadas aos direitos dessas pessoas. Foi a maior referência da população para o atendimento especializado durante 20 anos. Contava com atendimentos terapêuticos coordenados pela Secretaria de Saúde, serviços oferecidos pela Secretaria de Assistência Social e uma escola especial mantida pela Secretaria de Educação.
As professoras que atuavam nessa escola eram especializadas em educação especial e trabalhavam com turmas pequenas. As crianças com deficiência identificadas pela rede eram automaticamente encaminhadas para lá, pois nessa época as escolas não pensavam, ainda, em se tornar acessíveis nem arquitetônica nem pedagogicamente aos estudantes com necessidades específicas.
A partir de 2007, o CADEE começou a facilitar o processo de educação inclusiva do município, encaminhando alunos com deficiência auditiva e intelectual leve às escolas regulares e os acompanhando.
Em fevereiro de 2010, as atividades de escola especial do CADEE foram encerradas e todos os estudantes lá matriculados foram transferidos para escolas regulares da rede pública.
Em 2012, o CADEE, rebatizado como Centro de integração escola, saúde e assistência social (CIES), retomou as atividades educacionais, agora como uma escola regular, onde estudam alunos com e sem deficiência. Mas o centro mantém os atendimentos terapêuticos e de assistência social, sendo ainda uma iniciativa intersetorial das três Secretarias já citadas. Foram contratados professores regentes para as salas de aula e para a sala de recursos multifuncionais da unidade. Os demais profissionais do antigo CADEE continuam seu trabalho de educação inclusiva, agora lotados nas escolas regulares, auxiliando os alunos a continuar sua escolarização e os educadores a desenvolver estratégias para ensinar a todos.
É o caso de Regina da Silva e Valdícia Sales, hoje educadoras da Escola Municipal de Ensino Fundamental José Dantas Sobrinho.
A Escola José Dantas Sobrinho
A Escola Municipal de Ensino Fundamental José Dantas Sobrinho tem cerca de 520 estudantes matriculados. Possui três turmas de educação de jovens e adultos (EJA), no turno da noite, com cerca de 50 educandos. Também tem uma sala de recursos multifuncionais onde as duas educadoras, Regina e Valdícia, fazem o atendimento educacional especializado de cerca de 20 crianças.
Em 2006, a escola recebeu os primeiros alunos com deficiência. Bianca de Oliveira, vice-diretora da escola, e Silvana Aragão, diretora, relembram:
Em 2006, nós recebemos, no turno da noite, na educação de jovens e adultos, o primeiro aluno com deficiência auditiva. Hoje a gente trabalha com intérprete, mas no começo foi muito difícil, principalmente no primeiro ano. Logo no ano seguinte a prefeitura, dentro das políticas de educação inclusiva, já disponibilizou o intérprete. Mas o início da inclusão, da ideia de incluir alunos com deficiência na escola, foi assustador. Até para nós, da gestão, que tivemos primeiro que nos sensibilizar para posteriormente sensibilizar toda a nossa equipe.
Hoje, a escola atende estudantes com deficiência auditiva, física, intelectual, visual, múltipla e com autismo. A sala de recursos foi montada em 2010, com a chegada de Regina e Valdícia. Devido à especificidade de alguns dos alunos, a equipe percebeu que o material enviado pelo Ministério da Educação poderia ser complementado por outras tecnologias assistivas. Para resolver essa questão, foi utilizado o Programa de autonomia escolar da Prefeitura de Maracanaú.
O Programa de autonomia escolar (PAE) é um recurso que a prefeitura da cidade deixa disponível às escolas para agilizar pequenas reformas, manutenção ou aquisição de material. Há ainda o PAE-i, que é voltado para aquisição de material pedagógico para a educação infantil; o PAE-Acessibilidade, para reformas voltadas para adequação de acessibilidade e o PAE-Especial, para outras demandas não especificadas. Utilizando esses recursos, a Escola José Dantas pode equipar sua sala de recursos de forma a atender melhor a todas as necessidades dos estudantes.
Estratégias do atendimento educacional especializado (AEE)
Em 2012, os horários de trabalhos coletivos pedagógicos foram separados por área dentro da escola. A sala de recursos passou, então, a trabalhar com esses arranjos. Conta Regina:
Aqui no município o planejamento passou a ser por disciplina. Então, o que eu faço? Eu vou até esses professores da disciplina daquele dia ou eles vêm até a minha sala. A gente vê se tem um aluno incluído na sala desses professores e nós vamos ver que conteúdo eles estão planejando naquela semana; quais as modificações que a gente pode fazer para ele poder fazer a acessibilidade pedagógica lá na sala de aula, juntamente com o grupo.
Em uma tarde, Regina e Valdícia se encontraram com Verônica Nogueira, professora encarregada pelo 4º ano, e Analídia Araújo, professora do Programa de leitura e escrita. Essas duas professoras dão aulas para João Paulo, estudante com paralisia cerebral. Estava ainda, na reunião, Marta Martins, profissional de apoio que dá suporte ao aluno.
Valdícia explica para as companheiras o que aconteceria na reunião:
Vamos começar com uma troca de ideias na questão comportamental, a questão das regras na sala de aula. Falar da participação do João Paulo. Uma troca de ideias sobre como estão as relações dele em sala de aula. Depois, pedagogicamente falando, como está a proposta curricular. Aí passa um pouquinho para a Marta para ver como está o seu trabalho e depois como está o trabalho na sala de Leitura e Escrita. Não só com João Paulo, mas com as outras crianças também, porque o foco é a aprendizagem de todos.
Após conversarem um pouco, Regina apresenta ao grupo alguns materiais que elas elaboraram. O primeiro é um “chaveiro de comunicação”, uma série de fichas com figuras importantes para a comunicação, unidas no canto superior por uma argola de chaveiro, de forma a se poder trocar as figuras com facilidade. Uma alça larga também está inserida na argola, para possibilitar que o chaveiro fique pendurado ao pescoço do estudante. Há dois chaveiros: um feito para a escola com figuras como “quero ir ao banheiro”, “hora do lanche”, “não estou bem” etc. Seu foco é auxiliar a profissional de apoio. O segundo chaveiro foi feito com auxílio dos pais do aluno e seu foco são as atividades domésticas. Traz figuras como “quero frutas” ou “quero ouvir música”.
Em seguida, Regina mostrou o portfólio de João Paulo, indicando as diversas atividades que o estudante realiza na sala de recursos, relativas ao dia a dia e buscando sua autonomia. Nessa hora, a preocupação das profissionais era mostrar outros formatos — colagem, desenho a mão livre etc. — de se trabalhar o conteúdo de sala de aula com o estudante, para que ele possa trabalhar os mesmos conteúdos dos colegas.
Regina e Valdícia mostram também pranchas com os algarismos, ilustrados por figuras, que podem auxiliar nas aulas de matemática.
Depois, as cinco educadoras discutem como João Paulo se apresenta agora na sala de aula, em termos comportamentais. Verônica e Analídia comentam como a diversificação das atividades tem ajudado na concentração do estudante: quanto mais interesse ele tem na atividade, mais facilmente fica sentado e atento ao conteúdo dado. Assim, sente-se mais motivado para participar da aula.
As profissionais do AEE também perguntam como a presença do João Paulo influencia na dinâmica da aula. Analídia responde:
Eu posso dizer que mudei aprendendo com ele. A forma com que ele convive com os colegas me fez aprender uma nova metodologia de sala de aula. Eu também me adequei à forma com que ele se conduz na sala. Por exemplo, ele gosta de mostrar as atividades dele — e nenhum outro aluno quer mostrar, mas ele acha importante isso. Claro, eu não mudei o conteúdo. É igual. As atividades são iguais. Mas a forma com que eu conduzo a turma mudou por causa dele.
A reunião termina com as professoras levando engrossadores de lápis (feitos com tubos isolantes térmicos) e muitas ideias para a sala de aula. Já terminaram as aulas da tarde. Regina se prepara para o turno noturno.
Atendimento especializado no EJA
A professora Regina, do AEE da EMEF José Dantas, dá apoio aos professores durante as atividades de planejamento realizadas no período da noite. Mas o desafio de atender ao estudante que frequenta a sala de aula nesse período continua. Regina explica o problema:
Tem a questão do trabalho do aluno no contraturno. Ele, muitas vezes, não pode frequentar o AEE no contraturno porque estuda à noite. Ele não pode vir nem de manhã e nem à tarde, porque às vezes está trabalhando ou exercendo alguma função. Até entramos num acordo, aqui, da gente ter uma alternativa de atendê-los às 17h30, por exemplo – no intervalo entre um turno e outro – para contemplar os alunos daqui da escola.
Ainda são poucas, no Brasil, as iniciativas de atendimento educacional especializado nos turnos noturnos das escolas, que muitas vezes comportam a educação de jovens e adultos (EJA). Em Maracanaú, no entanto, a rede municipal busca resolver essa questão. Afirma Ana Paula Lima, coordenadora do Núcleo de educação especial Inclusiva da Secretaria Municipal de Educação de Maracanaú:
As salas de AEE, que oferecem o atendimento educacional especializado, funcionam à noite. A gente já tem esse profissional para dar suporte ao professor. A gente sabe que o aluno não é atendido no turno, mas tem o professor que precisa desse apoio. E a gente dá esse apoio ao professor, a gente tem intérprete de Libras, a gente tem instrutor que faz itinerância à noite.
A professora Jamília Ramos se beneficiou da presença dos intérpretes no turno da noite. Tendo recebido, em 2012, pela primeira vez, estudantes surdos em sua sala, recorreu aos intérpretes para auxiliá-la:
Eu fui procurando logo ajuda com os intérpretes, perguntando: “como é que eu faço tal atividade?” Foi quando eles começaram a falar que eles eram alunos muito visuais. Fazer muitos gestos. A partir daí eu comecei a ir adaptando mais as minhas aulas, para eles e para os outros alunos.
Uma das atividades desenvolvidas exemplifica bem tal adaptação: a professora precisava ensinar as regras de pontuação para seus estudantes, numa aula de português. Ela primeiro explicou como e quando utilizar cada pontuação. Depois, ela mostrou figuras de pessoas cujas expressões faciais demonstravam algum tipo de sentimento, como surpresa ou dúvida. Em seguida, pediu aos alunos que criassem frases que ilustrassem a figura, utilizando a pontuação adequada para demonstrar o sentimento de cada pessoa retratada na imagem. Num terceiro momento, ela pediu para que os estudantes se reunissem em grupos para eles próprios escolherem imagens e criarem frases a respeito delas. Nesse momento, todos os educandos interagiram, incluindo os surdos.
A intérprete da sala, Danielly de Lima, sabia da atividade de antemão e pode contribuir em sua dinâmica. Ela descreve a relação com a professora Jamília:
Ela fala o que tem que passar aos alunos e vai me dando as sugestões dela: “você acha melhor assim?” E eu vou dando opinião para ela de qual é o melhor. Às vezes ela diz que não, que acha outra forma melhor: “Pode ser esse?” “Pode, se você acha melhor e é visual, tudo bem”. Eu dou a sugestão, mas quem diz que sim ou não é ela, como professora. Ela que decide.
O respeito à metodologia do professor, aliás, é cultivado pelos profissionais do atendimento especializado. Como explica Valdícia:
É a partir da interlocução, pois cada professora tem a sua metodologia. Então nós vamos conquistando, dando orientações, tais como: “Vamos trabalhar com cartazes, ou animais, que envolvam mais os meninos no conteúdo? Vamos, juntas, confeccionar jogos cooperativos para que eles possam interagir?” Vamos movimentando a sala com novas estratégias, mas aos poucos.
O desenvolvimento da educação inclusiva envolve toda a escola. Cabe à gestão, de acordo com a diretora Silvana, o papel de articulador: promover espaços e tempos, temas de debate que possam unir todos os atores envolvidos, que, na José Dantas, começa pelo porteiro. Ela conta que até o porteiro da escola, percebendo a necessidade de orientar os estudantes surdos, fez um curso de Libras. O foco das ações está no coletivo, pois a escola aposta que é a partir dele que se torna possível um novo modelo de ensino.
A relação com os pais faz parte desse coletivo. Para Silvana, foi uma mãe a pessoa mais importante no começo das práticas inclusivas da escola. Cláudia Granja, mãe de João Paulo, conta que tentou matricular o filho na escola anteriormente à lei 6.571/2008, mas que ele foi encaminhado para o então CADEE. Para ela, o lugar do filho não era lá, pois limitava seu mundo à uma igualdade forçada e artificial. Assim que soube da lei, retornou à EMEF José Dantas em busca de uma vaga para seu filho. A escola estava receosa, pois ainda não tinha profissionais de apoio para auxiliar João Paulo, que demanda certos cuidados pessoais. Silvana lembra:
Então a Cláudia chegou para matricular o filho e eu disse “mas ele vai precisar de um cuidado especial!” E ela disse “não vai”. Eu disse: “Cláudia, mas enquanto não se tem um profissional de apoio, você vai ter que ficar aqui de apoio com a gente; nós não vamos saber lidar com essas questões!” E ela foi nos ensinando: “não, não é por aí; tem que saber dizer não para o João Paulo, ele tem que participar de tudo. João Paulo tem que ir para um passeio em que eu não vou estar presente, e se acontecer alguma coisa, eu vou confiar na escola.
A participação dos pais
Como muitas outras instituições, a EMEF José Dantas Sobrinho tem dificuldades em fazer todos os pais participarem das atividades da escola. Mas os pais que participam fazem diferença para a construção de novas estratégias e a escola busca estar disponível para eles. Francisco Matias da Silva e Maria Luiza Matias, pais de Antônio Mateus, são um exemplo. Frequentemente, eles dialogam com Regina e Valdícia sobre o desenvolvimento do filho. Como a música é um fator terapêutico importante para Antônio Mateus, as profissionais e a família trocam informações sobre as canções que ele mais gosta. A família também informa às profissionais como suas intervenções no AEE repercutiram em casa.
Já Antônio Nunes, pai de David, que tem uma rara síndrome degenerativa, compreende que é necessário aos pais ir além da escola:
O nosso envolvimento como pai não é tanto cobrar do professor, mas também cobrar da prefeitura, da Secretaria de Educação, que ela tenha ferramentas para que essa inclusão possa seguir adiante, que ela não pare no meio do caminho.
Os pais de João Paulo, Antônio Mateus e David compartilham duas características: apostar na autonomia de seus filhos e acreditar que vale a pena lutar por seus direitos.
Mas a escola inclusiva não teve impacto apenas nas famílias das crianças com deficiência. Natália, aluna com deficiência auditiva que estuda na escola regular, ao interagir com seus colegas, levou-os ao desejo de poder se comunicar com ela. Liliana Gomes, mãe de Alessandro, que é colega de Natália, conta:
O meu filho, Alessandro, às vezes se preocupa. Ele tenta falar com a Natália mas não consegue. Aí ele procura a “tia”, passa para a “tia” o que quer dizer e pede para que ela ensine a ele, para que possa se comunicar com ela.
Já Denise Pacheco conta que sua filha, Tauana, é muito amiga de Natália:
Dentro de casa, a Tauana tenta sempre falar comigo em sinais, como se estivesse falando com a coleguinha. E eu acho muito interessante isso. E me despertou o interesse de fazer o curso de Libras.
Outras mães também mostraram interesse em fazer o curso de Libras depois que seus filhos aprenderam para se comunicar com os colegas. Já o pai de Natália, Francinaldo Prudêncio, também surdo, conta que, na escola atual, sua filha tem se desenvolvido melhor do que nas instituições anteriores:
Eu sempre vejo a Natália brincando com outras crianças; procurando aprender. E isso tem sido muito bom e prazeroso.
As relações estabelecidas entre os estudantes com e sem deficiência se refletem, portanto, nos pais, levando a uma nova consciência da função da escola na sociedade, como expõe Denise:
A inclusão tem sido, para os pais, no meu caso, o que quebra aquele tabu de que a escola tem que ser padronizada. Não, a escola é para todos.
Para fortalecer a sua parceria, esses pais procuram estar presentes na escola e manter diálogos com professores e gestão. Assim, os pais são capazes de contribuir para que as atividades escolares e domésticas sigam uma mesma linha e se reforcem.
Outra importante ação é buscar parceria com o poder público, de forma a garantir a continuidade dos programas e recursos. Um grupo de pais, em Maracanaú, está montando uma associação de pais com o objetivo de, por um lado, monitorar as ações públicas e os direitos dos estudantes com deficiência e, por outro, incentivar as famílias a participar mais da vida escolar de seus filhos.
Neide Avelar, seu marido, Carlos Henrique Avelar, e Jacinto da Silva, esses dois últimos representantes da sociedade civil no Conselho Municipal de Educação, fazem parte desse grupo. Carlos Henrique reflete sobre sua necessidade:
Mas, também, a gente tem a preocupação de que alguns pais ainda não acordaram para a realidade. A gente sabe disso. Aí é que entra o papel dessa associação que nós estamos querendo criar: é de incentivar os pais a respeito de seus direitos, dos seus deveres e de constituir um município onde nossos filhos possam realmente ser incluídos.
Jacinto continua:
Eu não acredito que esteja faltando só a lei. Está faltando que a família busque os direitos da pessoa com deficiência, se integrando em entidades, em conselhos, se integrando na comunidade para que as coisas possam acontecer. Porque você ficando dentro de casa, só esperando o carro vir buscar seu filho, isso não resolve o problema.
Carlos Henrique resume da seguinte forma suas preocupações:
Eu, Carlos Henrique, esposo da Neide, pai da Marília e da Tereza, acredito que não existe inclusão sem a família. O meu jargão com o pessoal da Secretaria de Educação é sempre isso: não é inclusão, se não tem a família.
A participação de Carlos Henrique e Jacinto no Conselho Municipal de Educação tem sido importante para que a educação inclusiva esteja sempre em pauta nas suas atividades.
Nilson Moreira, presidente do Conselho Municipal de Educação, explica que o principal papel deste é essencialmente mobilizador. Mas ele também tem atuação como órgão normativo e fiscalizador.
O Conselho é formado por representantes dos diversos segmentos da comunidade escolar: pais de estudantes, professores (da educação infantil e ensino fundamental), gestores das escolas (municipais e privadas), entidades da sociedade civil, outros conselhos municipais (como o Conselho Tutelar, dos Direitos da Criança e do Adolescente) e comunidades indígenas.
Em relação à educação inclusiva, o Conselho normatizou a redução do número total de estudantes em salas que tivessem educandos com deficiência e fiscaliza a acessibilidade arquitetônica de todas as escolas. A parceria com a prefeitura transformou em política pública a presença de intérpretes e profissionais de apoio nas escolas.
Nilson ressalta, também, a necessidade da participação da família no conselho e nas escolas. Ele sugere:
Um grande conselho é: juntar as famílias dessas pessoas, passar um bom tempo conversando com elas, sensibilizando as famílias para o processo de inclusão e para o ganho dessas crianças nas escolas regulares.
Uma cidade e uma escola em desafios
Tanto o município de Maracanaú quanto a Escola José Dantas trazem bons exemplos de práticas inclusivas. Mas seus protagonistas sabem que o processo ainda precisa avançar. A palavra “desafio” é repetida a cada frase, a cada reflexão.
Na Secretaria de Educação, por exemplo, Marcelo ainda busca soluções para que o isolamento das secretarias do município, principalmente com as mudanças de gestão, não impeça o avanço da intersetorialidade nas ações e nos equipamentos montados para atender a população dos estudantes. Por outro lado, há também que se lidar com diversos casos de pessoas com deficiência, muitos adultos, que ainda não conseguiram ser incluídos na rede municipal de educação, seja por não terem um diagnóstico, seja porque ainda não se encontrou uma solução que compatibilize a permanência na escola e sua condição de saúde. Muitos desses alunos hoje frequentam a escola exclusivamente para serem atendidos pelas educadoras do AEE, o que permite que eles convivam minimamente com outros estudantes, mas não garante seu desenvolvimento cognitivo.
Esse desafio também se faz presente para Regina e Valdícia, na sala de recursos multifuncionais da EMEF José Dantas Sobrinho. Aos poucos, elas convencem pais de casos mais complexos a pensarem na escolarização de seus filhos, mas precisam lidar com a desconfiança destes. Ao mesmo tempo, elas precisam imaginar como atender aos estudantes com deficiência do EJA da escola, que não podem participar do AEE no contraturno.
À escola sobressalta o desafio de balancear a formação teórica com os ensinamentos trazidos pelos próprios educandos. A professora Adriana Limaverde, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, descreve esse desafio, ao conhecer a José Dantas:
Eu posso ter inúmeras informações sobre as deficiências que nada vai adiantar se não houver convívio. É preciso fazer a fusão desses dois conhecimentos: da formação e da prática. Eu penso que tanto as professoras quanto a gestão da escola deixaram muito claro que o saber não se ressignifica se não estiver na presença do aluno.
Tanto os desafios que se colocam para a Secretaria Municipal quanto para a escola são relativos à necessidade de formar alianças com outros agentes da comunidade: sejam outras secretarias, sejam os funcionários de uma escola ou as famílias dos alunos. É necessário que cada um desses agentes disponibilize tempo para as discussões, reflita sobre suas práticas e se coloquem uns nos lugares dos outros. A superação das atuais dificuldades exige o repensar das posições dos diversos envolvidos na educação.
Notas
Esse caso foi desenvolvido a partir de depoimentos dos envolvidos. Os casos do Projeto Diversa têm como finalidade ser utilizados por mediadores, em cursos de formação continuada, como base para discussões. Não servem, portanto, como endosso, fonte de dados primários ou de práticas pedagógicas efetivas ou inefetivas.
©Instituto Rodrigo Mendes. Licença Creative Commons BY-NC-ND 2.5. A cópia, distribuição e transmissão dessa obra são livres, sob as seguintes condições: Você deve creditar a obra como de autoria de Augusto Galery e licenciada pelo Instituto Rodrigo Mendes; é vedado o uso para fins comerciais; é vedada a alteração, transformação ou criação em cima dessa obra, a não ser com autorização expressa do licenciante.
Sobre o autor
Augusto Galery é doutor em psicologia social, pesquisador do Laboratório de Estudos em Psicanálise e Psicologia Social (LAPSO) da Universidade de São Paulo (USP) e professor do Centro Universitário Fecap. Foi colaborador do Instituto Rodrigo Mendes até 2015.
Esse caso foi desenvolvido a partir de depoimentos dos envolvidos. Os casos do Projeto Diversa têm como finalidade ser utilizados por mediadores, em cursos de formação continuada, como base para discussões. Não servem, portanto, como endosso, fonte de dados primários ou de práticas pedagógicas efetivas ou inefetivas.
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