Ensino superior: instituições explicam importância da inclusão

Além de uma educação para todos no ensino fundamental e médio, ensino superior inclusivo desenvolve autonomia e respeito à diversidade

O direito das pessoas com deficiência à uma educação inclusiva e de qualidade em todos os níveis de ensino é assegurado pelo menos desde 2015 com a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), a Lei nº 13.146. A lei foi criada com base na Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência e visa garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem por meio da eliminação de barreiras.

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Inclusiva, de 2008, corrobora com a ideia de todas as crianças serem bem-vindas na escola. De acordo com Nayane Cardoso, coordenadora do Núcleo de Acessibilidade da Universidade Metodista de São Paulo, isso também vale para o ensino superior, onde todas as pessoas são bem-vindas, ou deveriam ser.

Embora a LBI abranja todos os níveis de ensino, inclusão e acessibilidade no ensino superior ainda são temas pouco abordados no país. Para compartilhar informações sobre o assunto, o DIVERSA tem buscado conhecer casos de sucesso de pessoas com deficiência na universidade e saber mais informações sobre o trabalho de Núcleos de Acessibilidade nesses espaços de formação superior.

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É essencial que não seja assegurado somente que as pessoas com deficiência estejam na universidade, mas que esse seja um espaço de valorização das singularidades de cada estudante, para que ele desenvolva suas potencialidades e conquiste autonomia, independentemente de ser pessoa com deficiência ou não.

De acordo com Rosana Quevedo, que trabalha na área da educação há mais de vinte anos e é a atual responsável pelo Núcleo de Acessibilidade da Universidade Federal do ABC (UFABC), “o desafio sempre foi proporcional à responsabilidade que é pensar uma universidade inclusiva: gigante”. Ela explica que cada ação, cada conversa com os estudantes e cada dado levantado é uma fonte de aprendizado.

Em campus da Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo do Campo, estudante com deficiência visual utiliza bengala tátil enquanto caminha. Fim da descrição.
Fonte: Universidade Metodista de São Paulo. 

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Atuação dos Núcleos de Acessibilidade

Segundo Rosana, o Núcleo de Acessibilidade na instituição de ensino superior é o “setor que acolhe e orienta as alunas e alunos com deficiência ou com alguma necessidade educacional específica, buscando sua permanência qualificada na universidade”.

Saiba mais sobre o Núcleo de Acessibilidade de algumas universidades do Estado de São Paulo:

+ Universidade Federal do ABC
“Aqui no Núcleo o atendimento é humanizado, a escuta é constante, o diálogo é nossa principal fonte em qualquer ação adotada na universidade.”, afirma Rosana.

Na UFABC, as ações do Núcleo de Acessibilidade são voltadas pensando no cotidiano de estudantes com deficiência ou que precisam de algum atendimento educacional especializado – desde o deslocamento entre sua residência e a universidade, até questões relacionadas às disciplinas de cada período, buscando identificar possíveis barreiras que representem dificuldade no processo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, são exemplos de ações realizadas pelo Núcleo:

• Acompanhamento sistemático dos estudantes com deficiência ou com alguma necessidade educacional específica;
• Orientação e suporte ao corpo docente;
• Mapeamento das dificuldades dos estudantes atendidos;
• Pesquisas sobre Tecnologias Assistivas disponíveis para utilização;
• Coordenação das ações da equipe de profissionais de Tradução e Interpretação de Língua de Sinais.

+ Metodista
“Acompanhamos desde a candidatura do aluno até a sua formação, garantindo espaço físico, pedagógico e de diálogo com a coordenação e professores.”, explica Nayane.

Na Metodista, o estudante pode identificar já no formulário de candidatura se tem alguma deficiência ou dificuldade de aprendizagem e o apoio que ele precisa, seja nos cursos presenciais ou nos cursos à distância.

Nayane declara que a equipe do Núcleo entra em contato com o estudante e sua família para entender melhor suas vivências, habilidades e necessidades, e em seguida faz a ponte com a coordenação do curso, para disponibilizar as adequações necessárias para que o estudante participe plenamente das aulas. Essas adequações podem ser físicas, pedagógicas, comunicacionais, tecnológicas ou instrumentais.

Dependendo da situação, o Núcleo também oferece orientação e capacitação para os professores universitários. Já houve casos em que realizaram um programa de orientação para os educadores sobre o que é o Transtorno do Espectro Autista (TEA), para que o educador criasse adaptações para suas aulas, principalmente nas metodologias de avaliação. O conteúdo ministrado é o mesmo, mas são disponibilizadas ferramentas para que o processo de ensino-aprendizagem seja acessível.

Em sala de aula, duas educadoras participam de formação sobre educação inclusiva. Elas seguram materiais com alto relevo. Fim da descrição.
Fonte: Universidade Metodista de São Paulo.

+ Universidade Federal de Goiás
“Temos consciência de que a inclusão só é efetiva quando envolve as pessoas com deficiência, TEA, altas habilidades e superdotação. Para tanto, criamos canais de comunicação, realizamos encontros e eventos, fazemos atendimentos especializados para escuta das/dos estudantes.”, declara Ana Claudia Antonio Maranhão Sá, diretora do Sistema Integrado dos Núcleos de Acessibilidade da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Segundo a diretora, é a partir da escuta que conseguem identificar as maiores dificuldades para construir estratégias de intervenção: “atuamos no sentido de que a UFG possa garantir condições de acesso e participação com qualidade nas ações da universidade – contemplando ensino, pesquisa e extensão.”

Ela explica que isso inclui muitos desafios, incluindo alterações no espaço físico, a busca pelo Desenho Universal em sistemas e sites, melhorias em procedimentos e serviços de atendimento ao público, a formação de docentes e técnicos, a construção de estratégias e a adaptação dos materiais utilizados em aulas e dos acervos das bibliotecas.

O Núcleo de Acessibilidade da UFG tem como objetivo propor e viabilizar uma educação superior inclusiva aos estudantes com deficiência física, visual, auditiva e intelectual, TEA e altas habilidades/superdotação, por meio da eliminação de barreiras atitudinais, arquitetônicas, pedagógicas, informacionais e comunicacionais.

Tem-se como foco o respeito às diferenças, buscando a formação e a sensibilização da comunidade acadêmica, a aquisição de recursos e tecnologias assistivas para o acesso a todos os espaços, ambientes, ações e processos educativos desenvolvidos na instituição.

Ana Claudia afirma que também há investimento na formação continuada de docentes e técnicos para que compreendam a diversidade da comunidade universitária.

Em sala de aula, graduandos participam de oficina de Libras. Fim da descrição.
Fonte: Universidade Metodista de São Paulo.

Programas de destaque nas instituições de ensino

Além dos Núcleos de Acessibilidade, há também programas para apoiar a disponibilização do acesso à educação a todas as pessoas em instituições de ensino superior.

É o caso do Programa USP Acessível, da Universidade de São Paulo (USP). Ana Lúcia Pompéia Fraga de Almeida, coordenadora da iniciativa, conta que o programa é subordinado à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária e consiste em um conjunto de medidas para a interlocução de promoção da inclusão e da acessibilidade de pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida a espaços, edifícios e atividades acadêmicas da USP.

A iniciativa possui as seguintes finalidades:

• Fomentar a concretização, no âmbito dos serviços públicos educacionais prestados pela Universidade de São Paulo, das determinações do Estatuto da Pessoa com Deficiência e da Lei Nacional de Acessibilidade;
• Promover a articulação das dimensões do ensino, da pesquisa e da cultura e extensão no âmbito do Programa;
• Propor ações para que a Universidade de São Paulo seja acessível a pessoas com deficiência.

Ao longo de sua existência, o Programa ofereceu cursos para capacitação de servidores e docentes; era responsável pela inspeção de prédios, visando diminuir as barreiras arquitetônicas; apoia a instalação de equipamentos de tecnologia assistiva; e cuida da impressão em braile de cardápios dos restaurantes, bem como de material didático solicitado por discentes e docentes. Além disso, serve como interlocutor entre discentes e as Pró-Reitorias de Graduação e Pós-Graduação.

Ana Lucia relata que, nas redes sociais do Programa, são realizadas postagens, para a comunidade interna e externa da USP, com informações sobre direito, locais de atendimento, possibilidade de auxílios, ações voltadas para a inclusão e orientações nos casos de violação dos direitos das pessoas com deficiência.

Adulto faz transcrição de áudio para texto em computador. Fim da descrição.
Fonte: Universidade Metodista de São Paulo.

Outro exemplo de programa inclusivo é a Monitoria Inclusiva da UFG. Ana Claudia explica que o programa inclui um grupo de graduandos com e sem deficiência selecionados e treinados, que dedicam dez horas semanais em atividades voltadas aos discentes com alguma necessidade educacional específica. Exemplos dessas atividades são o apoio nas atividades acadêmicas e a adaptação de materiais, podendo dar suporte como leitor ou transcritor.

“A monitora ou monitor inclusivo auxilia a comunidade a adotar práticas mais inclusivas, que proporcionem ao público atendido pelo Núcleo de Acessibilidade autonomia e segurança em sua jornada dentro da universidade. É a experiência de cada estudante monitor que faz com que a cada dia o combate ao capacitismo ganhe força dentro da universidade”, afirma a diretora.

Barreiras à educação inclusiva no ensino superior

Embora as universidades contem com Programas e Núcleos de Acessibilidade e estejam tendo resultados positivos na disponibilização de recursos acessíveis, Nayane, tendo estudado os motivos de evasão do ensino superior por pessoas com deficiência em seu mestrado, afirma que barreiras e dificuldades ainda cercam a educação inclusiva no ensino superior.

Para além das questões arquitetônicas e de tecnologias, a coordenadora expõe que as principais barreiras da atualidade para a inclusão de fato são comunicacionais e atitudinais: “Hoje a gente tem um campus mais acessível do que há 20 anos atrás… Temos lugares que não tem mais degrau, mas não é totalmente acessível como gostaríamos. (As barreiras atitudinais) são coisas que a gente precisa trabalhar”, diz ela.

A coordenadora do Núcleo de Acessibilidade da Metodista explica que falar sobre inclusão é sair da zona de conforto e, mesmo com a falta de informação ou formação específica sobre as deficiências e o trabalho inclusivo, a sensibilização e a conscientização sobre a importância da educação inclusiva andam ao lado de aceitar “ir ao encontro do outro e tentar aprender com o outro”.

Em consonância, Rosana Quevedo, da UFABC, afirma que recentemente muitos preconceitos foram escancarados, com declarações de que a criança com deficiência não deve frequentar o ensino comum, mas que esse pensamento deve ser eliminado: “Temos que combater todo e qualquer discurso que promova esse tipo de pensamento”.

De acordo com a coordenadora do Programa USP Acessível, Ana Lucia, apesar de a participação efetiva de pessoas com diferentes necessidades terem aumentado em todos os âmbitos da sociedade, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Ela diz que as barreiras podem ser eliminadas “principalmente com o reconhecimento de que as diferenças fazem parte da rotina de todos e que o respeito deve permear todo relacionamento humano”.

Na opinião de Ana Claudia, da UFG, a universidade sempre foi impulsionadora de mudanças sociais, por ser uma amostra da sociedade, formada de pessoas dos mais diversos gêneros, classes sociais, etnias e características pessoais. Por isso o movimento de luta por uma educação para todos é tão importante: contar com diversidade nas salas de aula comuns faz com que os estudantes aprendam a respeitar as diferenças e entendam que todos precisam ter oportunidades equitativas de participação na sociedade.

“Quando estamos na escola e na universidade, não aprendemos apenas o conteúdo. Também aprendemos a conviver com a diversidade humana e expandimos nossos horizontes”, diz Ana Claudia.

“A educação nos faz notar um mundo para além daquele em que estamos inseridos. O processo educativo traz experiências históricas e de vida, dá a oportunidade de observar, questionar, mergulhar, criticar, construir e reconstruir. Só com uma educação valorizada e reconhecida é que poderemos sair desses cenários tão prejudiciais e infelizmente ainda tão presentes na nossa sociedade”, finaliza Rosana Quevedo, da UFABC.

Valorização da diversidade e desconstrução do capacitismo

“Incluir é respeitar as diferenças, afinal de contas, todos somos diferentes e temos os mesmos direitos.”

É o que acredita Ana Lucia, do Programa USP Acessível. Para ela, mesmo com o conhecimento e as tecnologias educacionais adequadas, que favoreçam o desenvolvimento de todos, ainda há necessidade de reflexões e aprofundamento no assunto para que todo indivíduo com necessidades específicas consiga obter aquilo que vai valorizá-lo como pessoa, e favorecer seu desenvolvimento acadêmico: “Cada caso é único e demanda um olhar individualizado, com trabalho específico objetivando desenvolver o potencial almejado”.

Além disso, ela aponta que é inegável o dever de cumprir com a Constituição Brasileira, que assegura a todas e todos uma educação de qualidade e igualitária, uma vez que as políticas públicas devem oferecer condições para que as instituições busquem estratégias inclusivas.

“Essa mudança começou na educação básica e estamos colhendo os frutos de uma geração que frequentou a escola regular e alcançou o ensino superior. Nossa luta é, principalmente, para garantir condições de acesso e permanência com qualidade, ou seja, condições de aprendizagem que contribuam para a formação cultural e profissional, dando às pessoas oportunidades de ingresso no mundo do trabalho, na área e na função que desejarem”, complementa Ana Claudia, da UFG.

Para ela, a educação é fundamental para mudanças culturais e para a mudança da visão coletiva sobre a capacidade de aprendizagem e de atuação da pessoa com deficiência: “a capacitação do estudante com deficiência para o trabalho e a construção de um olhar positivo das pessoas sobre seu potencial, a tendência é sairmos de uma perspectiva capacitista, e termos profissionais com uma cultura mais inclusiva”.

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