A legislação federal brasileira e a educação de alunos com deficiência

Desde os tempos da colônia, a educação de estudantes com deficiência no Brasil recebeu algum tipo de atenção. Mas não vamos voltar tanto assim no tempo. O ponto de partida desta linha do tempo da legislação relativa à educação especial é o ano de 1988, quando foi promulgada a Constituição federal ainda em vigor. Ela foi chamada “Constituição cidadã”, porque garantiu direitos a grupos sociais até então marginalizados, como as pessoas com deficiência – que também participaram ativamente de sua elaboração.

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A seguir, apresentamos de forma resumida as principais leis, diretrizes e programas sobre educação especial do Brasil.

A legislação federal

1988

Constituição federal: o artigo 205 define a educação como um direito de todos, que garante o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Estabelece a igualdade de condições de acesso e permanência na escola como um princípio. Por fim, garante que é dever do Estado oferecer o atendimento educacional especializado (AEE), preferencialmente na rede regular de ensino.

1994

Portaria do Ministério da Educação (MEC) nº 1.793: recomenda a inclusão de conteúdos relativos aos aspectos éticos, políticos e educacionais da normalização e integração da pessoa portadora de necessidades especiais nos currículos de formação de docentes.

1996

Lei nº 9.394 – Lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDB): define educação especial, assegura o atendimento aos educandos com necessidades especiais e estabelece critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial para fins de apoio técnico e financeiro pelo poder público.

1999

Decreto nº 3.298: dispõe sobre a Política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência. A educação especial é definida como uma modalidade transversal a todos os níveis e modalidades de ensino.

Resolução da Câmara de educação básica do Conselho nacional de educação (CNE/CEB) nº 4: institui as diretrizes curriculares nacionais para a educação profissional de nível técnico. Também aborda, no artigo 16, a organização do sistema nacional de certificação profissional baseado em competências.

2001

Resolução CNE/CEB nº 2: institui as diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica. Afirma que os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos.

Parecer CNE/CP nº 9: institui as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica em nível superior. Estabelece que a educação básica deve ser inclusiva, para atender a uma política de integração dos estudantes com necessidades educacionais especiais nas classes comuns dos sistemas de ensino. Isso exige que a formação dos docentes das diferentes etapas inclua conhecimentos relativos à educação desses alunos.

Parecer CNE/CEB nº 17: destaca-se por sua abrangência, indo além da educação básica, e por se basear em vários documentos sobre educação especial. No item 4, afirma que a inclusão na rede regular de ensino não consiste apenas na permanência física desses alunos junto aos demais educandos, mas representa a ousadia de rever concepções e paradigmas, bem como de desenvolver o potencial dessas pessoas.

2002

Lei nº 10.436: dispõe sobre a Língua brasileira de sinais (Libras). Reconhece a língua de sinais como meio legal de comunicação e expressão, bem como outros recursos de expressão a ela associados.

Portaria MEC nº 2.678: aprova o projeto da grafia braile para a língua portuguesa, recomenda seu uso em todo o território nacional e estabelece diretrizes e normas para a utilização, o ensino, a produção e a difusão do Sistema Braille em todas as modalidades de ensino.

2003

Portaria nº 3.284: dispõe sobre os requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiência, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições.

2004

Programa universidade para todos (PROUNI): programa do Ministério da Educação que concede bolsas de estudo em instituições privadas de educação superior, em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, a estudantes. Pessoas com deficiência podem concorrer a bolsas integrais.

2005

Programa de acessibilidade no ensino superior (Programa incluir): propõe ações que garantem o acesso pleno de pessoas com deficiência às instituições federais de ensino superior (ifes). O programa tem como principal objetivo fomentar a criação e a consolidação de núcleos de acessibilidade nessas unidades, os quais respondem pela organização de ações institucionais que garantam a integração de pessoas com deficiência à vida acadêmica, eliminando barreiras comportamentais, pedagógicas, arquitetônicas e de comunicação.

Decreto nº 5.626: regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Dispõe sobre a inclusão da Libras como disciplina curricular; a formação e a certificação do professor, instrutor, tradutor e intérprete; o ensino de língua portuguesa como segunda língua para alunos surdos e a organização da educação bilíngue no ensino regular.

2007

Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE): recomenda a acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares, a implantação de salas de recursos multifuncionais e a formação docente para o atendimento educacional especializado (AEE).

Decreto nº 6.094: implementa o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, que destaca a garantia do acesso e permanência no ensino regular e o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos para fortalecer a inclusão educacional nas escolas públicas.

2008

Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva: documento de grande importância, fundamenta a política nacional educacional e enfatiza o caráter de processo da inclusão educacional desde o título: “na perspectiva da”. Ou seja, ele indica o ponto de partida (educação especial) e assinala o ponto de chegada (educação inclusiva).

Decreto legislativo nº 186: aprova o texto da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência e de seu protocolo facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. O artigo 24 da Convenção aborda a educação inclusiva.

2009

Decreto executivo nº 6.949: promulga a Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência e seu protocolo facultativo.

Resolução MEC CNE/CEB nº 4: institui as diretrizes operacionais para o atendimento educacional especializado na educação básica, modalidade educação especial. Afirma que o AEE deve ser oferecido no turno inverso da escolarização, prioritariamente nas salas de recursos multifuncionais da própria escola ou em outra escola de ensino regular.

2011

Plano nacional dos direitos da pessoa com deficiência (Plano viver sem limite): no art. 3º, estabelece a garantia de um sistema educacional inclusivo como uma das diretrizes. Ele se baseia na Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, que recomenda a equiparação de oportunidades. O plano tem quatro eixos: educação, inclusão social, acessibilidade e atenção à saúde. O eixo educacional prevê:

• Implantação de salas de recursos multifuncionais, espaços nos quais é realizado o AEE;
• Programa escola acessível, que destina recursos financeiros para promover acessibilidade arquitetônica nos prédios escolares e compra de materiais e equipamentos de tecnologia assistiva;
• Programa caminho da escola, que oferta transporte escolar acessível;
• Programa nacional de acesso ao ensino técnico e emprego (Pronatec), que tem como objetivo expandir e democratizar a educação profissional e tecnológica no país;
• Programa de acessibilidade no ensino superior (Incluir);
• Educação bilíngue – Formação de professores e tradutores-intérpretes em Língua Brasileira de Sinais (Libras);
• BPC na escola.

Decreto nº 7.611: declara que é dever do Estado garantir um sistema educacional inclusivo em todos os níveis e em igualdade de oportunidades para alunos com deficiência; aprendizado ao longo da vida; oferta de apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação, entre outras diretrizes.

Nota Técnica MEC/SEESP/GAB nº 06: dispõe sobre avaliação de estudante com deficiência intelectual. Estabelece que cabe ao professor do atendimento educacional especializado a identificação das especificidades educacionais de cada estudante de forma articulada com a sala de aula comum. Por meio de avaliação pedagógica processual, esse profissional deverá definir, avaliar e organizar as estratégias pedagógicas que contribuam com o desenvolvimento educacional do estudante, que se dará junto com os demais na sala de aula. É, portanto, importantíssima a interlocução entre os professores do AEE e da sala de aula regular.

2012

Decreto nº 7.750: regulamenta o Programa um computador por aluno (PROUCA) e o regime especial de incentivo a computadores para uso educacional (REICOM). Estabelece que o objetivo é promover a inclusão digital nas escolas das redes públicas de ensino federal, estadual, distrital, municipal e nas escolas sem fins lucrativos de atendimento a pessoas com deficiência, mediante a aquisição e a utilização de soluções de informática.

2013

Parecer CNE/CEB nº 2: responde à consulta sobre a possibilidade de aplicação de “terminalidade especifica” nos cursos técnicos integrados ao ensino médio: “O IFES entende que a ‘terminalidade específica’, além de se constituir como um importante recurso de flexibilização curricular, possibilita à escola o registro e o reconhecimento de trajetórias escolares que ocorrem de forma especifica e diferenciada”.

2014

Plano nacional de educação (PNE): define as bases da política educacional brasileira para os próximos 10 anos. A meta 4, sobre educação especial, causou polêmica: a redação final aprovada estabelece que a educação para os alunos com deficiência deve ser oferecida “preferencialmente” no sistema público de ensino. Isso contraria a Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, a Constituição federal e o texto votado nas preparatórias, que estabelecem a universalização da educação básica para todas as pessoas entre 4 e 17 anos em escolas comuns – sem a atenuante do termo “preferencialmente”.

Portaria interministerial nº 5: trata da reorganização da Rede nacional de certificação profissional (Rede Certific). Recomenda, entre outros itens, respeito às especificidades dos trabalhadores e das ocupações laborais no processo de concepção e de desenvolvimento da certificação profissional.

2015

Lei nº 13.146 – Lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (LBI): o capítulo IV aborda o direito à educação, com base na Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, que deve ser inclusiva e de qualidade em todos os níveis de ensino; garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras. O AEE também está contemplado, entre outras medidas.

2016

Lei nº 13.409: dispõe sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnico de nível médio e superior das instituições federais de ensino. As pessoas com deficiência serão incluídas no programa de cotas de instituições federais de educação superior, que já contempla estudantes vindos de escolas públicas, de baixa renda, negros, pardos e indígenas. O cálculo da cota será baseado na proporcionalidade em relação à população, segundo o censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Referências internacionais

Declarações e relatórios de agências de cooperação internacional são importantes para fortalecer a educação inclusiva, pois propõem valores e diretrizes que fundamentam a elaboração de leis e decretos. A seguir, apresentamos de forma resumida as principais referências internacionais sobre educação inclusiva.

1990

Declaração de Jomtien (Tailândia): destacou os altos índices de crianças e jovens sem escolarização e propôs transformações nos sistemas de ensino, visando assegurar a inclusão e a permanência de todos na escola.

1994

Declaração de Salamanca (Espanha): reafirmou “(…) o nosso compromisso para com a Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e urgência do providenciamento de educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino”.

1999

Convenção da Guatemala: trouxe o princípio da não discriminação, que recomenda “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”. Ou seja, é preciso garantir direitos iguais de participação, de aprendizagem, de trabalho, entre outros. Nesse sentido, se for necessário oferecer recursos, metodologias ou tratamento diferenciado visando proporcionar condições adequadas, a indicação é que sejam mobilizados todos os investimentos que assegurem a equiparação de oportunidades. Esta não é uma ação discriminatória; ao contrário, ela visa promover o acesso, fazendo um movimento de inclusão fundamentado no princípio da diversidade, para o qual a diferença é uma realidade, não um problema. A Convenção vigora no Brasil desde setembro de 2001, quando foi aprovada pelo Senado com o Decreto legislativo nº 198.

2006

Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência: assegura que pessoas com deficiência desfrutem os mesmos direitos humanos de qualquer outra pessoa: elas são capazes de viver suas vidas como cidadãos plenos, que podem dar contribuições valiosas à sociedade, se tiverem as mesmas oportunidades que os outros têm. O artigo 24, que aborda a educação, é claro: “Para efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida”.

2013

Relatório situação mundial da infância: realizado pelo Unicef (2013), o documento traz informações qualitativas e quantitativas sobre a inclusão de crianças e adolescentes na educação, inclusive no Brasil.

2015

Objetivos de desenvolvimento sustentável: dão continuidade aos Objetivos de desenvolvimento do milênio (ODM) e valem de 2015 até 2030. São 17 objetivos e 169 metas sobre erradicação da pobreza, segurança alimentar e agricultura, saúde, educação, igualdade de gênero, redução das desigualdades, entre outros. O objetivo 4 é assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.

• Meta 4.1: até 2030, garantir que todas as meninas e meninos completem o ensino primário e secundário livre, equitativo e de qualidade, que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes;

• Meta 4.5: até 2030, eliminar as disparidades de gênero na educação e garantir a igualdade de acesso a todos os níveis de educação e formação profissional para os mais vulneráveis, incluindo as pessoas com deficiência, povos indígenas e as crianças em situação de vulnerabilidade;

• Meta 4.7: construir e melhorar instalações físicas para educação, apropriadas para crianças e sensíveis às deficiências e ao gênero e que proporcionem ambientes de aprendizagem seguros, não violentos, inclusivos e eficazes para todos.

 

Marta Gil é coordenadora executiva do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas, consultora na área de inclusão de pessoas com deficiência, responsável pela concepção do DISCOVERY, primeiro jogo corporativo sobre inclusão, consultora da série “O futuro que queremos – Trabalho decente e inclusão de pessoas com deficiência” (OIT e Ministério Público do Trabalho), responsável pela elaboração da Metodologia SESI SENAI de gestão da inclusão na indústria, Fellow da Ashoka Empreendedores Sociais. Autora dos livros “Caminhos da inclusão – A trajetória da formação profissional de pessoas com deficiência no SENAI-SP”, “As cores da Inclusão – SENAI MA” e organizadora do livro “Educação Inclusiva: o que o professor tem a ver com isso?”, USP/Fundação Telefônica/Ashoka, prêmio Imprensa Social.

Artigo originalmente publicado em fevereiro de 2013 e atualizado pela autora em setembro de 2017.

© Instituto Rodrigo Mendes. Licença Creative Commons BY-NC-ND 2.5. A cópia, distribuição e transmissão dessa obra são livres, sob as seguintes condições: Você deve creditar a obra como de autoria de Marta Gil e licenciada pelo Instituto Rodrigo Mendes e DIVERSA.

6 Comentários

    1. Olá, Wellington.

      Pode contar pra todo mundo! Esse é só o primeiro passo para construirmos uma escola para tod@s.

      Agradecemos pela mensagem.

      Um forte abraço,

  • Na Lei Nº 7853 Art 2º alínea f diz:

    “f) a matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino;”

    Especificamente está dizendo o quê?

    opção 1: que é obrigatório matricular, mesmo que não haja vagas, por exemplo na educção infantil;

    opção 2: o aluno tem vaga reservada como se fosse cota;

    opção 3: pode ser matriculado, caso exista vaga, concorrendo de igual modo como os demais, pois o enunciado da mesma lei diz no Art. 1:

    “§ 1º Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, …”

    qual é o entendimento correto?

  • Olá, gostaria de esclarecimento. Sou professora colaboradora de DI e damos suporte em sala de aula regular. Temos uma sala para planejamento e onde temos a possibilidade de trabalhar com alunos autistas severos, cadeirantes e com paralisia atividades complementares. No entanto, recebemos instruções que essa sala será fechada, pois temos que ficar apenas em sala de aula. Teria alguma lei que estabelece essa situação? Preciso de ajuda nesse sentido. Obrigada

  • Olá, sou intérprete de libras, trabalho em três escolas pupúblicas. Gostaria de saber se há um número (quantidade) de alunos deficientes por sala? Grata desde já!

    1. Olá, Niedyja. Aqui no DIVERSA, nós contamos com um fórum onde pessoas interessadas em educação inclusiva podem trocar ideias. Esta sua dúvida sua já está registrada lá e conta com uma resposta, veja: http://diversa.org.br/forum/existe-limite-numero-alunos-sala-aula-tenha-aluno-deficiencia

      Se desejar participar da discussão para fazer mais perguntas, você pode interagir no fórum livremente. Basta se cadastrar em diversa.org.br/cadastro para participar.

      Abraços!

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