Não é admissível “naturalizar” qualquer tipo de exclusão escolar

Universalizar o direito de aprender para todas e cada uma das crianças e adolescentes desse país requer, de saída, deixar de considerar normal ou natural qualquer tipo ou situação de exclusão escolar.

Vamos imaginar um município com um sistema forte, organizado e eficiente de busca ativa de crianças e adolescentes fora da escola. Agentes públicos e comunitários percorrem cada rua, cada povoado, cada bairro. Batem na porta de todas as casas fazendo perguntas: Quantas crianças e adolescentes? Qual a idade delas? Elas estão na escola? Se não, por que? Poderíamos relacionar aqui dezenas de motivos que serão apresentados pela família. Mas vamos olhar, com extremo cuidado, as razões apresentadas para crianças e adolescentes com deficiência estarem fora da escola.

Elas vão desde situações no campo operacional ou de infraestrutura, como falta de transporte escolar adaptado ou condições de acessibilidade da própria escola, até questões mais complexas. Por exemplo, alguns mitos da relação entre as crianças e a escola: “Não adianta, porque ela não aprende nada!”. Os professores e funcionários da escola não têm formação adequada. Ou atitudes discriminatórias que fazem com que as crianças ou adolescentes não queiram, de verdade, frequentar ou, em muitos casos, enfrentar a sala de aula.

Podemos dizer, sem medo de errar, que todas essas questões envolvem muito diretamente três grandes atores: a família, a criança ou adolescente, a escola como um todo. Nosso desafio é desconstruir, juntamente com esses três atores, a naturalização dessa exclusão.

Recentemente, vi uma entrevista da Deputada Mara Gabrilli, onde ela inverte essa relação entre pessoas com deficiência e o mundo do trabalho. Talvez seja esse um caminho a seguir para garantir a universalização do acesso à escola para crianças e adolescentes com deficiência. Não há que verificar se a criança se adapta ou se adequa a uma escola marcada pela exclusão e inacessibilidade; se ela vai enfrentar a sala de aula da mesma forma que as demais crianças; se sua família e a sociedade como um todo já aceitaram, como natural, sua incapacidade de aprender.

É preciso ver por um outro lado: Como a família, a escola e a criança podem, em articulação e incidindo sobre as políticas públicas, derrubar mitos, aprendendo a fazer da escola um espaço que efetivamente garante o direito de aprender para todas e cada uma das crianças e adolescentes?

O certo é que, sem derrubar esses mitos, sem enfrentar esses desafios, nós vamos andar em círculos, sempre, em um ciclo perverso, que reforça a ideia de exclusão como norma, como natural: matrícula, baixa frequência, resultados precários de aprendizagem, discriminação, tudo levando ao abandono.

Por isso é necessário ver a busca ativa muito mais do que um processo de buscar a criança ou adolescente e levá-los à escola. Esse é só um passo, muitas vezes o primeiro, mas só um, no processo complexo de garantir plena e universalmente o direito de aprender para todas e cada uma das crianças e adolescentes.

Família, programas e agentes de diversas políticas públicas, escola, comunidade, precisam estar juntos, articulados, criando espaços de conhecimento e escuta para que avanços ocorram, se consolidem, incidam sobre as políticas, os territórios e todos os envolvidos.

Ninguém pode lavar as mãos, dizendo que já fez sua parte. Identificar uma criança com deficiência fora da escola deve acender sinais de alerta em todas as áreas de políticas públicas que podem contribuir para que ela vá à escola, permaneça aprendendo e se desenvolvendo, juntamente com seus colegas, sua família e sua comunidade. Assistência e Proteção Social, Educação, Saúde, Cultura, Esportes caminham juntos, ou todo um esforço voltado para a plena e permanente inclusão escolar em um contexto de educação de qualidade, integral e integrada, não se concretizará.

Busca ativa deve ser uma atitude articulada, cotidiana e contínua, para garantir acesso, permanência e aprendizagem para todas e cada uma das crianças, considerando sua diversidade e seus diferenciados processos e ritmos de aprender.

Assim, aprendemos todos, crescemos todos juntos. Conviver com a diversidade e construir uma atitude acolhedora e não discriminatória na escola é uma enorme contribuição para a construção de um ambiente social e de políticas públicas voltados para a redução de desigualdades e para a garantia de direitos, desde a infância e a adolescência até a vida jovem e adulta. Um ambiente que vai do mundo da escola, da família e da comunidade até o mundo do trabalho, das relações afetivas e do convívio em todo lugar.


Maria de Salete Silva é formada em Arquitetura pela Universidade Federal da Bahia e teve sua atuação profissional voltada para as políticas públicas e sua implementação em territórios. De 1995 a 1996, foi Secretária de Educação do município de Salvador, de onde foi também Secretária de Administração (1993/94). Teve sua atividade profissional desenvolvida tanto nos poderes executivo quanto legislativo e também em ONGs. Coordenou o Programa de Educação do Unicef no Brasil de 2007 a 2014.

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